A moderna «boceta de Pandora»
Por Carlos Gonçalves
De cada vez que se entreabre a «boceta de Pandora» do «caso Universidade Moderna» soltam-se alguns dos demónios melhor escondidos do Portugal VIP dos grandes interesses, pondo a nu conexões e cumplicidades. Valha-nos ao menos isso e releve-se que o respectivo «núcleo duro» nada queria com o PCP(*1), já que não se advinha fácil o caminho da Justiça até à raíz de tamanha pestilência.
As recentes
detenções de quatro dos arguidos da «Moderna» para serem
ouvidos em presença do Juíz de Instrução Criminal, que
confirmou a sua situação de arguidos e agravou as medidas de
coacção a que estão obrigados, foi, tudo o indica, um
desenvolvimento processual elementar da investigação em curso
da «gestão danosa» e outros crimes ocorridos naquela
Universidade.
Mas não foi este roubo de cinco ou seis milhões de contos, que
nem é novidade nem caso raro por estes dias, que mudou à pressa
as «manchetes» dos media, em prejuízo das lutas contra as
malfeitorias do Governo e até das guerras do futebol.
O que neste caso fez mover media, lobbies, «classe política» e
interesses e poderes dominantes, menos ou mais ocultos, é que um
simples movimento da Justiça, ou de quem quer que seja, neste
puzzle rocambolesco e infecto da Moderna, pode alterar os
instáveis equilíbrios actuais e levar à «morte do artista».
Por isso, após cuidada preparação, os envolvidos inter-agem
com o arsenal possível para cada situação, consolidando
cumplicidades ou fulminando inimigos e deixando suspeitas e
ameaças de «assassínio político» e novas chantagens mais ou
menos veladas.
E isto é apenas o inteligível para o comum dos mortais, sendo
bem mais extenso e significativo o que só os «iniciados»
alcançam e se joga nos poderes e instâncias mais ou menos
ocultos.
À luz do dia
À luz do dia,
seguindo de perto as autoridades judiciais, vemos os media de
Balsemão, com os de Belmiro e os da tutela do Governo logo
atrás, passando e (re)passando os dados da situação e das
ligações do «núcleo duro» da Moderna já conhecidas do
famigerado relatório do SIS.
Vemos o contra-golpe do sub-grupo BES/Media Capital, com capitais
colombianos e de off-shore na TVI e no Independente, com
financiamentos cruzados com a família Braga Gonçalves e os
dinheiros da «Moderna», procurando desqualificar a
investigação e o Ministério Público e inocentar os detidos.
E vemos Paulo Portas e o seu PP fugindo do desastre anunciado,
procurando bloquear a Justiça a partir de Pires de Lima e da
Ordem dos Advogados, ameaçando com represálias tremendistas se
os acusarem do que parece óbvio: aproveitamento pessoal e
financiamento partidário ilegal, tentando preservar alguma
autonomia face às próximas chantagens do Governo e garantir
ainda a continuidade do seu domínio da Moderna, transferindo-o
de Braga Gonçalves para Rui Albuquerque.
Vemos como o PS dá «guita ao papagaio» do escândalo para
esconder as desgraças da política do Governo, mas mais não faz
que deixar uma «boca» aqui outra acolá, como a de que o agora
demitido Reitor é militante do PSD e próximo de Marcelo(*2),
muito mais para manter PSD e PP bem comportadinhos, do que para
abrir caminho à Justiça, não acabe a dita por lhe bater à
porta.
Vemos Durão Barroso a assobiar para o lado, talvez nem tanto por
estar próximo do Grupo Espírito Santo, mas porque assim acerta
contas com Portas, com Santana Lopes e até com Marcelo.
E vemos o Expresso retomar o ajuste de contas e publicar a
entrevista dos «irmãos» desavindos(*3), seguramente preparada
há muitos meses, expondo «todos os crimes económicos do
Código» cometidos na Universidade, mas apenas levantando o véu
da corrupção e tráfico de influências aos diversos níveis
dos aparelhos de Estado e de poder e do financiamento
partidário, que ficam assim como chantagem para denúncias
futuras, se e quando o entenderem proveitoso e oportuno.
E assim se guerreiam e se namoram, num dramalhão sem valores
democráticos nem ética política, os actores VIP deste pântano
de interesses e clientelas, dos negócios claros e escuros destas
políticas neo-liberais, em que o PS de Guterres vive de facto
amancebado e em bigamia com PSD e PP.
E este peso enorme tolhe o caminho da Justiça no «caso da
Moderna», pondo obstáculos quase intransponíveis a que, para
além da «gestão danosa», se esclareça a associação
criminosa e a conspiração de extrema-direita que, tudo o
indica, lhe estão subjacentes.
Por isso é imperioso reclamar Justiça, sem tibiezas nem
hipocrisias.
(*1) (*3) Expresso 21.04.2000 - (*2) Público 14.04.2000