25 DE ABRIL SEMPRE!

A flor que deu o nome à Revolução
«Um cravo oferece-se a qualquer pessoa»

Texto de Isabel Araújo Branco



Todos conhecem os cravos, poucos as mãos de onde saíram. A história mais divulgada sobre o aparecimento dos cravos no 25 de Abril foi protagonizada por Celeste Caeiro.


O cravo transformou-se num símbolo de Portugal para o mundo, a insígnia mais marcante do nosso país no século XX, juntando o regime fascista e a libertação revolucionária. Existem três versões sobre o aparecimento dos cravos no dia da Revolução, todas elas simultâneas, independentes e credíveis.
De acordo com a primeira, as flores surgiram devido a um casamento marcado para o dia 25 que não se pôde realizar por as conservatórias estarem fechadas. A segunda conta que uma empresa de exportação de flores tinha um carregamento de cravos para enviar para o estrangeiro, mas, com o aeroporto encerrado, as flores foram mandadas para o Rossio.
A terceira versão é a mais conhecida e apresenta-se com um rosto que conta a história na primeira pessoa. A protagonista é Celeste Martins Caeiro, hoje prestes a fazer 67 anos, reformada e militante do PCP há seis anos. Tudo foi fruto de coincidências, de «acasos felizes», como ela diz.


A história

Habituada a contar como tudo se passou, Celeste repete mais uma vez o que aconteceu na manhã do 25 de Abril. «Eu trabalhava num restaurante na Rua Braancamp. A casa fazia um ano nesse dia e os patrões queriam fazer uma festa. O gerente comprou flores para dar às senhoras, enquanto que aos cavalheiros se daria um porto. Nesse dia, quando chegámos, o patrão explicou que não ia abrir o restaurante, porque não sabia o que estava a acontecer, e disse-nos para levarmos as flores connosco. Chegámos ao armazém e vimos que eram cravos vermelhos e brancos. Cada um levou um molhe.»
De regresso a casa, Celeste apanhou o metro para o Rossio e dirigiu-se ao Chiado. Deparou-se de imediato com os tanques. «Era um aparato! Quando vi aquilo... Bem, não há palavras. Sabia que alguma coisa se ia dar. E para bem, eu sentia que era alguma coisa para bem», diz.
«Cheguei ao pé do tanque e perguntei o que é que se passava. E um soldado respondeu-me: "Nós vamos para o Carmo para deter o Marcelo Caetano. Isto é uma revolução!" "Então, e já estão aqui há muito tempo?", perguntei eu. "Estamos desde as duas ou três horas da manhã. A senhora não tem um cigarrinho?" "Não, eu não fumo. Se tivesse alguma coisa aberta, comprava-vos qualquer coisa para comer, mas está tudo fechado. O que eu tenho são estes cravos. Se quiser tome, um cravo oferece-se a qualquer pessoa." Ele aceitou e pôs o cravo no cano da espingarda. Depois dei a outro e a outro, até ao pé da Igreja dos Mártires. Foi lindo...»
«Correu tudo muito bem», diz Celeste. «Tinha de correr, pois os cravos estavam nas espingardas e elas assim não podiam disparar...».

 

A cor vermelha


Se a iniciativa original de distribuir flores aos soldados não tinha um objectivo político consciente, cedo o ganhou. Os cravos transformaram-se de imediato numa palavra de ordem visual, numa expressão da vontade popular de tornar o movimento militar numa revolução pacífica, à semelhança do que havia acontecido noutros países como o Chile e a França.

«O facto de ocorrerem vários casos simultaneamente aumenta o valor do cravo ser um símbolo da ligação do povo aos soldados. É um sinal de identificação entre o movimento militar e as aspirações das pessoas. Só se dá cravos aos amigos», refere Aurélio Santos, dirigente do PCP.
A questão da cor vermelha foi inicialmente uma coincidência, mas «se fossem de outra cor, não tinha o mesmo significado», diz Aurélio Santos. «Certamente as pessoas foram procurar cravos vermelhos, porque queriam afirmar um movimento revolucionário e porque essa era a cor que correspondia aos seus sentimentos.»

«O vermelho acompanha todos os momentos da evolução revolucionária da humanidade, desde as lutas dos servos na Idade Média à Revolução Russa, passando pela Comuna de Paris. A bandeira vermelha apareceu sempre como um símbolo dos explorados e da luta pelo futuro», sublinha José Casanova, também dirigente do PCP.
A generalização dos cravos foi imediata ao ponto de no estrangeiro o 25 de Abril ser conhecido quase exclusivamente como a Revolução dos Cravos. A resposta a uma procura de cravos em 1974 muito superior à normal só pode ser explicada por um acaso como o impedimento de escoar flores para exportação, como conta uma das versões.
«Entregar uma flor é sempre uma coisa muito bonita, mas entregar um cravo a um soldado com armas na mão para derrubar um regime fascista é ainda mais bonito», afirma Casanova.

O 25 de Abril faz 26 anos. O tempo passa, a sociedade vai evoluindo, mas o cravo não deixa de florir.


«Avante!» Nº 1378 - 27.Abril.2000