O Genoma privado



Genoma é palavra gorda e porventura indestrinçável para o cidadão menos informado. Entretanto, sendo o conjunto dos genes humanos - aí uns cem mil - chamado assim, já dá mais para entender. Muito se fala de genes, é só ver a televisão e não há animalzinho que os não projecte, a ver se arranja uma descendência forte e feliz.
A preocupação pelos genes é antiga, entre os humanos. Mesmo entre os menos científicos é comum procurar, e achar - às vezes não... - um ar de família entre os familiares, e até os traços de carácter parecem reproduzir-se de pai para filho, de avó para neta.
A coisa, porém, permanece misteriosa. Há casos em que se pergunta a quem é que ele foi sair assim. E, na área da genética ideológica, não há quem garanta, por exemplo, que um fero comunista não venha a tornar-se em ministro das finanças de um governo do capital.
Não é por acaso que, ao falar de Genoma, a palavra nos sugeriu política, mais propriamente situada na área da economia e das finanças. E não devia ser assim. A identificação dos três mil milhões de pares de bases que constituem os cem mil genes dos humanos é um grande passo para a humanidade, a conquista de um verdadeiro e muito complexo alfabeto em que poderá em breve ler-se o código genético do corpo humano. Para este passo contribuiram cientistas de todo o mundo, ganha embora a «corrida» por uma empresa americana, a Celera Genomics, e não teria sido possível sem as pesquisas anteriores e sem a aplicação, ao processo, das novas tecnologias informáticas. No horizonte, perfila-se a solução de muitos problemas do foro da saúde, e a cura de numerosos e terríveis males.
Esta «descoberta» fica a marcar a história do saber humano, vai mais adiante do que outras descobertas que, há décadas, se fizeram no domínio dos antibióticos.
A «retumbância» deste passo, porém, ficou muito longe do que se poderia esperar ao avaliar a importância que se lhe pode atribuir. Nesta última semana, quando nos jornais se fala de Genoma humano, a questão é saber se este saber será do domínio público, se de âmbito privado. O debate centra-se sobre... os milhões de dólares que certas empresas se preparam para ganhar com um saber que deveria servir, e o mais depressa possível, para aliviar ou curar os males da humanidade.
Dizem alguns que, embora o Genoma seja do âmbito universal e público, algumas «partes», em que os americanos trabalham afanosamente no rumo da descoberta de novos medicamentos, devem ser «patenteáveis», isto é, sujeitas a segredo comercial. De público, ficará apenas a notícia, com gosto a propaganda, de um avanço científico notável. Privados ficarão os lucros. Mas os ricos deste mundo, feitos sempre à custa de muitos pobres, podem ficar descansados. Eles têm dinheiro para pagar a saúde. — Leandro Martins


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000