A Lei Mental

Por Odete Santos



Guterres na penúltima campanha eleitoral prometeu as 40 horas de trabalho semanal. Mas trazia na mente uma outra lei. A Lei negociada com o poder económico.

Passados quase quatro anos após a publicação da Lei 21/96 de 23 de Julho, o Governo mantém a sua postura de alheamento perante a solução de um conflito que opôs, e opõe, os trabalhadores e as suas organizações de classe - Os Sindicatos - às grandes Associações patronais.
O Partido Socialista, que na campanha eleitoral das penúltimas eleições prometera as 40 horas de trabalho semanal, viria a defraudar as esperanças com que angariou votos de trabalhadores, com a famigerada Lei da Flexibilidade e Polivalência.
O Partido Socialista cobriu-se de vergonha quando se situou na área das grandes centrais patronais - CIP, CCP e CAP - para destruir um direito conquistado com porfiada luta dos trabalhadores em sede de contratação colectiva. O direito às pequenas pausas e intervalos de descanso como parte integrante do tempo de trabalho.
As 40 horas de trabalho significavam afinal, mais horas de permanência na empresa, na disponibilidade dos empregadores, a menos que os trabalhadores renunciassem a um direito.
A leitura que o Partido Socialista fazia da Lei, era tão manifestamente inconstitucional, que até a maioria parlamentar socialista se demarcou de tal entendimento ao votar o relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao recurso interposto pelo PCP da admissão da Proposta de lei.
Ficando então claro que seria inconstitucional a interpretação do diploma que aditasse às 40 horas de trabalho semanal mais o tempo das pausas e dos intervalos de descanso.
Contudo, no período que se seguiu à publicação da Lei, estalaram os conflitos de trabalho em várias empresas, em torno da conquista efectiva das 40 horas de trabalho semanal.
Como se veio a provar pelo comportamento do Governo Socialista, havia uma Lei Mental - uma lei que o Governo trazia na mente - que lhe fora ciciada pelas grandes entidades patronais. Uma lei injusta que destruía direitos adquiridos pelos trabalhadores. Mas que, graças à intervenção do PCP na Assembleia da República, sofreu revezes, faltando apenas o passo final para que, relativamente à duração do trabalho semanal, seja definitivamente encerrada na mente dos seus autores.
Numa altura em que o PCP já apresentou na Assembleia da República o projecto de lei relativo à redução do horário semanal de trabalho para as 35 horas, numa altura em que pela Europa já se vai aprovando essa redução, cabe perguntar:
Por que é que o Governo não encerra de vez o triste dossier de prolongamento do horário das 40 horas com as pausas e intervalos de descanso?
Através da luta dos trabalhadores, em muitas empresas aquele efectivo horário foi conseguido, ficando englobadas no mesmo as pequenas pausas e intervalos de descanso.
Foi uma luta importante. Uma poderosa luta que levou de vencida, em muitos casos, a orientação política que o Governo do Partido Socialista transmitiu à Inspecção Geral de Trabalho.
Porque após a entrada em vigor da Lei 21/96, o Partido Socialista e o seu Governo deram um triste espectáculo de submissão ao poder económico.
Numa dita Comissão de acompanhamento de uma dita concertação social, em que se integram as grandes centrais patronais acolitadas pelo Governo, foi exarado um entendimento da Lei oposto ao que a Assembleia da República fizera constar de um Relatório.
Arvorando-se, tal Comissão, numa arrogante Câmara Corporativa sobrepondo-se ao poder legislativo da Democracia.
Sucederam-se as instruções do Governo à Inspecção do Trabalho para que da lei fizesse a interpretação tirada por aquela Câmara Corporativa.
Passando para trás a vontade política do Parlamento.
E foi uma vergonha ver como até depois da aprovação da Lei 73/98 de 10 de Novembro( que, através das propostas do PCP, clarificou que as pequenas pausas e intervalos de descanso faziam parte do tempo de trabalho) insistiu o Governo na interpretação dos seus parceiros patronais na bafienta Comissão de Acompanhamento.
Os trabalhadores que ainda não conseguiram que os pequenos períodos de descanso se considerem incluídos no tempo de trabalho, são empurrados , pela atitude do Governo, para os Tribunais, que, em duas sentenças que se conhecem, deram razão aos trabalhadores.
Mas por que é que o Governo não resolve de vez este assunto?
Até onde vai o seu enfeudamento ao poder económico que o impede de ser o garante dos direitos e liberdades individuais e colectivas?


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000