Termina
julgamento de dirigente sem-terra no Brasil
José
Rainha é absolvido
A absolvição do dirigente do Movimento dos Sem-Terra José Rainha da acusação de co-autoria das mortes de um fazendeiro e um polícia foi recebida em todo o mundo como uma importante vitória dos camponeses brasileiros. O Avante! recorda nesta edição o processo que há anos decorre e publica um artigo de José Saramago sobre Rainha.
José Rainha Júnior foi absolvido. O Tribunal de Vitória, no
Espirito Santo, Brasil, considerou o dirigente do Movimento dos
Sem-Terra (MST) inocente da acusação de co-autoria na morte de
um fazendeiro e de um polícia, ocorridos em 1989.
A sentença, decidida pelo júri por unanimidade na semana
passada, foi recebida com euforia por todos os sem-terra e pelos
muitos apoiantes de Rainha.
«Jamais recuei um passo na luta pela reforma agrária e este
julgamento deu-me mais força para seguir em frente», afirmou
José Rainha, à saída do tribunal, acrescentando que a
absolvição «é a vitória do MST, dos trabalhadores e da
sociedade organizada».
Carlos Carvalhas, secretário-geral do PCP, e José Casanova,
director do Avante!, enviaram a Rainha as saudações dos
comunistas portugueses. Carvalhas classifica a sentença como
«expressão da justeza e amplitude da luta dos sem-terra e da
solidariedade internacional».
Também a comissão portuguesa de apoio ao dirigente do MST se
congratulou com a absolvição e volta a reclamar o
reconhecimento do direito ao uso da terra aos trabalhadores
rurais, pois dela depende a sobrevivência de milhões de pessoas
no Brasil.
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Factos
e provas
No dia 3 de Junho de 1989, a fazenda Ypuera, em Espírito Santo,
no Brasil, é ocupada pacificamente por cerca de 100 famílias de
camponeses sem-terra. Trata-se de uma fazenda de 1500 héctares,
totalmente improdutiva, na sua maior parte cheia de mato raso.
Três dias depois, o dono da fazenda, José Machado Neto, e um
polícia à paisana, Sérgio Narciso, disparam contra o
acampamento. Os sem-terra respondem. Neto e Narciso morrem e
vários trabalhadores rurais são feridos. Logo depois, a
polícia militar despeja as famílias e prende vários
camponeses.
Estes são os factos que deram origem ao processo em que José
Rainha se viu envolvido. O seu nome foi apresentado à justiça
por um inquérito da Polícia Militar, que citava os testemunhos
de camponeses que, sob tortura, declararam que Rainha tinha
participado no conflito.
O inquérito policial civil foi concluído em Junho de 1989 e a
juíza responsável pelo caso concluiu que não recai sobre José
Rainha «qualquer responsabilidade no crime». No entanto, em
1997, no julgamento que se seguiu ao inquérito da polícia
militar, Rainha é condenado a 26 anos e seis meses de prisão,
acusado de organizar o grupo dos trabalhadores rurais e de ajudar
a fuga dos autores dos disparos.
A mil quilómetros de Espírito Santo
Os Sem-Terra
apresentam provas da permanência de José Rainha no Ceará, onde
participou em negociações com o Governo do Estado, entre 25 de
Maio e 5 de Junho. Gravações vídeo e fotos, além de muitos
testemunhos asseguram que o dirigente do MST estava bem longe de
Espírito Santo, a mais de mil quilómetros de distância.
Entre as testemunhas de defesa contam-se um coronel da polícia
militar, o chefe de segurança da Casa Militar, um deputado do
PSB, dois ex-presidentes da Câmara Municipal de Fortaleza e o
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Quixeramobim.
Para o MST, «as pessoas que participaram na condição de
jurados no primeiro julgamento compareceram com a vontade
deliberada de condená-lo. Todos os jurados mantêm laços
políticos e económicos com o latifúndio da região.»
«O verdadeiro objectivo do julgamento não era apenas
criminalizar a liderança de José Rainha, mas, antes de tudo,
criminalizar todos os trabalhadores rurais sem-terra que ousam
rebelar-se contra o latifúndio, criminalizar o MST e condenar a
luta pela reforma agrária», acusa o movimento.
No primeiro julgamento, Rainha foi condenado com base, não em
provas, mas na leitura de declarações prestadas pelos
camponeses à Polícia Militar sob tortura.
«Os advogados contratados pela família do fazendeiro, já que
não possuíam nenhuma prova concreta, realizaram um verdadeiro
teatro do absurdo: choraram, ajoelharam-se, pediram "pelo
amor de Deus e de seus filhos, condenem este homem". Mas em
nenhum momento apresentaram provas da presença de José rainha
naquele local», lembra o MST.