Entrevista com José Rainha
Justiça para os pobres



«Espero que com esta decisão do Tribunal do Júri de Vitória se possa abrir um novo caminho para que se faça justiça com a causa dos pobres» - as palavras são de José Rainha, dirigente dos Sem Terra do Brasil, em entrevista ao «Avante!» após a sua recente absolvição por um crime que lhe imputaram e pelo qual havia sido condenado anteriormente a 23 anos de prisão.


— Como avalia a decisão do tribunal?

— Foi uma decisão correcta, pois toda sociedade brasileira sabia que eu era inocente, que não havia cometido crime algum. Na verdade o que estava sendo julgado era a luta dos Sem Terra e a Reforma Agrária. Por um lado, os latifundiários querem impedir o avanço da luta do MST no Brasil, por outro lado, a burguesia não quer fazer mudanças na estrutura agrária brasileira, pois o Brasil tem 500 anos escravidão da terra, e com certeza será o último país do planeta a fazer a Reforma Agrária.
Eu espero que com esta decisão do Tribunal do Júri de Vitória se possa abrir um novo caminho para que se faça justiça com a causa dos pobres, pois no Brasil só tem negros e pobres nas cadeias, os verdadeiros criminosos que assaltam os cofres públicos e cometem todo tipo de corrupção estão soltos.


— Qual a reacção no Brasil e noutros países há sua absolvição?

— Foi uma reacção positiva dos movimentos sociais, da esquerda, mas pela direita latifundista foi uma recaída de indignação. A direita não aceita que eu fique solto; segundo eles, o Zé Rainha é um perigo para a sociedade se continuar solto, esta declaração foi feita pela presidente da UDR, União Democrática Ruralista, organização de extrema direita que reúne o que tem de mais reaccionário no meio rural do Brasil, são todos latifundiários com mentalidade neofascista.
No exterior teve muita repercussão, como em França, e mesmo aí em Portugal. Esta repercussão é uma demonstração do apoio que o MST tem a nível internacional, porque a nossa luta é para salvar vidas, gerar empregos, pois somos um país que temos 20 milhões de desempregados, 12 milhões de sem terra, e temos 182 milhões de hectares de terras improdutivas. Um absurdo! Isso sem falar que só produzimos 83 milhões de toneladas de grãos por ano, numa área de 70 milhões de hectares. Se formos comparar com outros países, nós não produzimos nada. Na verdade o nosso país tem uma elite atrasada, reaccionária, que não tem projecto para o país, há uma desnacionalização total, e todo o nosso parque industrial está sendo entregue ao capital financeiro internacional, sobre o controlo do imperialismo norte americano, inimigo da humanidade.


— Quais as consequências da vitória na luta do MST?

— No ponto de vista político teremos consequências positivas, pois o MST com certeza estará com muito vigor para avançar a luta pela Reforma Agrária. Sempre lutámos pela vida, e conseguimos provar isso no tribunal, o que nos dá muito entusiasmo para todas as jornadas de luta que começaremos agora, a partir deste mês de abril, lutas por créditos agrícolas, por terra, fazendo 500 ocupações de terras, demostrando a nossa indignação com a política de propaganda do governo em torno dos 500 anos de «descoberta» do Brasil. Não temos nada para comemorar, sempre fomos escravos da terra. Aqui nos 500 anos a nossa população indígena foi dizimada, dos 5 milhões de índios hoje só temos 200 mil.
O MST está se preparando para fazer uma grande jornada em Abril, pois dia 17 relembramos 4 anos de massacre de Eldorados dos Carajás, sendo que até hoje os assassinos estão impunes.
Quero reafirmar aqui o meu compromisso de luta com os camponeses de meu país, o meu compromisso com as causas da justiça, em qualquer parte do mundo.
Quero aqui aproveitar para fazer os agradecimentos a toda sociedade de Portugal, que não mediu esforços para apoiar a nossa causa. Em particular ao Partido Comunista Português, meus sinceros agradecimentos, receba um forte abraço de todos os Sem Terra do Brasil.


«Avante!» Nº 1377 - 20.Abril.2000