PCP exige em interpelação ao Governo
Direitos laborais são para cumprir



Atropelos a direitos fundamentais dos trabalhadores e erosão da qualidade do emprego constituem hoje traços marcantes da realidade laboral. O PCP demonstrou-o, em interpelação ao Governo. O diagnóstico foi exaustivo, evidenciando as causas e as responsabilidades do Executivo. Provado, acima de tudo, foi que o País carece de outro rumo.


Este foi um debate centrado sobretudo na qualidade de emprego. Um tema que rapidamente fez a dobra para outras questões a ele associadas, como sejam a precariedade que aumenta de modo galopante, a defesa dos salários e a efectivação dos direitos laborais.
Foi um debate que teve o mérito de trazer para primeiro plano «testemunhos vivos» - «exemplos concretos, incómodos mas concretos», nas palavras do Secretário-Geral do PCP - obtidos a partir do «contacto directo com os injustiçados e suas organizações representativas», bem como com organizações sociais empenhadas no combate às injustiças.
Uma realidade que levou Carlos Carvalhas a lançar um desafio ao ministro do Trabalho e da Solidariedade para visitar com os comunistas situações dramáticas que se colocam a muitos trabalhadores.
«Saia do casulo ministerial e faça um Ministério aberto pelo país e contacte com a realidade laboral», convidou o dirigente comunista, para quem o quadro actual é o «resultado de políticas e orientações neoliberais determinadas e decididas pelos centros de grande capital».
Dessas políticas decorre «uma avassaladora ofensiva desregulamentadora do direito do trabalho, transformando o lucro e a competitividade numa ideologia e num fim em si mesmo» sublinhou Carvalhas, fazendo notar que neste «altar» sacrificam-se direitos conquistados por gerações inteiras de trabalhadores, que, no caso concreto de Portugal, «foram conquistados e consagrados durante o acto e o processo libertador da revolução de Abril».


Contra a precarização

Correspondendo a um universo de mais de 650 mil trabalhadores, «um em cada cinco trabalhadores não tem em Portugal um emprego estável», lembrou Lino de Carvalho, para assinalar como a precariedade no emprego tem alastrado, afectando de modo particular os jovens.
Fenómeno em crescimento, indissociável desta precarização, é o das empresas de trabalho temporário ou de aluguer de mão-de-obra. Sem rei nem roque, tudo nelas parece ser permitido. Os mais atingidos são os jovens e os trabalhadores imigrantes. Como foi dito, em nome da competitividade e do lucro, vulgarizam-se os contratos ao dia, proliferam os recibos verdes e o falso trabalho independente, paga-se o trabalho à hora, à peça ou à tarefa.


Inércia do Governo

Acompanhando a falta de qualidade do emprego e sua precarização, assiste-se hoje a todo o tipo de ilegalidades e perda de direitos.«Existe de Norte a Sul do País trabalho ilegal e clandestino, trabalhadores que laboram durante anos sem seguro, sem segurança social, sem qualquer protecção social em caso de acidente de trabalho, doença ou desemprego», sublinhou o deputado comunista Vicente Merendas, que recordou ainda como em muitas situações nem chega a ser trabalho precário mas sim «mão-de-obra ilegal, trabalho clandestino negro e explorador», sem qualquer vínculo contratual.
E tudo isto perante a complacência e inércia das entidades competentes, como é o caso da Inspecção Geral do Trabalho, a quem a bancada do PCP acusou, responsabilizando directamente o Governo, de não ter uma intervenção eficaz contra a violação dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.


Por melhores salários

Demissionismo do poder político perante as desigualdades e as discriminações que, entretanto, contrasta com as suas políticas activas de contenção salarial. É uma das faces da «depreciação do valor do trabalho», como lhe chamou a deputada Odete Santos, assinalando a propósito como a precarização, a desvalorização do trabalho e a depreciação do salário determinam «a baixa qualificação profissional, os ritmos ferozes na execução do trabalho, o aumento da sinistralidade laboral». Mais: no plano dos salários, «os números oficiais provam como através da instabilidade se visou enfraquecer as reivindicações dos trabalhadores», sustentou a parlamentar comunista.


