Jerónimo de Sousa critica dissimulação do Governo

Não a mais cortes nas pensões!

O Secretário-geral do PCP exigiu explicações sobre o noticiado corte de 600 milhões de euros nas pensões, acusando o Governo de estar agora a esconder os seus reais propósitos sob a capa de uma alegada busca de «consenso».

Reformados e pensionistas têm razões para preocupação com a perspectiva de novos cortes

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«Os tempos são propícios à suspensão e à ocultação da realidade», começou por observar Jerónimo de Sousa, que encontra no avizinhar de eleições a justificação para esse dissimular em que o Governo se revela perito.

O líder comunista falava no debate quinzenal de sexta-feira passada, 5, a propósito da Segurança Social e do corte de 600 milhões de euros nas reformas dos actuais pensionistas já para 2016, anunciados pelo primeiro-ministro aquando da apresentação do chamado Programa de Estabilidade.

«O espectáculo oferecido pelo Governo em relação a esta matéria foi pouco dignificante», comentou Jerónimo de Sousa, aludindo às versões diversas veiculadas por governantes quanto aos referidos cortes e à afirmação de que é «tudo uma questão de consenso».

Daí ter questionado Passos Coelho sobre quem é que está a falar verdade de entre os membros do Governo. «O Governo defende ou não o corte de 600 milhões de euros nas reformas que propôs a Bruxelas? Ou trata-se de um equívoco como agora alguns pretendem fazer passar, por estarmos à beira de eleições?», indagou o responsável máximo do PCP.

Reduzir estragos

Na resposta, procurando camuflar as posições contraditórias assumidas por membros do Governo sobre esta matéria, Passos Coelho indicou que os ministros o que «têm procurado explicar» é que «não tem razão de ser» o que tem sido dito a propósito desse cortes, assegurando que «não existe nenhum espectáculo» do Executivo.

E afirmou que a «introdução de uma medida para a sustentabilidade da Segurança Social, cujo impacto está estimado em 600 milhões de euros, tem de exigir um amplo consenso social e político», argumentando que a solução tem de resultar de um «debate alargado envolvendo a sociedade civil e necessariamente todos os partidos do arco da governabilidade».

Na sua tentativa de minimizar os estragos que tiveram amplificação a partir da declaração há cerca de 15 dias da ministra das Finanças, quando esta afirmou preto no branco que o intuito é mesmo cortar nas pensões, Passos Coelho invocou ainda o chamado Programa de Estabilidade para dizer que nele não está «de momento o detalhe da medida a adoptar» mas «apenas a obrigação» de que o resultado a obter tenha um «impacto positivo na ordem de 600 milhões de euros no sistema de pensões, independentemente da combinação entre medidas de redução da despesa e de acréscimo da receita que venha a ser definida».

E achou que daqui resulta «precipitada qualquer conclusão de que se trata de um corte de 600 milhões nas pensões».

«O que nós queremos é um consenso o mais alargado possível sobre a forma de conseguir um resultado que é o de proteger os contribuintes, por um lado, e os pensionistas, por outro», resumiu, tudo em nome da «necessidade de reforçar a sustentabilidade da Segurança Social».

Entrar de chancas

Vendo no alegado «consenso» uma espécie de «palavra mágica» a que o primeiro-ministro deitou mão para levar a água ao seu moinho, Jerónimo de Sousa frisou que as «pessoas não são parvas e sabem bem o que significaram os consensos da troika nacional (PS, PSD e CDS-PP) em relação aos cortes para quem trabalha ou quem trabalhou». Do seu ponto de vista, o que este apelo ao entendimento significa, pois, é que o Governo «quer alargar a base de apoio a medidas drásticas», como as que estão contidas no dito Programa de Estabilidade, e que «visam fundamentalmente a redução da despesa».

Ora «redução da despesa significa inevitavelmente corte nas pensões ou noutros subsídios de apoio social», enfatizou o dirigente do PCP, não vendo como é que Passos Coelho «inventa uma outra saída».

E se é evidente que foi o PS a «abrir a porta» – através do factor de sustentabilidade e da condição de recurso –, não é menos verdade, frisou, que o «Governo entrou de chancas, com os cortes brutais que se seguiram».

