Uma Europa de justiça
… mas só para alguns!

Por Fátima Garcia



As várias instituições europeias têm demonstrado ao longo dos anos, uma grande habilidade para baptizarem alguns pacotes, que têm consequências directas na vida das pessoas, com nomes muito pomposos que, por isso, têm a imediata adesão daqueles a que se destinam.
Em Outubro de 1999 realizou-se em Tampere, na Finlândia, um Conselho Europeu que tinha como principal objectivo definir as grandes linhas para «uma União de liberdade, de segurança e de justiça».
Partia-se do princípio que, a integração europeia sempre arreigada a um ideal comum de liberdade baseado nos direitos humanos, em instituições democráticas e no primado do direito, criara já os principais elementos de um espaço comum de paz e prosperidade: o mercado único, a união económica e monetária e a capacidade de enfrentar os desafios da cena política e económica mundial.


Espaço de justiça, onde?


A ideia amplamente divulgada, e que o Comissário António Vitorino se tem esforçado por «vender» (raramente em português mesmo quando dispõe de uma equipa de tradutores), é que a liberdade apenas poderá ser desfrutada num verdadeiro espaço de justiça onde as pessoas possam recorrer aos tribunais e às autoridades de qualquer Estado-membro, e que será necessário mobilizar os recursos policiais e judiciais afim de combater o crime e as organizações criminosas.
Haverá que assegurar que a liberdade de circular em toda a União, seja desfrutada em condições de segurança e de justiça acessível a todos, e que nesses «todos» estejam incluídos também aqueles que, por diversas razões, vieram de países terceiros para aqui trabalharem.
Se podemos não estar de acordo com algumas das premissas, o objectivo final não nos mereceria grandes dúvidas. No entanto, quando se passou às medidas práticas compreendeu-se que afinal o objectivo é dificultar o acesso à União, mantendo a construção da «Europa fortaleza» que sempre criticámos.
Os governos dos Estados-membros confirmaram a necessidade da definição de políticas comuns de asilo e de imigração. Isto significa que um Estado-membro deixa de poder estabelecer a sua própria política de imigração, virando costas às suas tradicionais e históricas ligações com países terceiros e com os seus povos.


Projectos e mais projectos


A partir daquela reunião, vários foram já os documentos apresentados ao Conselho e ao Parlamento Europeu e que se encontram em discussão:
- A definição comum da lista dos 121 países a cujos cidadãos é exigido um «visto» para entrada num dos Estados-membros. Esta proposta , afirma ser este um dos meios para sublinhar a qualidade das relações que com eles pretende estabelecer ou manter, mas continua a deixar de fora os países em vias de desenvolvimento, entre os quais os países de língua oficial portuguesa, com excepção do Brasil.
- Uma proposta de Directiva que visa a proibição de discriminações baseadas na raça ou na origem étnica, mas que esquece a discriminação em função da nacionalidade ou da religião.

Um documento sobre os imigrantes em situação ilegal que tem como única preocupação a definição do Estado-membro que será responsável pela sua expulsão para o seu país de origem ou de trânsito, sem ter em conta o último acordo pós-Lomé ou a situação no país de destino.
- Uma proposta da criação de um sistema de recolha de impressões digitais «EURODAC» para os requerentes de asilo e imigrantes encontrados em situação ilegal, a partir dos 14 anos, dando-lhes assim o tratamento usual às pessoas presumíveis de terem cometido um delito.
- Outros dois documentos foram igualmente apresentados e que respeitam «um programa de acção comunitário de combate à discriminação 2001-2006» e «uma proposta de Directiva que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na actividade profissional».
Tal como temos feito na Assembleia da República, também no Parlamento Europeu estamos a trabalhar sobre esta matéria. Em colaboração com o Fórum dos Migrantes da UE interviremos para que os cidadãos oriundos de países terceiros vejam reconhecidos os seu direitos sociais e políticos e que se tomem as medidas necessárias para impedir qualquer forma de discriminação em função da raça, da origem étnica ou da nacionalidade. Defenderemos a manutenção das ligações históricas com países terceiros e uma política de imigração baseada na solidariedade e na ajuda ao desenvolvimento dos países em vias de desenvolvimento.


«Avante!» Nº 1377 - 20.Abril.2000