Pública precariedade

Por Francisco Braz



O emprego público não pode significar precariedade
Sendo o trabalho um facto social e sinónimo de emprego, terá de ser forçosamente entendido como tal e impreterivelmente valorizado. Ao contrário, as políticas economicistas, aliadas aos interesses do grande capital mais explorador e desenfreado, vêm fazendo regredir a importância social do trabalho e dos direitos sociais.
Também a Administração Pública – que deveria ser sinónimo de emprego com qualidade e direitos, de mais liberdade sindical, e enquanto tal, servir de exemplo e motor para a incorporação de direitos por toda a sociedade e pelos mais diversos sectores – tem sido nos últimos anos o alvo preferencial de uma estratégia política, económica e social no sentido da sua degradação e desregulamentação e utilizada pelo Governo para as políticas de contenção e ou mesmo redução salarial, como a imposição salarial para 2000, de 2,5 por cento, ilustra claramente.
O próprio modelo de construção europeia, assente numa perspectiva económica que privilegia a componente financeira e a globalização de mercados por via da sua liberalização e privatização, em detrimento da gestão pública moderna e democrática, é um dos factores objectivamente responsáveis pela destruição dos serviços públicos, pelo desemprego estrutural, pela instabilidade laboral existente, e pelas tentativas de privatização das relações jurídicas de emprego.
É neste quadro que a administração pública e os seus trabalhadores, em vez de beneficiarem de políticas conducentes à sua modernização, dignificação e valorização, para enfrentarem as crescentes exigências e necessidades dos cidadãos e da sociedade, são apresentados como resistentes à mudança e um «problema» que é preciso resolver.


Estabilidade
como anátema

A estabilidade, característica indissociável do emprego público, decorrente da necessária independência dos funcionários e agentes face a todo o tipo de pressões, tem sido claramente desvirtuada e é hoje apresentada publicamente como um anátema, injustificável dizem-nos, numa sociedade que se quer mais flexível e produtiva.
Se a luta dos trabalhadores tornou possível impor em sede negocial a regularização de milhares de trabalhadores em situação precária, não menos verdade é o facto de que a ausência de medidas concretas subsequentes é hoje responsável pela existência, novamente, de mais algumas dezenas de milhar de trabalhadores em situação precária, logo sem direitos, e sujeitos a todas as consequências dessa realidade.
A verdade é que, após quatro anos de Governo PS, já no seu segundo mandato, se acentuaram os problemas dos trabalhadores da Administração Pública (e das autarquias, em particular), se aprofundou a política de desvalorização dos Serviços Públicos e de privatização dos mesmos, para além das tentativas de esvaziamento de importantes direitos dos trabalhadores.
Nesta medida, pretende-se que o direito ao emprego passe a ser progressiva e preferencialmente encarado como responsabilidade do trabalhador em demonstrar a sua empregabilidade. Para a Administração Pública, e tal como consta no programa do Governo, tal ideia significa a continuação e generalização de formas atípicas e precárias de contratação, os estágios profissionais como forma de exploração de jovens qualificados, a flexibilização dos horários de trabalho, a generalização da semana de quatro dias e do trabalho a tempo parcial, o recurso ao trabalho temporário.
Uma Administração Pública moderna e eficaz, não passa certamente pela sua degradação, mas sim pela criação de emprego com qualidade e com direitos, valorizando e dignificando quem trabalha com o objectivo de servir os cidadãos.


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000