Democracias partidárias



Quando dizemos que um dos traços distintivos do PCP em relação a qualquer outro partido nacional reside no conteúdo democrático do seu funcionamento interno, não estamos a proceder a um exercício de propaganda mas a fazer uma afirmação que a realidade incontestavelmente confirma. Atente-se no vasto conjunto de assembleias das organizações do PCP que têm vindo a ser realizadas, aos vários níveis, nos últimos meses. Por todo o País – do distrito ao concelho, do concelho à freguesia, da freguesia ao sector profissional ou à empresa – centenas de organizações, seguindo uma prática normal no Partido, realizam as suas assembleias numa demonstração de singular vivência democrática, em que milhares de militantes, com as suas reflexões e opiniões individuais, dão um contributo decisivo para a definição democrática do pensamento colectivo do Partido. A análise crítica ao trabalho desenvolvido por cada organização, a definição de orientações e linhas de intervenção para o futuro e a eleição dos respectivos organismos de direcção – objectivos essenciais da generalidade dessas assembleias – resultam, assim, de um debate colectivo sem paralelo no quadro partidário nacional.


Assim é, igualmente, no que respeita à preparação e realização dos congressos. Os espectáculos mediáticos que o PS, o PSD e o PP nos proporcionam, e que as televisões nos trazem a casa em directos quase integrais, são, inegavelmente, divertidas comédias. São, também, na maior parte dos casos, autênticas farsas, nas quais uma cuidada encenação muitas vezes logra esconder a quase total ausência de democraticidade. As bases desses partidos são, no essencial, excluídas da participação nas decisões importantes e apenas se lhes pede que votem nos «chefes» e nas suas respectivas moções de estratégia – sem que lhes tenha sido dada a possibilidade de opinar sobre os candidatos a «chefes» e sobre o conteúdo das ditas moções.
Quem acompanhe os relatos, embora resumidos, que o «Avante!» tem vindo a publicar sobre os vários congressos do PCP, facilmente se aperceberá que em todos eles, mesmo quando realizados nas mais difíceis condições de clandestinidade, esteve presente a preocupação de atrair ao debate o maior número possível de militantes, preocupação decorrente de um conceito de democracia e de funcionamento democrático que tem na participação dos militantes – com as suas críticas, com as suas opiniões, com as suas propostas – uma das suas vertentes essenciais. Só assim é possível construir um pensamento colectivo e democrático gerador da unidade interna, da fraterna conjugação de esforços nas batalhas de todos os dias, da permanente e generalizada acção solidária.


É óbvio que em nenhum outro partido se observa semelhante situação. Pelo contrário: aquilo a que se assiste nesses partidos é a um forte e cerrado centralismo desprovido de conteúdo democrático e traduzido, por isso mesmo, numa concentração de poderes e de mandos nas mãos de um reduzidíssimo grupo de «chefes» que pensam, decidem e agem sem qualquer consideração pela opinião dos militantes de base – opinião que, aliás, não conhecem nem fazem questão de conhecer.
Seria interessante proceder a um estudo comparado quer do número e do âmbito dos organismos eleitos em cada um dos partidos nacionais; quer da percentagem de militantes que, em cada partido, participa e contribui com a sua opinião para as decisões tomadas; quer dos métodos utilizados para a eleição das suas direcções. A realização de tal estudo e a ampla divulgação dos seus resultados constituiria um precioso contributo para a sã e democrática desmistificação de todo um conjunto de patranhas sobre o PCP que, porque muitas vezes repetidas, são tomadas como verdades por muitos incautos ou distraídos cidadãos. Quer isto dizer que nós, comunistas, consideramos ter atingido o nível máximo no que respeita ao bom funcionamento do Partido? De forma nenhuma. Aliás, como a experiência nos mostra todos os dias, é sempre possível e necessário fazer melhor, aperfeiçoar e aprofundar esta rica experiência com 79 anos de idade.


Foi falado, recentemente, o caso de um deputado do PS – Jorge Lacão – que, pretendendo fazer uma pergunta, previsivelmente incómoda, a um ministro, foi disso impedido, em nome da «solidariedade», pelo chefe do seu grupo parlamentar – Francisco Assis. Este caso, um entre muitos que ocorrem no partido do Governo, merece destaque não só como acto violador de regras democráticas mas também porque é bem denunciador da mentira – sempre divulgada como se de verdade incontestável se tratasse – sobre uma pretensa total democraticidade existente no PS. É sabido que todos os ex-militantes do PCP que venderam a alma ao PS, têm procurado disfarçar esse acto mercantil escudando-se nessa mentira e justapondo-lhe a falsidade sobre o «funcionamento antidemocrático do PCP». E apesar de alguns deles, como era inevitável, já terem tido ocasião de sentir o peso pesado da «democracia rosa», a verdade é que, contra toda a evidência mas por motivos óbvios, hão-de continuar a abusar do mesmo falso argumento – pelo que, desse lado, pode o engenheiro Guterres estar tranquilo que terá sempre «solidariedades» garantidas (enquanto estiver no Poder, naturalmente...). Mas manda a verdade que se diga que um partido que não só não envolve como exclui os seus militantes do processo de construção das suas orientações e decisões, não merece a solidariedade desses militantes nem mesmo nos momentos de maiores dificuldades.


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000