Trabalho e Direitos

Por Carlos Luís Figueira
Membro da Comissão Política



Numa verdadeira antecipação ao conteúdo da Cimeira de Lisboa Sobre o Emprego, e após longos meses de hibernação, o renascido Cabrita Neto Presidente da AHISA (Associação dos Hoteleiros e Similares do Algarve), lançou um vibrante apelo ao Governo para que este tomasse medidas para liberalizar a entrada de trabalhadores do Leste Europeu, da América Central e mesmo de África.


Fê-lo na simultânea qualidade de Presidente da Federação Nacional dos Similares de Hotelaria, em final de Congresso desta última estrutura, como medida urgente e indispensável para suprir a dramática falta de mão-de-obra existente no sector praga que, a manter-se, colocaria em risco de abertura muitas das unidades existentes.
Dias depois a congénere algarvia AEHTA (Associação de Empreendimentos Hoteleiros e Turísticos do Algarve) estrutura que entre outros aspectos se tem distinguido por ao longo de anos firmar à socapa contratações colectivas com uma Central sindical praticamente inexistente no sector, secundava no mesmo sentido tal lancinante apelo.
A ousadia, o descaramento e a provocação aos trabalhadores portugueses que este apelo encerra é bem um sinal dos tempos que correm, reflectindo o campo de manobra que está sendo dado por este Governo PS ao patronato defendendo políticas sociais que no plano laboral se orientam para a criação de postos de trabalho onde estejam ausentes quaisquer direitos.
Porque se pode questionar porquê então o recrutamento de trabalhadores de tais origens se é suposto poder empregar, com maior facilidade e menores canseiras para este Governo, trabalhadores provenientes da União Europeia já que é suposto em tal espaço a livre circulação de capitais, mercadorias e pessoas? Porque como é óbvio, no mínimo, se lhe teriam de pagar mais!
Não se ignora que a formação profissional na área do turismo desde há muito necessita de uma profunda reforma. Porque extremamente burocratizada e dependente de três estruturas governamentais sem nenhuma coordenação entre si; porque excessivamente cara e desajustada às realidades do sector, porque mal direccionada e com pouca relação com as reais necessidades do mercado de trabalho neste área.
Mas o que este apelo desvenda, não são preocupações visando a resolução de problemas existentes na formação de activos mas antes a hipocrisia que se revestem os frequentes discursos acerca da necessidade da qualificação, em todos os segmentos, da nossa oferta turística acompanhados sempre de circunstanciadas referências à urgência de melhorar a formação profissional dos trabalhadores do sector. Ao invés o que tal reivindicação traduz é a procura de soluções através do recrutamento de uma mão de obra barata, sem direitos, regressando à velha tese que tudo serve desde que não metam o dedo na sopa nem entornem o caldo para o colo do cliente.


Precarização
e baixos salários

Num recente inventário sobre a situação laboral no distrito de Faro da responsabilidade da União dos Sindicatos do Algarve é revelada a crescente precarização em que se encontram milhares de trabalhadores do sector, com unidades hoteleiras a manterem 60, 80 e mesmo 100 % dos trabalhadores com vínculo precário. No sector da restauração para além da precarização somam-se horários de trabalho muito para além do que a Lei e a contratação do sector permite, sem acréscimo de remuneração. As propostas que o patronato apresenta em sede de negociação da contratatação colectiva são em regra para eliminar direitos arduamente conquistados ao longo de anos em contraste com a crescente ocupação das unidades hoteleiras e um aumento real na receita turística.
Ou seja, apesar dos bons resultados que a actividade turística tem proporcionado, a estratégia do patronato continua assente nos baixos salários, na eliminação de direitos sociais, na precarização, a fim de fragilizar a resistência, desarticular a organização dos trabalhadores, criar maiores obstáculos ao desenvolvimento da luta, com o objectivo de ampliar um volume de mão-de-obra disponível, frágil, dependente, que lhe permita obter através da diminuição do volume da massa salarial, engrossar de forma suplementar as suas mais valias.
Trata-se de uma situação insustentável que não tendo ainda uma expressão equivalente no plano do protesto e da luta dos trabalhadores, constitue todavia o fermento para o seu justo desenvolvimento. Os protestos que se seguiram ao aumento dos combustíveis a par da grande manifestação de Março somados aos recentes movimentos grevistas designadamente no sector dos transportes podem ser o pronuncio do inicio de um novo ciclo. A pronunciá-lo podemos constatar a visível inquietação que atravessa o Governo e o nervosismo que dá mostras o aparelho do PS.


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000