O triunfo dos porcos

Henrique Custódio

O Tri­bunal de Jus­tiça da União Eu­ro­peia proibiu o uso do brasão da an­tiga União So­vié­tica como marca re­gis­tada na União Eu­ro­peia.

A questão foi de­sen­ca­deada em 2006 por um es­ti­lista russo, que pre­tendeu re­gistar o brasão da URSS como marca, no es­paço co­mu­ni­tário. As au­to­ri­dades co­mu­ni­tá­rias re­jei­taram de ime­diato a pre­tensão, ar­gu­men­tando que se tra­tava de um «sim­bolo de des­po­tismo» em al­guns Es­tados mem­bros, no­me­a­da­mente os da an­tiga «Cor­tina de Ferro».

E o douto Tri­bunal foi cha­mado a pro­nun­ciar-se – o que fez agora, pas­sados cinco anos, sen­ten­ci­ando que «Deve ser re­cu­sado o re­gisto de uma marca, se esta for con­trária à ordem pú­blica e aos bons cos­tumes numa parte da União», che­gando ao cú­mulo de in­vocar uma «lei hún­gara».

Ano­temos como o acórdão não fugiu, nem numa vír­gula, ao de­ci­dido cinco anos antes pelos pa­trões da UE, o que diz o su­fi­ci­ente sobre este Tri­bunal.

E chegou a hora de per­guntar aos doutos juízes «da Eu­ropa»: de que «de­fesa da ordem e dos bons cos­tumes» é que falam? A «de­fesa» que mantém «na ordem» os ac­tuais 30 mi­lhões de de­sem­pre­gados na zona euro? Os «bons cos­tumes» que estão a de­sa­lojar mi­lhões de fa­mí­lias das suas casas pela cu­pidez da fi­nança e da es­pe­cu­lação que, con­co­mi­tan­te­mente, acu­mulam for­tunas co­los­sais fa­zendo alas­trar a mi­séria em mancha de azeite pela ou­trora «Eu­ropa dos ricos»?

Em con­tra­par­tida, de que acusam a URSS? A de ter sido o pri­meiro país do mundo a pôr em prá­tica, e para todos os ci­da­dãos, va­lores uni­ver­sais como o di­reito ao tra­balho, à ha­bi­tação, à saúde, à edu­cação, à re­forma, às fé­rias, aos tempos li­vres – e tudo isto sempre cons­tante ao longo dos seus 74 anos de exis­tência - e assim obri­gando a «Eu­ropa dos ricos» a fazer o seu «Es­tado so­cial»? Por ter sido o país que acabou com o ra­cismo e a xe­ne­fobia num ter­ri­tório que é o sexto da terra emersa do pla­neta, dando aos seus mais de 100 povos e ne­ci­o­na­li­dades todos os di­reitos atrás enun­ci­ados, mais lín­guas es­critas para todos e, em cada uma delas, ver­tidas todas as obras pu­bli­cadas no país?

Ou, ex­ter­na­mente, por ter sido o país que li­bertou a «Eu­ropa dos ricos» da besta nazi, à custa de 20 mi­lhões de mortos so­vié­ticos e fu­rando os planos aos «ricos da Eu­ropa», que al­me­javam a des­truição da URSS? Ou será por a URSS ter ad­mi­tido a cri­ação do Es­tado de Is­rael - agora tão in­cen­sado, pela de­riva cripto-fas­cista que o si­o­nismo lhe im­primiu – e que nunca teria exis­tido sem o con­sen­ti­mento da URSS?

Em 1945, Ge­orge Orwell es­creveu uma fá­bula cha­mada «O triunfo dos porcos», pro­cu­rando de­mons­trar que «os ideiais co­mu­nistas» de­sem­bo­cavam sempre numa di­ta­dura.

Vinte anos de­pois da queda da URSS, o ca­pi­ta­lismo tomou o freio nos dentes es­pa­lhou, como mancha de azeite, a mi­séria, a in­jus­tiça e a re­ti­rada de di­reitos so­ciais ad­qui­ridos. E falam de po­leiro, como se apenas o sis­tema ca­pi­ta­lista fosse a so­lução.

Este acórdão dos doutos «juízes eu­ro­peus», afinal, faz ri­co­chete no livro de Orwell: pe­rante a «obra» de mi­séria re­a­li­zada, «O triunfo dos porcos» ins­talou-se foi na «Eu­ropa dos euros».



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