Chamem a polícia...
Ainda há poucos dias, Santana Lopes - ele
próprio criador de factos políticos de que não parece temer as
contradições - se queixava de os factos não durarem o
suficiente nas primeiras páginas, cobertos pelo tapete de outros
factos. Razão de queixa tinha ele. Agora falava-se das
detenções de responsáveis pela cooperativa proprietária da
Universidade Moderna e já não das querelas que opunham a
«família» Soares ao Estado angolano. Falava-se dele, Santana
Lopes, ligado à Moderna, e já não do aumento dos preços dos
combustíveis...
Razão não tinha, por outro lado, em encarar a coisa como uma
cabala urdida contra ele, Santana. Cedo, novos casos amarinharam
às primeiras páginas. Numa discoteca, sete pessoas morreram na
decorrência de um assalto mal esclarecido. E logo se foi
escalpelizar a dor dos familiares, especular sobre os motivos do
acto terrorista. Depois, a prisão preventiva de dois polícias
acusados de homicídio, que desencadeia a solidariedade dos
outros agentes e da associação sócio-profissional,
«substitui» todas as outras novidades.
Todos estes casos serão, certamente, importantes para que se
lhes dê o destaque merecido. É certo, também, que com eles se
afogam todos os outros temas importantes e que deveriam merecer a
atenção dos cidadãos. Por exemplo: o Governo foi interpelado
pelo PCP, na Assembleia da República, sobre a política laboral,
os direitos dos trabalhadores, a questão do emprego. Mas onde é
que isso teve algum destaque?
Há quem diga que, quando um governo se encontra em dificuldades,
logo diligentes órgãos de comunicação estampam novas
retumbantes, a distrair o cidadão. Como que por milagre e em timing
adequado. Soares desfere acusações sobre Angola quando Savimbi
precisa de uma ajudinha; prende-se um reitor, num processo que
envolve outras figuras públicas; dois polícias são
preventivamente encarcerados, num outro processo que também se
arrasta.
É claro que os jornais não inventaram os factos nem
arquitectaram crimes. «Puxaram» por eles, apenas. Desta vez,
porém, o Governo apenas conseguiu, em cada um, revelar as suas
fragilidades. No caso Soares/Angola, safaram-se à justa de serem
enfiados no mesmo saco com a «família»; no caso dos
combustíveis, revelou-se a má-fé do Executivo ao proceder aos
aumentos após as negociações salariais; os problemas da
justiça - dos meios e celeridade da sua aplicação - vieram à
tona; a sede de protagonismo de um ministro leva-o a garantir a
acusação, para breve, dos suspeitos do crime da discoteca,
quando tal acusação depende exclusivamente dos tribunais; e o
mesmo ministro mostra a incapacidade deste poder em dialogar com
os polícias enquanto trabalhadores e de dotar a instituição
dos meios de actuação eficaz e democrática, permitindo que se
confunda uma questão do foro judicial com a defesa de interesses
de corporação. Leandro Martins