Propostas do PCP

Mas a postura da bancada do PCP não se confinou à denúncia e à crítica. Construtivamente, como sempre faz, do seu lado vieram propostas concretas, materializadas em projectos de lei, que, a serem aprovadas, respondem a justas e legítimas aspirações e reivindicações dos trabalhadores.
No capítulo da efectivação e regulamentação das leis laborais, é o caso da redução progressiva do horário semanal de trabalho para 35 horas, como é o relativo aos contratos a prazo. Realce merece também o que atende às situações de transferência e cedência de trabalhadores, salvaguardando os seus direitos, bem como, noutro domínio, o que inscreve nos seus objectivos a actualização das pensões degradadas dos 40 mil reformados da Função Pública que vêem as suas pensões anexadas à actualização dos vencimentos que tinham no activo, antes do novo sistema retributivo.

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Carlos Carvalhas no encerramento do debate:
Valorizar o trabalho e os trabalhadores


«Um membro do actual Governo, em tempos com a função de deputado do PS, no confronto com o primeiro pacote laboral de iniciativa do governo PSD/CDS, afirmava que as grandes causas sociais e os direitos fundamentais dos trabalhadores constituíam em si mesmo, a linha de fronteira entre a esquerda e a direita. Foi disso que estivemos a tratar!
E tanto é assim que esta interpelação podia ter sido centrada "à contrário" e seria somente cor de roxo, na excelência dos lucros da multinacionais realizados no nosso país, na excelência dos lucros da banca, na excelência dos lucros das operações especulativas e parasitárias, na excelência dos lucros do capital financeiro, e já não cor de rosa se os colocarmos por exemplo, em comparação com os aumentos que o Governo quer impor nomeadamente, aos trabalhadores da Administração Pública e dos transportes. Seria então uma vergonha! Como é uma vergonha que o Governo nada faça em relação aos aumentos de 8% no gás. Este aumento só se faz depois de já ter sido aumentado no final do ano, por ter a cumplicidade do Governo socialista. E vamos ver o que se vai passar com os medicamentos e com o aumento dos passes sociais e com o preço dos transportes. Compreende-se assim porque é que Portugal ocupa o 1º lugar entre os países da União Europeia em que é maior o fosso entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres.
Esta Interpelação do PCP ao Governo PS, podia de facto ter sido centrada nos excelentes lucros ou nas magnificas taxas de exploração, mas nós resolvemos centrá-la nas questões que atravessam hoje o mundo do trabalho, sustentada nos exemplos e nos problemas concretos dos trabalhadores, sublinhados na intervenção inicial do Deputado Lino de Carvalho, e durante o debate trazendo à ordem do dia as razões fundas do descontentamento e de luta e a necessidade dum outro rumo da política nacional que valorize o trabalho e os trabalhadores.
Fizemos a crítica e a denuncia de realidades com base em testemunhos vivos de contacto direito com os que se sentem injustiçados, com as suas organizações representativas, com organizações sociais empenhadas no combate às injustiças.
Mas também fizémos propostas que a serem aprovadas contribuirão para corresponder a justas e legítimas aspirações e reivindicações dos trabalhadores.
Não pintámos de negro, nem de rosa a situação. Limitámo-nos a trazer exemplos concretos. Incómodos mas concretos. Se o Sr. Ministro teima em os negar então aceite o convite para os visitar connosco, ou então saia do casulo ministerial e faça por si próprio um ministério aberto pelo país e contacte com a realidade laboral!
(...)

E por isso, também denunciamos o farisaísmo daqueles que na Cimeira de Lisboa disseram que a sua agenda tinha por objectivo defender o emprego e combater o desemprego, quando afinal do que se tratou foi de consagrar as teses neoliberais de Blair e Aznar, de mais flexibilidade e mais desregulamentação, ou seja, de mais exploração.
A confirmação aí veio na recomendação da Comissão no que se refere aos mercados de trabalho, cito: «reforço da mobilidade do factor trabalho, modernização de organização de trabalho, revisão da legislação rígida em matéria de protecção de postos de trabalho e de elevados pagamentos por despedimento!». Em relação a isto, o Sr. Ministro do Trabalho diz que tal afirmação é recorrente. Mas o que espanta não é que seja recorrente, mas sim que seja recorrente após a Cimeira de Lisboa e com o habitual mutismo do Primeiro-Ministro. E sobre isto, o Sr. Primeiro-Ministro mais uma vez, opta por um claro silêncio e certamente continuará a dizer que está a governar com muita consciência social"... É o que se vê.
Pela nossa parte continuaremos a intervir e a lutar pela justiça social com determinação e com confiança.
(...)»

