Prosperidade e fome



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Um homem que nasça hoje em Washington, tem uma esperança de vida inferior à de um homem que nasça na Mongólia. E poderiam-se multiplicar este tipo de exemplos». Será isto o desabafo de um dinossauro que se recusa a aceitar os ventos da História, e que insiste obstinadamente na defesa de um sistema social incapaz de resolver os problemas da Humanidade, e condenado a desaparecer? Sim, é verdade. Porque estas palavras são do Ministro do Tesouro dos Estados Unidos, Lawrence Summers. Constam do seu discurso no Forum Económico Mundial de Davos, realizado em Janeiro deste ano 2000. E o que o levou a fazer esta interessante confissão pública? Na frase seguinte esclarece: «Se queremos que a nossa prosperidade seja sustentável, é necessário que, enquanto país, façamos muito mais para garantir que todos os Americanos sejam abrangidos por essa prosperidade».


Três comentários são inevitáveis. O primeiro, é que a «nossa prosperidade» é a prosperidade do Sr. Summers, da sua classe, dos grandes capitalistas a quem se dirigia em Davos. Mas a prosperidade do mais rico e poderoso país do Mundo não assegura aos homens da sua capital uma longevidade igual à da Mongólia. O segundo comentário é para assinalar a sua confissão inadvertida da superioridade do socialismo. Há 80 anos atrás, os EUA tornavam-se a maior e mais dinâmica potência capitalista do planeta. A Mongólia era então um país semi-feudal, à margem do desenvolvimento económico, social e tecnológico. Mas sete décadas de socialismo (1921-1991), com todos os seus defeitos e limitações, asseguraram aos seus habitantes o maior dos direitos humanos: o direito à vida. Que ainda hoje, uma década após a queda do sistema socialista, é mais longa para os Mongóis do que para os homens da capital do Império. O terceiro comentário é para assinalar que no momento da aparente "vitória final" do sistema capitalista, e da hiper-potência norte-americana em particular, os seus dirigentes têm medo. Medo de que as contradições do sistema, e a revolta de milhões de explorados e oprimidos por esse mesmo sistema possam tornar insustentável a prosperidade deles.


Nos EUA vive a maioria dos bilionários do Mundo, cujas fortunas são comparáveis aos PIBs de dezenas de países. Mas o Financial Times de 11.2.00, cita um relatório do Bread for the World Institute, informando que «os trabalhadores pobres nos EUA são as mais recentes vítimas do crescente problema da fome na América». Já não apenas desempregados, ou marginalizados pelo sistema. Mas trabalhadores com empregos mal pagos: os tais que Guterres e a União Europeia querem como modelo para a Europa. Prossegue o jornal: «[o Instituto] culpa os cortes efectuados em 1996 no programa de ajuda alimentar do Governo, pelo crescente problema da fome no seio das famílias norte-americanas. Um aumento de 5 mil milhões de dólares no referido programa de ajuda alimentar, que fornece comida gratuita às famílias pobres, poderia diminuir para metade a fome nos EUA». O Ministro fala em alargar a prosperidade a todos os Americanos, mas o seu governo corta na ajuda alimentar aos pobres e aumenta a fome no país.


Mas se os pobres dos EUA terão de se contentar com comer as palavras do Sr. Summers, para outros o futuro é mais risonho. É ainda o Financial Times (8.2.00) que informa ter Clinton proposto para o próximo Orçamento despesas militares no valor de 292,2 mil milhões de dólares. Mais 11,3 mil milhões do que no ano passado, e mais 4,8 mil milhões do que inicialmente previsto. E comenta: «o Orçamento parece ir de encontro às preocupações do [grupo privado] Lockheed Martin, o maior fornecedor [de material de guerra] do Pentágono». Pois.


«Avante!» Nº 1377 - 20.Abril.2000