CRÓNICAS DA IDADE MÍDIA
Há meio século

Por Ruben de Carvalho



Em 1953, a editora francesa Arthaud enviava pela primeira vez a Portugal um fotógrafo que, então com 30 anos, conquistara já uma sólida reputação no seu país: Jean Dieuzaide. As visitas repetiram-se nos anos seguintes (1954 e 1956), tendo como objeectivo a publicação do livro Le Portugal, saído em 1956 com um texto de Yves Bottineau. Entretanto, Dieuzaide conquistara o mais importante prémio de fotografia francês, o Prix Nièpce, em 1955 com as suas imagens feitas em Portugal.
O trabalho de Dieuzaide seria ainda parcialmente utilizado em nova publicação, Voyages en Ibérie, surgido em 1983 nas edições Contrejour, mas seria necessário aguardar por 1987 para que a cidade de Toulouse (onde Dieuzaide fundou em 1975 a Galeria Municipal do Castelo de Água) organizasse uma exposição integral dos trabalhos, acompanhado da edição do livro Portugal 1950, com um texto de Eduardo Lourenço.
Homem de esquerda, esteticamente ligado às correntes neo-realistas do cinema e da fotografia, Dieuzaide apaixonou-se literalmente por Portugal e particularmente pelo seu povo. Um povo pescador e rural que a sua objectiva fixou, como bem salienta Eduardo Lourenço, na simultaneidade da dureza da sua vida de trabalho e da dignidade do seu porte, num conjunto de imagens que directamente recordam o desenho e a pintura de Rogério Ribeiro, Dourado, Pomar, Pavia que na mesma época traziam os trabalhadores do Alentejo e do Ribatejo à protagonização das suas obras.
Se constituem uma denúncia da pobreza desse povo trabalhador no Portugal sombrio dos anos 50, as fotos de Dieuzaide reflectem contudo a consciência que se postava detrás da máquina sobre o papel do povo, a sua capacidade de resistência e a inevitabilidade da sua acção transformadora. Daí a impressionante modernidade destas imagens, a sensação de confiança e determinação que transmitem.


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000