Os Congressos do
Partido - O VII Congreeso (Extraordinário)
Um
extraordinário Congresso
«Houve tempo em que esta sala teria sido demasiado grande para abrigar todos os membros do Partido. Hoje, não há em Portugal sala ou pavilhão, por maiores que sejam, onde caibam todos os comunistas.»
Com estas palavras, na sua intervenção sobre a situação
política e as tarefas do Partido, Álvaro Cunhal, que intervinha
logo após a abertura dos trabalhos feita por Pires Jorge, dava
uma ideia do extraordinário vigor do PCP, seis meses apenas
após o 25 de Abril. Mais de cinco mil pessoas apinhavam-se no
então Pavilhão dos Desportos. Um milhar eram delegados ao VII
Congresso (extraordinário), convocado em curto espaço de tempo
para debater e aprovar as alterações ao Programa e aos
Estatutos e uma Plataforma de Emergência, medidas tornadas
necessárias na decorrência da democracia conquistada e das
tarefas que aos comunistas se colocavam no processo
revolucionário então em curso.
Os depoimentos que hoje publicamos, dos camaradas José Vitoriano
e Domingos Abrantes, dão ao leitor uma ideia mais precisa do
momento político, dos trabalhos do Congresso, das tarefas do
Partido e das alterações então aprovadas. Mas, mesmo antes de
as alterações terem sido introduzidas nos Estatutos, já a
democracia, derrubado o fascismo, se aprofundava e vivia nas
numerosas organizações do Partido e entre os milhares de
militantes. Os delegados haviam sido eleitos em todos os cantos
do País. Operários, empregados, intelectuais, mulheres e jovens
comunistas eleitos pelos seus camaradas mostravam ali a
extraordinária vitalidade de um Partido empenhado nas
transformações sociais, políticas, económicas e culturais
profundas que as massas chamaram a si nesse tempo glorioso.
Vivendo ardorosamente a liberdade recentemente conquistada e sem
descanso defendida dos ataques da reacção que já então
escolhera os seus aliados entre alguns dos que acompanhavam o
curso da revolução para não ficarem de fora, os comunistas ali
reunidos, ouvindo e intervindo em nome de órgãos de direcção
ou de células recem-construídas mas já com história de lutas
valorosas, apreciando e votando os documentos do Congresso,
transformam-no, apesar da responsabilidade e da seriedade do
debate, numa verdadeira festa.
Este VII Congresso (extraordinário pela missão
específica para que fora convocado, mas também extraordinário
pelo momento político que então se vivia e pela festa que foi -
primeiro congresso em liberdade após 48 anos de fascismo),
deixou marcas nos outros todos que se lhe seguiram, reuniões
magnas onde a fraternidade reina, lugar de encontro e de
reencontro. Ali, no pavilhão que tantas iniciativas do Partido
iria abrigar nos anos seguintes até hoje, foi também lugar de
encontro para milhares de militantes que nunca se haviam
encontrado. E de reencontro para muitos ainda que os caminhos da
clandestinidade haviam separado, mas que o Partido e os seus
ideais juntavam na luta, onde quer que ela fosse.
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A apresentação do Comité Central
308
anos de prisão!
No VII Congresso foi
apresentado o Comité Central do Partido. Com 36 membros, entre
efectivos e suplentes, a grande maioria já fazendo parte do CC
antes do 25 de Abril, a direcção do PCP era composta por
quadros comunistas que haviam dado as suas provas nas duras
condições da clandestinidade. Octávio Pato, que apresentou o
CC ao Congresso, leu perante os delegados cada nome, indicando a
seguir o número de anos de membro do Partido, o tempo de
funcionário e de dirigente. Mas um número foi o mais importante
de todos os que ali se anunciaram - o de anos passados por cada
homem e cada mulher nas prisões do fascismo. Ao todo, o Comité
Central somava 308 anos de prisão!
Muitos desses camaradas de uma geração histórica que dirigiu o
PCP nas batalhas contra o fascismo e nas suas derradeiras horas e
que, depois, conduziu a luta revolucionária e a defesa de Abril,
já não fazem parte do número dos vivos. Que importa,
chegarão ao nosso brado, diz o poema. Porque
nenhum de nós anda sozinho. Até os mortos vão ao
nosso lado...
Eram membros efectivos:
Álvaro Cunhal; Sérgio Vilarigues; Octávio Pato; Joaquim Gomes;
Dias Lourenço; Jaime Serra; José Vitoriano; Blanqui Teixeira;
Carlos Brito; Carlos Costa; Pires Jorge; Américo Leal; António
Gervásio; Dinis Miranda; José Magro; Ângelo Veloso; Rogério
Carvalho; Francisco Miguel; Georgette Ferreira; Domingos
Abrantes; Pedro Soares; Carlos Aboim Inglez; Sofia Ferreira.
