Nova economia, velha exploração
A leitura de um recente estudo sobre a situação do
emprego nos centros comerciais do Grande Porto, onde se encontram
índices de 83% de precariedade, 71% de casos de pagamento abaixo
da tabela salarial e um sem número de jovens licenciados a
vender as mais diversas mercadorias, bem como a do esclarecedor
texto de Sérgio Ribeiro no último «Avante!», são bom motivo
para uma nova chamada do documento da presidência portuguesa à
Cimeira Europeia, de 23 de Março.
Constitui o retrato
de uma época e da fatuidade dos seus autores.
Escrito em americanês, linguajar emanado da
hiperpotência, muito em voga no discurso dominante, impregnado
de ideologia até ao osso das palavras, mas envolto em trinados
de rouxinol e filáucias benfazejas, é um documento revelador da
visão estratégica dos governantes da União e do largo consenso
existente entre Blair, Schröeder, Aznar, Guterres (haverá
diferenças?), entre outros, sorridentes actores do guião ditado
pelos grandes grupos financeiros.
Texto povoado de anglicanismos de extracção estado-unidense, de
expressões como banchmarking, mainstreaming, policymix,
e tradução de conceitos com eufemísticas roupagens como adaptabilidade,
flexibilidade, empregabilidade, numa enfadonha
retórica destinada a omitir o essencial: para os seus autores a
solução dos problemas do emprego na Europa está na imitação
do modelo americano.
E é ver o pacóvio deslumbramento de comentadores como José
Manuel Fernandes e Teresa de Sousa, a tecer loas à «nova
economia», cobrindo a sórdida nudez dos propósitos de quem,
afinal, pretende intensificar a exploração do trabalho em nome
da modernidade.
O modelo "macjob"
No modelo que
pretendem reproduzir não há desemprego (dizem) porque
consideram emprego o recurso ao macjob, ou seja, trabalhar
de vez em quando num qualquer «McDonalds» (como faz o
magnífico Kevin Spacey, no filme «Beleza Americana»), com
baixíssimos salários, sem garantias nem defesas para quem
trabalha e super-lucros para os donos.
Deixando de lado algumas pérolas discursivas com que descrevem a
«nova estratégia europeia» «criar uma dinâmica puxada
pelo processo (!), integração horizontal da preocupação da
integração social (!), papel proactivo do ciber- espaço»,
percebe-se como pretendem operar o milagre do pleno emprego que
anunciam: «multiplicação dos criadores de empresas, com
tónica nas micro-empresas», «flexibilizar os trajectos
profissionais, para o que é necessária a aprendizagem ao longo
da vida com indispensável envolvimento das empresas»,
«desenvolver o sector de serviços», «modernizar a
protecção social», «criar parcerias público privado», e
para as categorias mais desfavorecidas haverá o «cheque
social».
Empresarializar o mais possível, privatizar o mais possível,
sempre em nome da santa competitividade.
O pior é que, como observa Viviane Forrester no seu último
livro, esta ditadura sem rosto em que vivemos dá prioridade
absoluta ao lucro sobre o conjunto dos seres humanos.
E é por isso que se defende que o emprego depende do
crescimento, este depende de competitividade e esta da capacidade
de suprimir empregos, o que significa que, para lutar contra o
desemprego, nada melhor do que despedir...
É esta insanável contradição que o documento em apreço
contém mas procura rebuçar com belas frases.
Os quatro mandamentos
Vale a pena aqui
lembrar os quatro mandamentos da «Nova Economia», publicados na
«Business Week» de 24/2/97, na forma de conselhos aos governos
europeus.
Neles se prescreve: «a Europa deve diminuir os custos do
trabalho; as economias devem ser totalmente desregulamentadas e
abertas à competição; o sector de serviços deve criar
empregos para substituir a indústria poluente; o
estado-providência deve ser reduzido para diminuir o défice
orçamental».
Comparem os leitores estes conselhos com as recomendações que a
Comissão Europeia apresentou para a economia portuguesa, segundo
os jornais de Domingo, e o documento da Cimeira do Emprego. É a
mesma lógica, claramente neoliberal, que os domina.
E nem uma palavra sobre a dignidade e o valor do trabalho, sobre
os direitos sociais conquistados ao longo de gerações.
Empresarializar, privatizar, desregular, parece ser a santíssima
trindade do processo em curso, fruto acabado do pensamento único
aplicado à política de emprego.
Não há dúvidas: esta globalização, com estes dogmas e estes
títeres, está a precisar de um buzinão global. Jorge
Sarabando