Volátil Idade
Quando os ministros das finanças do G7 se
reuniram com os sumos-sacerdotes do FMI e do BM em meados de
Abril, como habitualmente, podiam supor que se encontravam numa
risonha estação primaveril. Pois não tinham pouco antes os
relatórios do FMI e do BM traçado um agradável panorama
cor-de-rosa da economia global, com taxas de crescimento
mundiais, para já e para diante, em animador ascenso? As
invernais tempestades de 97 e 98 e o céu nublado de 99 ficavam
lá para trás e um sol auspicioso se levantava parecia.
Mas uma nuvem negra pairava ainda sobre tão aprazível
previsão. Até o FMI se lhe referia no seu boletim
meteorológico. Ora uma súbita (?) trovoada na bolsa de Nova
Iorque veio estragar o encontro. Definitivamente, o rosado
panorama tinha os seus «buracos negros» - e o maior era
precisamente a paradigmática «nova economia» dos EUA.
Sexta-feira 14 de Abril todos os índices da
Bolsa de Nova Iorque levaram valente tombo. O tradicional Dow
Jones caiu 6,4%, baixando 10% em relação ao início do ano.
O S&P 500 quebrou 6,67%. E a jóia da coroa, o
«tecnológico» Nasdaq, despenhou-se 10,69%, acumulando
para essa semana uma queda de 26,1%, o maior declínio semanal da
sua história, tombando para 35% do seu pico há pouco mais
de um mês e 18% desde o começo de 2000 (Int. Herald
Tribune, 15-16/4).
Causa próxima: o relatório governamental da véspera indicara
que o índice geral de preços subira em Março duas décimas acima
do previsto, 0,7% em vez de 0,5%. Duas décimas a provocar tal
abanão? Algo há sem dúvida de sério na inflação americana,
mas vale a pena ir mais ao fundo da questão. Já em 8 de Abril The
Economist, examinando o Nasdaq, denunciava o valor
hiperinflacionado das suas cotações médias, a um PER (razão
preço/rendimento esperado) de 62, quando entre 1973 e 1995 nunca
excedera 21! Bolha especulativa tal eminentemente volátil
um leve sopro de duas décimas na inflação pode provocar forte
abalo, repercutindo por todo o mundo: o espirro de Nova Iorque
salpicou longe.
Bem pode o Secretário do Tesouro Lawrence Summers proclamar que os pilares da economia americana são «muito sólidos» e Clinton, em feição eleitoralista, afirmar que «vamos ter um bom ano» (El País, 17/4). Recorde-se que o mesmo disseram em coro incantatório banqueiros e governantes em plena crise de 1929... Precisamente porque a solidez dos pilares é o que está em causa, mesmo para o FMI. Défice externo sempre a bater redordes; recordes de endividamento de empresas e famílias, tornando negativa a taxa de poupança interna; a «exuberância irracional» da Bolsa e seu «efeito de riqueza» dopando artificialmente o consumo actual, a expensas do pão futuro, hoje já devorado. A «alavanca» do crédito «de margem» que faz hoje subir o balão, despedaçá-lo-á mal se inverta. Cada vez mais frenético, o sobe e desce do ioiô bolsista justifica plenamente o cada vez mais frequente uso da palavra «volatilidade» na boca dos analistas financeiros. Só que tal volatilidade é congénita à brutal hipertrofia financeira especulativa que, com a sobreprodução larvar que lhe subjaz, é traço marcante deste capitalismo em que vivemos hoje.
A volatilidade verifica-se não apenas nesses lugares ditos emergentes e de risco, tais Tailândia ou Moscovo, mas está instalada no próprio coração da mais poderosa potência do capitalismo, os EUA, «superman» da High-Tech e da Nova Economia, inabalavelmente ascencionais segundo afirmam os seus publicitários e alguns incautos. Quem diz volatilidade, diz errática incerteza, onde se geram tufões e El Niños devastadores. Esta é bem uma Volátil Idade, tempos perigosos. Porque não há «fim da História» nem a «Nova Ordem» está ad aeternum consolidada, longe disso. Ainda bem. Carlos Aboim Inglez