Lénine
gigante e génio
Por Carlos Aboim Inglez
«A história em geral, e a história das revoluções em particular, é sempre mais rica de conteúdo, mais variada, mais multiforme, mais viva e mais "astuta" do que imaginam os melhores partidos, as vanguardas mais conscientes das classes mais avançadas(...). Não é difícil ser revolucionário quando a revolução já rebentou e se inflamou, quando todos aderem á revolução por simples entusiasmo, por moda e por vezes até por interesse numa carreira pessoal(...). É muitíssimo mais difícil - e muitíssimo mais valioso saber ser revolucionário quando ainda não existem as condições para a luta directa, aberta, autenticamente de massas, autenticamente revolucionária, saber defender os interesses da revolução (mediante a propaganda, a agitação e a organização) em instituições não revolucionárias e muitas vezes francamente reaccionárias, numa situação não revolucionária, entre massas incapazes de compreender imediatamente a necessidade de um método revolucionário de acção. Saber encontrar, descobrir, determinar com exactidão a via concreta ou uma viragem especial dos acontecimentos, que conduza as massas para a verdadeira, final, decisiva e grande luta revolucionária nisto consiste a principal tarefa do comunismo actual da Europa Ocidental e na América.»
(A doença infantil do «esquerdismo» no Comunismo, Abril Maio de 1920.)
Passa em 22 de Abril o 130.º aniversário do nascimento de Vladimir Ilitch Lénine, na pequena cidade de Simbirsk, à beira do Volga. Efeméride que recordamos, não pela efeméride em si, mas porque nos seus breves 54 anos de vida Lénine se revelou, a par de Marx e Engels, um gigante da luta revolucionária de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos do mundo, um genial pensador cuja obra permanece na actualidade de uma enorme riqueza e pertinência teórica e prática. |
Lénine viveu, pensou, agiu, numa fase superior do
desenvolvimento do capitalismo de que Marx e Engels (mesmo na sua
magna obra O Capital) ainda não podiam dar plena
conta, apesar de já aí detectarem alguns dos seus germes na
própria análise crítica do sistema capitalista, cujas
contradições intrínsecas e leis objectivas de desenvolvimento
eles desvendaram, contribuindo decisivamente para fazer passar a
consciência socialista da utopia para a ciência.
Coube precisamente a Lénine elaborar esse essencial
desenvolvimento teórico criador do marxismo, ao caracterizar o
imperialismo como fase superior do capitalismo, baseando-se
no profundo conhecimento das obras de Marx e Engels, num amplo e
diversificado estudo concreto da realidade objectiva em causa, no
seu magistral domínio da dialéctica materialista, e na imensa
riqueza política e prática concreta da luta de classes,
ampliada no novo patamar superior alcançado então pelo
movimento revolucionário do proletariado e pelo ascenso dos
movimentos de libertação nacional pelo mundo.
Tendo contribuído, em múltiplos domínios, para o
desenvolvimento teórico do marxismo («sem teoria
revolucionária não há movimento revolucionário»), coube a
Lénine igualmente um relevante e particular contributo para a
passagem efectiva da teoria para a prática, na
aplicação revolucionária vitoriosa da teoria do socialismo e
no equacionar e solucionar dos novos problemas que esse próprio
avanço punha na ordem do dia.
Foi ímpar o papel
de Lénine no complexo e multifacetado processo de criação do partido
independente do proletariado, partido de novo tipo, vanguarda
organizada da classe operária e em estreita ligação às mais
amplas massas populares, guiado por uma teoria revolucionária,
lutando intransigentemente contra oportunistas de todos os
matizes que introduziam ou consolidavam, nas suas fileiras e na
consciência das massas, concepções conformistas com o status
quo dos interesses do capitalismo e do imperialismo -
socavando assim a luta de classes e a capacidade revolucionária
das massas, factor subjectivo decisivo do efectivo «fazer» da
História.
Ímpar foi o seu contributo para a teoria e prática da
revolução, conduzindo a esse marco indelével da história
da Humanidade que foi a vitória da Revolução de Outubro de
1917, inaugurando efectivamente a época de transição do
capitalismo para o socialismo. Época histórica que, por
definição, não se reduz a um único acto de «assalto
ao céu», mas exige uma sucessão de actos cumulativos e
constitutivos, num entretecer de períodos de fluxo e de refluxo
(e até mesmo «saltos por vezes gigantescos para trás»),
mas onde o «trabalho de toupeira» da História sempre prossegue
e prepara novos avanços.
Como foi ímpar, também, o seu contributo para a criação do
primeiro Estado socialista da história, para o começo da
edificação duma sociedade socialista, nas mais difíceis
condições internas e externas, com o tratamento teórico e
prático pioneiro de realidades radicalmente novas e não
estáticas.