O líder do PCP encontra assim fundadas razões para que as pessoas estejam muito preocupadas pela existência dessa «referência concreta» aos cortes nas pensões, salientando que não é por acaso que o primeiro-ministro, o Governo e os partidos que o apoiam a procuraram «varrer» da luz do dia. E a única razão plausível é «porque não estão com a consciência tranquila», admitiu o Secretário-geral do PCP, antes de lançar um desafio final: «consenso, mas em torno de quê? Explique senhor primeiro-ministro».

É «um processo de intenções», que «não tem razão de ser», defendeu-se o chefe do Governo, fingindo ignorar que é o próprio Programa de Estabilidade que o desmente quando neste se diz que a referida medida com impacto positivo sobre a Segurança Social vem «do lado da despesa e do lado da receita».

Razão pela qual Jerónimo de Sousa voltou à carga, questionando o chefe do Governo sobre o «quanto é que vai custar aos reformados e pensionistas» o consenso proposto pelo Governo, «designadamente ao PS», entendendo que esta é uma explicação à qual Passos Coelho não pode furtar-se, porque, precisou, os «reformados e pensionistas e os próximos reformados não vão ficar descansados, antes pelo contrário, e não vão permitir ser mais uma vez enganados».


O desastre das pescas

Puxada para primeiro plano do debate foi ainda a questão do mar, num quadro em que o País precisa de crescimento e desenvolvimento económico, com Jerónimo de Sousa a classificar de «desastre» a situação das pescas portuguesas.

Na base desta avaliação estão os dados do INE revelados dias antes, segundo os quais há uma «quebra brutal das capturas, aumento do défice da balança comercial dos produtos de pesca, mais abates, menos frota licenciada». A entidade estatística nacional especifica, por outro lado, que a frota licenciada em 2014 «atingiu o valor mais baixo desde 2006, diminuindo assim a frota de pesca licenciada, pelo nono ano consecutivo».

Para Jerónimo de Sousa, «é esta a realidade que está por de trás da "semana azul" e da muita propaganda sobre a política do mar» e que se «esconde por trás da Lisboa Capital do Oceano e do discurso para enfeitar a nossa vocação marítima».

«Em terra diz-se que "há muita parra e pouca uva", no mar é comum dizer-se que com este Governo os "lances deram todos em água"», sublinhou o líder comunista, que, perante quadro, não escondeu a sua perplexidade por ouvir a ministra da Agricultura e do Mar afirmar que esta situação desastrosa «era expectável».

«Como é que responde a isto? Alguma vez foi expectável para si este balanço dramático da situação das nossas pescas?», inquiriu, dirigindo-se ao chefe do Governo, a quem perguntou ainda se não considera necessária uma «outra política de pescas, particularmente em relação à pesca da sardinha, que está bem presente no número das capturas, mas também outras medidas urgentes, entre elas a garantia de todos os combustíveis a custo reduzido (nomeadamente a gasolina), para todos os segmentos da frota».

O líder do PCP não deixou de recordar que este exemplo das pescas é em si mesmo dramático mas, infelizmente, não é único, pois o mesmo aconteceu com a destruição da Marinha Mercante e com a destruição da indústria naval. «Sabemos que o mar tem potencialidades imensa para o País crescer, progredir, mas este balanço trágico feito pelo INE merecia da sua parte uma reflexão e pelo menos um acto de reconhecimento do desastre desta política», salientou, interpelando o primeiro-ministro, que, por ter deixado esgotar o seu tempo, nada adiantou sobre o assunto.


O povo na rua

Perto do final da sua intervenção, muito valorizada por Jerónimo de Sousa foi a resistência dos trabalhadores à política de empobrecimento e exploração deste Governo. Uma luta persistente, quantas vezes heróica, que foi decisiva para a erosão da sua base social e para a derrota que nas próximas legislativas se adivinha aos partidos que lhe dão suporte.

«Os trabalhadores e o povo não desistiram de lutar, recusando o conformismo, recusando a desistência e é por isso que os enfermeiros estão hoje em greve [dia 5], lutando não só pelos seus direitos mas pelos direitos dos utentes», sublinhou o líder comunista.

«E queira saber que amanhã mesmo, aqui em Lisboa, junto dos Restauradores, com essa simbologia, ali estará na Marcha o povo demonstrando que tem força e que mais cedo ou mais tarde quem vai ser derrotado é este Governo e não o nosso País e a sua libertação», afirmou, acertando em cheio, numa antevisão àquela que viria a ser no dia seguinte a grandiosa e histórica Marcha Nacional a «Força do Povo» realizada pela CDU.

 



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