O destino do Iraque

Luís Carapinha

Há todos os mo­tivos para sus­peitar da nova ronda da «guerra santa»

Notí­cias da bar­bárie tornam a chegar do Iraque nos úl­timos dias. Com­ba­tentes de uma or­ga­ni­zação sec­tária en­vol­vida na guerra de de­ses­ta­bi­li­zação contra a Síria, co­nhe­cida como Es­tado Is­lâ­mico do Iraque e do Le­vante (EIIS), ocu­param ino­pi­na­da­mente Mossul e ou­tras ci­dades do Norte do país. Os media di­fundem os tes­te­mu­nhos de exe­cu­ções su­má­rias e os planos de novas in­ves­tidas da horda me­di­e­va­lesca que ame­a­ça­riam a pró­pria ca­pital, Bagdad (atenção que con­trasta com o si­lêncio do­mi­nante er­guido em torno da san­grenta cam­panha mi­litar do go­verno gol­pista da Ucrânia que di­a­ri­a­mente vi­tima civis nas ci­dades do Don­bass). Pe­rita em artes cí­nicas, a Casa Branca ex­pressa grande pre­o­cu­pação e Obama diz não ex­cluir nova in­ter­venção mi­litar no Iraque.

Quase sempre de fora do es­copo da co­mu­ni­cação so­cial «global» fica o es­sen­cial.

A vi­o­lência en­dé­mica ins­ta­lada no Iraque é con­sequência di­recta da agressão e ocu­pação li­de­rada em 2003 pelas tropas dos EUA. Crime de guerra ainda im­pune que con­tinua a pesar sobre os prin­ci­pais pro­ta­go­nistas, ce­le­bri­zados na foto a quatro da Ci­meira dos Açores (Bar­roso, Blair, Bush e Aznar).

Para além das jus­ti­fi­ca­ções es­pú­rias da guerra de­sen­ca­deada em con­tra­venção do di­reito in­ter­na­ci­onal, os EUA usaram os mé­todos mais sór­didos e cruéis para que­brar a re­sis­tência pa­trió­tica e anti-im­pe­ri­a­lista ira­quiana, não he­si­tando em re­correr a armas proi­bidas e de des­truição em massa, como em Fal­luja. Or­ga­ni­zaram es­qua­drões da morte numa base sec­tária, pro­mo­veram o ex­tre­mismo re­li­gioso, a di­visão do Iraque (entre su­nitas, curdos e xi­itas) e a dis­se­mi­nação do es­tado de vi­o­lência sem quartel. A des­truição pro­vo­cada pelo im­pe­ri­a­lismo no Iraque é in­co­men­su­rável. A guerra sig­ni­ficou um grande salto atrás, in­clu­sive no plano ci­vi­li­za­ci­onal, no país que detém a 5.ª maior re­serva de pe­tróleo do mundo. Tudo pi­orou avas­sa­la­do­ra­mente, dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e se­gu­rança so­cial dos ira­qui­anos à con­dição da mu­lher. O go­verno dés­pota de Ma­liki em Bagdad (da co­mu­ni­dade xiita do­mi­nante), apesar de de­pois su­fra­gado nas urnas e apoiado pelo poder em Te­erão, é uma cri­ação da ocu­pação dos EUA.

Há todos os mo­tivos para sus­peitar da nova ronda da «guerra santa» obs­cu­ran­tista que alastra no Iraque e por todo o mapa do Grande Médio Ori­ente de­se­nhado em Washington. Ga­rantem as agên­cias que os fun­da­men­ta­listas su­nitas da EIIS são mais «ra­di­cais» que a Al-Qaeda – de que se terão des­pren­dido. Na sombra per­ma­necem não só a origem e os vín­culos da ne­bu­losa da Al-Qaeda (no­me­a­da­mente as co­ne­xões com a CIA no quadro da guerra do Afe­ga­nistão nos anos 80), como o papel da EIIS e or­ga­ni­za­ções ter­ro­ristas si­mi­lares na agressão contra a Síria, com o apoio ac­tivo do «bloco tran­sa­tlân­tico» e de ali­ados chave como as di­ta­duras do Golfo (com re­levo para a Arábia Sau­dita e Qatar) e o re­gime si­o­nista de Te­la­vive, onde o im­pe­ri­a­lismo ainda não atingiu os seus ob­jec­tivos.

Afer­rados a uma ordem eco­nó­mica in­justa e de­ca­dente os EUA pros­se­guem a ca­val­gada de frag­men­tação de ter­ri­tó­rios e des­truição das so­be­ra­nias na­ci­o­nais, fa­ci­li­tando a en­trega de re­cursos es­tra­té­gicos à ra­pina dos grandes mo­no­pó­lios trans­na­ci­o­nais e a re­a­li­zação bá­sica do cir­cuito es­po­li­ador de apro­pri­ação e acu­mu­lação ca­pi­ta­listas. A ins­ta­bi­li­zação das fron­teiras e as pres­sões de toda a ordem sobre a China, Rússia e Irão é uma re­a­li­dade em as­censo. Como afirmou o pre­si­dente bo­li­viano, Mo­rales, ao re­ceber a Ci­meira do G77+China, «um pu­nhado de po­tên­cias (…) in­vade países, blo­queia o co­mércio, impõe preços ao resto do mundo, as­fixia eco­no­mias na­ci­o­nais, cons­pira contra go­vernos pro­gres­sistas e re­corre à es­pi­o­nagem (…)».

É a luta dos tra­ba­lha­dores e dos povos que aca­bará por travar o passo à bar­bárie e der­rotar a po­lí­tica das trevas que ameaça a paz mun­dial.




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