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Precariedade e qualidade de emprego
Uma vergonha!


Desigualdades, discriminações, emprego precário, trabalho clandestino, baixos salários, violação de direitos. Com esta a realidade que hoje caracteriza o universo laboral confrontou o PCP o Governo na Assembleia da República. Não de um ponto de vista teórico. Para a interpelação foram sobretudo levados exemplos concretos. Reais. Quotidianos. Exemplos que entretecem uma política que tem na depreciação do valor do trabalho um dos seus pilares. Contra a qual corajosa e firmemente lutam os trabalhadores e suas organizações de classe. Aqui fica o registo de alguns desses muitos exemplos levados a debate pelos deputados comunistas.

 

- No distrito de Aveiro, na empresa Funfrap o salário médio dos trabalhadores permanentes é de 120.000$00, enquanto o salário médio dos trabalhadores com vínculo precário é de 93.800$00.
- Na Renault Cacia, a diferença entre as duas categorias (permanente e precário) é entre 170.000$00 e 112.000$00.
- No complexo Grundig, mercê da precarização, a média salarial baixou entre 15 a 25 mil escudos.
- No sector do calçado e malas do Minho e Trás os Montes, a esmagadora maioria dos trabalhadores recebe entre 65 mil a 66 mil escudos por mês.
- No sector das madeiras do Distrito de Braga os salários dos trabalhadores situam-se entre o salário mínimo nacional para os indiferenciados, e 70.000$00 para os profissionais qualificados
- No Distrito do Porto, até na Administração Pública existe desigualdade salarial, em relação ao resto do País. A média salarial é aí de cerca de 88% relativamente ao resto do País.
- Tendo em conta o contributo de cada indivíduo activo para o produto interno bruto, de cada um dos 15 países da U.E, Portugal apresenta apenas um valor equivalente a 42,6% situando- se na cauda, e bem distante, do país que se lhe segue, a Grécia.

- Nas grandes superfícies comerciais, hipermercados, grandes supermercados e sector da distribuição em geral, metade do emprego existente é constituído por trabalho precário, havendo empresas onde esse valor chega a mais de 60% e em que mais de 1/3 é trabalho a tempo parcial.
- Em Alqueva, os trabalhadores, que são pagos com base num salário/hora, para a mesma função, recebem salários diversos consoante o subempreiteiro para quem trabalham e consoante a nacionalidade. Os donos da obra, EDIA e Governo, fingem que não é nada com eles.
- Nas grandes obras de construção civil no Distrito de Lisboa, estima-se que cerca de 80% dos trabalhadores estejam em regime de trabalho precário. Em geral, é assim em todo o sector da construção civil.
- Na multinacional Grundig, em Braga, mais de 30% são trabalhadores precários. Na nova fábrica da Siemens, em Évora, com cerca de meio milhar de trabalhadores, 90% estão contratados a prazo.
- O Governo decretou extinguir a EPAC. Como resultado desta medida estão cerca de 70 trabalhadores na lista para o desemprego, tendo-lhes já sido dado um prazo até 31 de Maio - ou saem a bem, ou saem a mal!
- Só no distrito de Lisboa são 256.600 os trabalhadores por conta de outrem que não têm vínculo permanente.
- Mesmo nas novas empresas das telecomunicações que têm sido apresentadas pelo Governo como nova fonte de qualidade de emprego, existem situações escandalosas. Há empresas do sector que introduzem cláusulas no contrato de trabalho que obrigam os trabalhadores a estarem disponíveis para a empresa durante 24 horas/dia, mediante o pagamento de 67.500$00 mensais.
- A FERTAGUS, empresa recentemente criada para fazer a travessia ferroviária entre as duas margens do Tejo, tem 144 trabalhadores, 120 dos quais com vínculo precário.
- O caso da Lear Corporation é um exemplo paradigmático - tem cinco trabalhadores efectivos num total de 2060 trabalhadores.


«Avante!» Nº 1377 - 20.Abril.2000