A deriva
conservadora

Por Joaquim Miranda



Muito foi já dito sobre a cimeira de Lisboa. Nomeadamente sobre a natureza e alcance das orientações principais que dela saíram (ou não). Mas subsistem, porém, alguns aspectos relevantes que merecerão alguma atenção e que até ao momento não têm merecido particulares referências.

Essencial é, sem dúvida, o facto de esta cimeira - para além do nome pomposo que adoptou - ter assumido, como nunca, uma perspectiva neo-liberal.
O centro das atenções ficou-se, indubitavelmente, pelas «reformas» económicas.
As questões sociais - e, em particular, o emprego, por que chegou a ser indevidamente denominada este Conselho extraordinário - essas ficaram pelo caminho. Ou pior: saem dele reforçadas as orientações no sentido da liberalização e da precarização e da flexibilização do emprego, apesar de já velhas e gastas de tanto se insistir nelas.
E de tal forma assim é que mesmo alguns ténues compromissos sociais antes assumidos (por exemplo, no Livro Branco de Delors ou em cimeiras como a de Luxemburgo), foram agora totalmente postos de lado. Lembram-se, por exemplo, os apregoados investimentos públicos - como as vias trans-europeias - que repetidamente foram referidos como meios para a criação de empregos e o combate ao desemprego e que agora foram definitivamente abandonados.
De resto, uma apreciação das reacções governamentais ou uma leitura do que foi noticiado sobre esta cimeira nos diversos Estados membros da União Europeia não deixa margem para dúvidas.


Políticas sociais limitadas

Os elogios que especialmente ela mereceu da banda dos governos britânico e espanhol, que afirmam a paternidade do evento e que particularmente se prontificaram a identificar-se com as orientações que o marcaram – e sendo certo que eles são normalmente conotados com as posições mais conservadoras - tornam mais indiscutível o que antes referíamos: que esta foi a cimeira da consagração europeia do neo-liberalismo, da definitiva adesão da União Europeia ao modelo norte-americano e da intenção de abandonar completamente o modelo social europeu.
E é ainda em clara sintonia com o que antes se refere que penso podermos entender o facto de o Conselho ter ganho peso institucional nesta cimeira. Tal poderá decorrer, por exemplo e em alguma medida, das crescentes dificuldades por que vem passando a Comissão Prodi. Poder-se-ão ainda ter deste facto outras leituras. Mas seguro é que, com ele e fundamentalmente, se pretenderá atingir um objectivo essencial: limitar as políticas sociais ao estrito âmbito nacional - com as orientações referidas - e anular qualquer tentativa de que tal aconteça também e de alguma forma, ao nível europeu.


Britânicos ganham terreno

Entretanto, não deixa de ser curioso que tudo isto se verifica num momento em que os governos da Internacional Socialista pontificam em mais de uma dezena dos quinze Estados membros da União Europeia, incluindo os quatro «grandes» (Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália).
Mas não menos interessante é a constatação de que esta deriva marcadamente conservadora ocorre em simultâneo com o que parece ser uma substituição do tradicional eixo franco-alemão pelo eixo hispano-britânico.
Note-se, a propósito, que esta foi a primeira cimeira, desde há longo tempo, não precedida por um encontro ao mais alto nível (e muito menos de uma posição concertada) entre alemães e franceses.
O que se por um lado evidencia uma crescente ou mesmo definitiva predominância, no campo social-democrata, das teses da «terceira via» – e uma inequívoca adesão de Guterres à mesma -, por outro lado prenuncia, uma tendência, que poderá ganhar forma definitiva na alteração dos Tratados em curso, no sentido da institucionalização, mais ou menos explícita, de directórios políticos na União Europeia, os quais poderão mudar de composição consoante os temas em causa.
Mas sendo certo que os britânicos de Blair, numa nova atitude no âmbito da União Europeia, mais interveniente, mas nem por isso menos desligada dos Estados Unidos, vão ganhando terreno e posições em vários tabuleiros.
É sintomático, aliás e neste contexto, o enorme número de directores gerais provenientes deste país e dos postos-chave que os mesmos conseguiram ocupar na actual Comissão de Prodi.

Facto que, desgraçadamente, contrasta com a incapacidade revelada pelo governo Guterres no sentido de assegurar o posto de director-geral de que o país sempre dispôs na Comissão, desde a sua entrada nas Comunidades.


«Avante!» Nº 1376 - 13.Abril.2000