Os suplentes eram:
Albano Nunes; Alda Nogueira; António Santo; Aurélio Santos;
Carlos Luís; Horácio José; Ilídio Esteves; José Bernardino;
José Carlos Almeida; José Pedro Soares; Manuel Pedro; Margarida
Tengarrinha; Raimundo Narciso.
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O 25 de Abril pôs
fim a 48 anos de ditadura fascista, a 48 anos de repressão, de
prisões e torturas. Para o PCP que ao longo de 48 anos fora
forçado à clandestinidade e pagara um alto preço pela sua luta
pela liberdade e pela acção desenvolvida em apoio das lutas dos
trabalhadores pelo pão e por melhores condições de vida e de
trabalho, abriram-se-lhe as portas da legalidade.
A conquista da liberdade, graças à intervenção do
Movimento das Forças Armadas e à luta do povo português, ao
longo de muitos anos, contra o fascismo, foi sem dúvida um dos
acontecimentos de maior relevância na vida política nacional em
todo o Século XX. As profundas transformações económicas e
sociais que se lhe seguiram pela acção das massas populares e
das forças democráticas e a que, com o acto revolucionário que
derrubou o fascismo, se chamou revolução de Abril,
proporcionaram melhorias consideráveis nas condições de vida
dos trabalhadores e, em particular, das camadas mais
desfavorecidas da população. Ao nível da acção política e
de massas, a conquista da liberdade proporcionou ao nosso Partido
um grande desenvolvimento da sua intervenção a seguir ao 25 de
Abril. O Partido cresceu e reforçou-se muito, seja quanto ao
número dos seus membros e da militância, seja quanto ao número
de organismos e à sua estruturação à escala nacional.
Mas as forças reaccionárias estavam longe de se sentirem
conformadas com a nova situação e não estavam paralisadas.
Para além da tentativa do golpe de Estado constitucional do
general Spínola através do então Primeiro Ministro Palma
Carlos no mês de Julho, ocorrera outra mais séria em 28 de
Setembro, a da chamada maioria silenciosa, que as forças
populares, tendo como principal força dinamizadora o PCP,
desmontaram, infligindo uma pesada derrota à reacção nos seus
esforços para inverter o curso dos acontecimentos.
Foi neste quadro que o PCP decidiu realizar o seu VII Congresso
(extraordinário), o primeiro congresso realizado em Liberdade
depois de 48 anos de fascismo. O último, clandestino,
realizara-se em 1965.
O VII Congresso (extraordinário), que foi preparado em apenas
duas semanas, realizou-se num só dia, 20 de Outubro de 1974, no
então Pavilhão dos Desportos (hoje Pavilhão Carlos Lopes) e
foi aberto pelo nosso saudoso camarada Pires Jorge nele tendo
participado mais de cinco mil membros do Partido (1003 delegados
e 4209 convidados). O Congresso teve como objectivos aprovar
algumas alterações ao Programa e aos Estatutos do Partido,
alterações determinadas por força da nova situação criada
com a Revolução de Abril e para corresponder às novas tarefas
que se punham ao Partido e em função das profundas alterações
por que o País estava a passar.
Além de que, independentemente do grande crescimento e reforço
do Partido no período que se seguira ao 25 de Abril, só o facto
de a ditadura fascista ter sido derrubada e o Partido ter deixado
de ser um partido clandestino, isso impunha algumas
modificações nos Estatutos e no Programa, adaptando ambos os
documentos à nova situação de legalidade.
Por exemplo, nas condições de clandestinidade as eleições dos
organismos dirigentes, assembleias, prestações de contas e
outros actos normais na vida democrática do Partido estavam
fortemente restringidos ou condicionados por motivos de defesa do
Partido e dos seus militantes. Na nova situação de legalidade
todas estas limitações tinham desaparecido.
Noutros casos, formulações anteriores têm que dar lugar a
formulações novas como é o caso do Art.º 4.º dos Estatutos
em que se dizia: «no actual momento histórico a grande tarefa
que se coloca ao proletariado português e ao seu Partido é a
revolução democrática e nacional cujos objectivos são...»,
seguia-se o enunciado dos oito pontos.
Na versão aprovada pelo VII Congresso, no mesmo artigo diz-se:
«No actual momento histórico o processo revolucionário em
curso insere-se na revolução democrática e nacional cujos
objectivos..., segue-se igualmente o enunciado dos oito pontos
mas em que o primeiro sofre alterações, pois agora trata-se de
«destruir completamente o Estado fascista» enquanto que na
versão anterior era «destruir o estado fascista e instaurar um
regime democrático».
