Chile, o outro 11 de Setembro

Albano Nunes

A reacção, o fascismo e o imperialismo acabam sempre por ser derrotados pela luta organizada

Não podemos permitir que a manipulação mediática em torno dos atentados de há dez anos em Nova Iorque atire para o esquecimento a tragédia do 11 de Setembro chileno, sobretudo quando, perante o desenvolvimento de um amplo movimento juvenil e popular, a besta fascista volta a mostrar as garras assaltando a sede do Partido Comunista Chileno. Em tempos que são de violenta ofensiva do grande capital com o propósito de reduzir o mais possível os custos unitários da força de trabalho e recolonizar o planeta, o significado e lições do sangrento golpe militar fascista de 11 de Setembro de 1973 não devem ser esquecidos.

 

Em primeiro lugar porque o derrube do governo da Unidade Popular, concebido, promovido e financiado pela CIA, e o sistema de terror a que deu lugar, mostra até onde podem chegar a natureza criminosa do imperialismo e a traição das classes dominantes para tentar deter a marcha da História. Com as derrotas do socialismo a reacção e o imperialismo não só mostram maior agressividade, como a sua acção criminosa se tornou mais descarada ao ponto de ter a cobertura da própria ONU como na Líbia. Se o papel dos EUA na prisão, tortura, assassinato e desaparecimento de dezenas de milhares de chilenos foi ocultado e negado, e se foram necessárias grandes batalhas políticas e jurídicas apoiadas na força da solidariedade internacional para o desvendar, hoje a simples invocação do «direito de ingerência humanitária» ou do «dever de proteger» parecem suficientes para justificar os crimes do terrorismo de Estado, com bombardeamentos, invasões e ocupações, sequestros, assassinatos selectivos, centros de tortura e prisões secretas, a própria abolição do habeas corpus.

 

Em segundo lugar porque a ideologia anticomunista que alimentou o golpe fascista de Pinochet e justificou a liquidação brutal das liberdades democráticas no Chile está de novo a levantar cabeça. De modo frontal como em vários países da Europa de Leste onde se tornou política de Estado, ou mais sorrateiramente como em Portugal. Mas sempre acompanhada de uma mesma linha de revisão da história do século XX, de negação da luta de classes , de criminalização da resistência e da luta popular, da introdução subreptícia, nomeadamente na União Europeia, de medidas securitárias.

 

Em terceiro lugar porque cavalgando o golpe fascista esteve o mais feroz fundamentalismo liberal Chicago boys. O Chile tornou-se laboratório experimental das concepções de Milton Friedman que Tatcher e Reagan transformaram em autêntica cruzada e que hoje imperam nas políticas da União Europeia. A vertiginosa centralização e concentração de capital e a brutal exploração a que os trabalhadores e o povo chilenos foram sujeitos, só era possível com a liquidação das liberdades democráticas, a proibição e repressão do forte movimento sindical chileno, a ilegalização do Partido Comunista e demais forças progressistas aliadas na Unidade Popular em torno desse verdadeiro e digno socialista que foi Salvador Allende. Esta é uma lição da maior actualidade quando, ao lado de uma ofensiva anti-social fortíssima que aponta para um retrocesso de civilização, se desenvolvem, nomeadamente na UE, mecanismos cada vez mais centralizadores e antidemocráticos comandados pelo grande capital financeiro e especulativo, naquilo que alguns consideram já uma variante de fascismo.

Mas há uma lição maior a tirar do 11 de Setembro chileno e da resistência heróica a que deu lugar. Por maiores que sejam as dificuldades da luta e por mais apertadas que sejam as curvas da História, a reacção, o fascismo e o imperialismo acabam sempre por ser derrotados pela luta organizada dos trabalhadores e dos povos. Os ventos que hoje sopram na América Latina, incluindo no Chile das grandes lutas estudantis e populares em que os comunistas ocupam a honrosa posição de primeira linha, aí estão a demonstrá-lo.



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