Um produto transgénico?
Será o PS um produto transgénico? Ou, dito de outra forma, será este partido um produto geneticamente manipulável? Estas interrogações vêm a propósito do percurso deste partido, ao longo dos seus 27 anos de existência. Sempre que chegou ao poder governou, no essencial, com políticas de direita ou tendencialmente a cair para a direita, no interesse dos grandes grupos económicos.
Ora, para analisar
um pouco o que tem sido a sua actuação, creio que vale a pena
revisitar alguns momentos chaves do seu trajecto.
Enumeremos alguns factos:
A formação do PS dá-se dois anos antes do 25 de Abril, não no
interior do seus país, mas, precisamente, numa cidadezinha da
República Federal Alemão.
Nos dois anos de «brasa», que muitos chamam de PREC, os amigos
fundamentais de Mário Soares, fundador e primeiro secretário
geral do PS, são Kissinger e Carluchi no plano internacional e,
no plano nacional, entre outros, o golpista e bombista general
António de Spínola. Fruto dessa grande amizade, Spínola foi
chamado mais tarde, por Mário Soares, para as chancelarias da
sua Casa Militar. Pela vida fora Mário Soares, enquanto
dirigente político socialista, foi arranjando outros amigos como
Mobutu, Cheausesco, Savimbi, Bettino Craxi (condenado no seu
país, a Itália, a 27 anos de prisão e falecido recentemente no
exílio, na Tunísia), etc.
Coube ao PS, em 1976, formar o primeiro governo constitucional,
por ser o partido mais votado. Nessa altura, como não tinha
maioria absoluta, optou por formar uma coligação governamental
com o CDS, o partido mais à direita do espectro político.
O PS volta ao poder em 1983, novamente em coligação, desta
feita com o PSD, no célebre Bloco Central.
Entretanto, pelo meio, decide engavetar o socialismo, espantar
para muito longe o marxismo e ficou nos anais da história
recente por ter produzido as leis dos contratos a prazo e dos
despedimentos. Aliás, os partidos da direita fazem, sempre,
questão de lembrar estas leis, para dizerem que não foram eles
que tomaram estas medidas contra os trabalhadores.
Finalmente, volta ao poder, em 1995, agora sozinho mas, como os
próprios dirigentes do PS reconhecem, e todos os observadores
atentos sublinham, com uma política económica semelhante à de
triste memória dos tempos do cavaquismo/PSD. Nalguns casos, como
seja a entrega do sector público aos grupos económicos privados
(nacionais e internacionais), muito mais avançada do que o
famigerado cavaquismo.
O PS que temos
e os seus militantes
As declarações
vindas a público dos ex-ministros João Cravinho e Sousa Franco,
dizendo respectivamente que os «lobby´s derrotam o PS»
e que «os espanhóis é que mandam na economia portuguesa»,
são exemplificativas do que os próprios socialistas pensam do
seu partido.
Claro que não aceito que a maioria dos socialistas tenha
abandonado os ideais socialistas que o programa do PS proclama!
Tal como me recuso a acreditar e a subscrever algumas opiniões
do tipo: «o PS já não tem remédio».
Porque, uma coisa é a direcção nacional, outra, bem diferente,
são as centenas de milhares de militantes e votantes
socialistas, que em nada beneficiam com o facto de António
Guterres ser presidente da Internacional que administra o
capitalismo no mundo. Como também não tiram nenhum benefício
do facto, a ser verdade, de «o ministro Pina Moura ser o homem
de mão dos espanhóis», como dizia Sousa Franco (Jornal «O
Independente», 26.11.99).
Creio, de alguma forma, que tanto na génese como na sua
história de mais de duas décadas, um partido que se diz
socialista na doutrina mas, na prática, tem administrado o
capitalismo (leia-se social-democracia e/ou neoliberalismo),
deveria ser motivo de análise por parte de quem estuda os ditos
produtos transgénicos.
Quem sabe se a sociologia e a genética políticas não
encontrariam aqui elementos para uma nova tese, quiçá inovadora
e esclarecedora, de processos muito pouco éticos e de negação
radical da necessária coerência política.
Como sou optimista por natureza e porque os partidos são
constituídos por pessoas, acredito que o PS poderá ainda
arrepiar caminho, rejeitar o pecado mortal da tentação e
rendição total ao capitalismo e todas as suas misérias de
exploração e violência. Tudo dependerá do que os militantes
(ditos socialistas) quiserem que o seu partido seja no futuro.
O que não é tolerável, nem admissível, é que este partido
continue a vender gato por lebre, isto é, a proclamar em
palavras o que depois não cumpre na governação . José
Brinquete