Como foi ímpar,
ainda, o seu contributo para a ampliação universal
organizada do movimento revolucionário a todo o mundo,
particularmente na Internacional Comunista, e com a sua
lúcida compreensão da enorme diversidade de condições em que
no mundo os explorados e oprimidos lutavam para encontrar as suas
próprias vias, sempre concretas e não abstractas, de avanço
emancipador. Vias que, devendo recolher ensinamentos da grandiosa
e multifacética experiência da revolução russa, o próprio
Lénine fortemente insistiu que não poderia ser copiada como
modelo universal, antes exigindo sempre, para a sua eficaz e
criativa abordagem e realização, uma análise concreta da
situação histórica concreta.
Com o que fica brevemente anotado, pretendemos recordar tão apenas
alguns dos domínios em que a obra de Lénine, no seguimento
de Marx e Engels, fornece desenvolvimentos inovadores, que
justificam inteiramente que denominemos a teoria revolucionária
que guia o nosso Partido como marxismo-leninismo.
Impossível opôr Lénine a Marx e Engels, tão íntima e
orgânicamente as suas obras se continuam num desenvolvimento
criativo e inovador, sempre essencial para o
materialismo-dialéctico e a dialéctica materialista, almas
vivas, unidas à prática, do marxismo-leninismo. O leninismo - o
seu espírito revolucionário crítico, radicalmente
antidogmático e anti-escolástico; a sua postura consequente e
firme na defesa dos seus princípios fundamentais, contra as
deturpações oportunistas e deformações eclécticas; o seu
agudo sentido do concreto e do histórico; a sua enorme
flexibilidade táctica no perseguir, através das mais variadas
situações, os objectivos estratégicos revolucionários
é um património tão actual e necessário como o correspondente
legado de Marx e Engels. Impossível cavar aqui falsas rupturas.
Renegar o leninismo é empobrecer o marxismo, amputar ou castrar
a teoria revolucionária do socialismo científico.
Talvez alguém mal-avisado (ou algum mal-intencionado), possa
estar a pensar: então tudo o que está nas obras de
Lénine é verdade absoluta e intemporal?
Desde já, idêntica pergunta se poderia colocar relativamente a
Marx e Engels. Mas sobretudo a ideia implícita, além de
deformar o que acima se disse, é um absurdo totalmente
oposto à obra e postura intelectual de Lénine (como de Marx e
Engels, aliás).
O absoluto é sempre relativo, a verdade é sempre concreta, o
geral existe sempre particularmente, a totalidade só o é
historicamente considerada e limitada. E o espírito científico
singularmente investigador de Lénine, como de Marx e
Engels, implica obrigatoriamente, como em todo o conhecimento
científico, erros e correcção de erros, como eles próprios
fizeram: a busca da verdade é infinda porque infinda é a
realidade objectiva, tecida em contradições e devir.
Mas ao reconhecer erros, ao superar limites - não se deita fora
a criança da verdade alcançada com a água suja do que estiver
ultrapassado. Einstein não anulou Newton, Lobatchevski não
aniquilou Euclides: ampliaram horizontes, aprofundaram o
conhecimento. Se isto é válido para as ciências «naturais»,
cujo objecto é mais invariante, a fortiori o é
para aqueles domínios em que o devir é mais dinâmico, a que se
usa atribuir o carácter «histórico».
E não se caricature uma teoria para mais facilmente fazer a sua
pretensa «refutação». Também os «manuais» simplificam o
complexo - e essa é decerto uma função útil; mas, como o
próprio Lénine sublinhou, a vida apresenta sempre situações e
problemas em que os «manuais» se tornam simplistas e
insuficientes. E, como Lénine repetidamente insistiu, «a
teoria só se torna num guia autêntico para a acção quando se
enriquece constantemente com as novas experiências de luta, de
modo a não se transformar em dogma».
(Que fazer?, 1902 )
Vivamente se recomenda pois o conhecimento e estudo crítico do
pensamento de Lénine. Avultam algumas grandes obras de títulos
bem conhecidos. Mas as Obras Completas de Lénine (55
volumes na 5.ª edição russa, de 1965) abarcam além dessas
obras uma imensa riqueza de outros ensaios, artigos, relatórios,
resoluções, etc, em muitos passos de acutilante profundidade e
validade actual.
No presente, vivemos sempre a resultante do passado. Por isso sem memória não se faz futuro; apenas se sofre, ou goza, o efémero evanescente do dia a dia. Mas também hoje vivemos sempre as vésperas de amanhã. Por vezes o porvir irrompe a surtos no presente, colocando mais longe os marcos miliares da história. Outras é o passado que retorna, apodrecendo o presente, obstaculizando o advento do porvir. Cabe-nos a nós hoje, retendo o válido do passado que nos fez, fazermos o futuro que nos falta. Com a cabeça e as mãos, o estudo e a acção e a emoção, a paixão, o prazer, o sonho, a imaginação, também. Esta a nossa luta quotidiana para vencer o que é velho e dar força ao que é novo, para transformar o mundo e conformar homens cada vez mais humanos e felizes. Vale a pena viver e lutar assim. E Lénine que assim viveu e lutou, gigante e génio, não nos substitui, ajuda-nos. Uma preciosa ajuda a não perder.