A TALHE DE FOICE
Espadeiradas
Não há bem que sempre dure nem mal que
não se acabe, lá diz o ditado e é bem certo. Então não é
que andávamos todos muito descansados - e aliviados, há que
confessá-lo com toda a frontalidade - com o afastamento das
lides comunicacionais do inenarrável João Carlos Espada e eis
que, no passado fim-de-semana, o dito cujo volta a atacar?
A curiosidade foi maior do que o susto sentido ao descobrir-lhe a
imagem na última edição do «Expresso», barriguinha escondida
atrás da secretária, mão direita displicentemente apoiada num
computador portátil, porta-janela em fundo com vista para o
jardim. Às primeiras linhas fica-se a saber que anda por terras
americanas em actividades lectivas, o que confirma que o bem de
uns é a desgraça de outros, mas adiante. Antecipando o regresso
anunciado, Espada faz questão de nos dar as suas primeiras
impressões sobre a juventude estudantil americana, o que desde
logo configura uma ameaça, pois significa que não se ficará
por aqui. Com a candura enfatuada que o caracteriza, confessa a
apreensão sentida quando pensou que os jovens que lhe era dado
confrontar no aliciante mundo das ideias estavam «contaminados
pela "doença infecciosa" da Revolução Francesa - a
doença da igualdade e da ideologia, como lhe chamou o
inesquecível Edmund Burke». Sentimos o arrepio que lhe deve ter
percorrido a espinha, o desassossego, a angústia, perante tão
terrível eventualidade, e como a seu coração terá entoado
louvores à harmonia universal quando descobriu que aqueles
alunos, à primeira vista «ardentes defensores de princípios
ideológicos e certezas absolutas de tipo jacobino», afinal
«são falsos jacobinos», ou como diria Pinheiro de Azevedo, que
Espada cita, «é só fumaça» e «o povo é sereno».
Enlevado, Espada vai mais longe e sublinha que «o mais
impressionante nestes alunos é que são todos liberais», e para
que não restem dúvidas quanto ao conceito explica que o são
«no sentido inglês e no velho sentido americano, que os
jacobinos analfabetos da televisão chamam hoje
"conservador"», precisando depois que «adoram o
compromisso e a moderação».
Aparentemente, o único motivo de reparo nesta juventude do novo
mundo reside no facto de se vestir «de forma extravagante»,
questão de resto em vias de resolução, pois para isso lá
está o nosso Espada, que se apresenta «sempre de fato e
gravata», segundo afirma.
Espada estará de resto a contribuir de forma decisiva para pôr
alguns pontos nos is no campus americano, o que a sua
modéstia não permite dizer mas que ressalta de cada linha que
escreve. Não se pense que é trabalho fácil. Como o próprio
confessa, «quando cheguei olharam para mim como para um animal
de uma espécie em vias de extinção». Resta saber se terá
sido pelo fato e gravata se por causa de Oxford e Karl Popper que
Espada levou na bagagem. Que o vestuário preocupa o nosso
educador em terras americanas ninguém duvide, pois até defende
para a universidade a imposição de «um rigoroso "dress
code" [código de vestuário] (...) para os professores, que
já não têm idade (nem forma física) para vestirem como
adolescentes». Com os professores vestidos a preceito, à
universidade americana só faltaria, no parecer de Espada, ganhar
o salutar hábito de servir «vinho do Porto, tal como em Oxford,
em todas as recepções». Os americanos que se cuidem. Com
Espadas destes nem vale a pena espadeirar, só sucumbir. Anabela
Fino