Estas alterações são naturalmente extensivas ao Programa, que
contém outras como o caso do capítulo II que é totalmente
substituído, pois as tarefas imediatas de agora são
completamente diferentes das tarefas imediatas do tempo da
ditadura fascista. É ainda o caso da modificação de algumas
expressões e supressão de outras que então e após o
derrubamento da ditadura fascista podiam não ser bem entendidas,
como era o caso da expressão «ditadura do proletariado»
contida no capítulo III do Programa e que foi suprimida.
O VII Congresso também aprovou uma proclamação em que se
salientam as importantes vitórias do povo português em todo
este período, que começou com o 25 de Abril em que foi
derrubada a ditadura fascista e conquistada a liberdade, com a
existência dos partidos políticos, sindicatos e outras
organizações de massas e democráticas actuando livremente e o
fim das guerras coloniais, ao mesmo tempo que se chama-se a
atenção para os perigos da reacção que continua activa e
dispondo de poderosos meios, em que se movimentam os grandes
grupos monopolistas e os latifundiários.
Esta proclamação insere uma plataforma de emergência para
consolidar a nova situação política, assegurar a estabilidade
económica e financeira, melhorar as condições de vida das
massas populares, cujos pontos fundamentais são:
Reforço do estado democrático e defesa das liberdades;
Defesa da estabilidade económica e financeira com vista ao
desenvolvimento;
Prosseguimento da descolonização.
Esta Plataforma de Emergência integra o Programa (capítulo II)
então aprovado.
O Congresso decorreu com muita alegria, grande entusiasmo e
sentido das responsabilidades que se punham aos comunistas
naquela fase histórica da revolução de Abril. Para a quase
totalidade dos comunistas presentes foi o primeiro Congresso do
Partido em que participaram. Penso que para todos terá sido o
primeiro na legalidade.
Terá ainda interesse referir que dos 36 membros do CC então em
funções só 4 não tinham estado presos e que os outros 32
ultrapassavam a soma de 300 anos de prisão.
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O VII Congresso
(Extraordinário) realizado na cidade de Lisboa a 20 de Outubro
de 1974, apesar de ter durado apenas um dia, de ter sido
preparado no curto espaço de duas semanas e de o Partido ter de
responder diariamente a um verdadeiro caudal de tarefas e de
novas situações, foi um sucesso e representou a vários
títulos um importante marco na vida do Partido e do País.
Desde logo, por ser o primeiro congresso realizado «à luz do
dia», em liberdade após quase meio século de ditadura fascista
que sujeitou o nosso Partido à dura clandestinidade, e pelo
número de delegados (mais de 1000) e de convidados (mais de
4000), constituiu a maior realização partidária efectuada até
então na história do PCP.
Embora tivessem decorrido apenas seis meses desde o derrubamento
da ditadura fascista, a realidade nacional e do Partido havia
sofrido profundas alterações. Estavam em curso importantes
transformações sócio-económicas. As massas populares
tornavam-se pela primeira vez sujeitos activos da construção de
uma nova vida e de um novo país.
Nas condições de legalidade, os efectivos do Partido tinham-se
alargado significativamente, reforçado a base organizada e
criado estruturas de direcção em todo o território. Com uma
base social de 60% de operários e 18% de empregados, o PCP
confirmava a sua natureza de classe inequívoca, a do Partido da
classe operária e de todos os trabalhadores, realidade que se
revelou determinante para o aprofundamento do processo
revolucionário e a defesa das suas conquistas.
O VII Congresso assumiu também grande importância pelo facto de
se ter realizado poucos dias depois do primeiro grande confronto
com as forças reaccionárias (28 de Setembro) tendo o Partido e
os trabalhadores desempenhado papel determinante na derrota das
forças contra-revolucionárias .
O derrubamento do fascismo e a evolução do processo
revolucionário confirmando a justeza das orientações do VI
Congresso, exigiam uma avaliação aprofundada do caminho já
percorrido pela revolução e como apetrechar o Partido para
estar à altura das suas responsabilidades nas novas condições
de luta.
Apesar dos objectivos limitados fixados ao VII Congresso -
necessidade de pôr em conformidade aspectos estatutários e de
programa que se adequassem às condições de legalidade e da
nova etapa da vida nacional - as orientações saídas do VII
Congresso foram de grande importância para a evolução do
processo revolucionário ao apetrechar o Partido com uma linha
política precisa para as complexa tarefas com que nos
confrontávamos na altura.
Finalmente, a realização do VII Congresso revelou-se de grande
importância ao contribuir decisivamente para a coesão
ideológica e o reforço da democracia interna do Partido, bases
essenciais para a unidade do Partido.