Os papéis do Panamá e Portugal

A confirmação de um enorme<br>prejuízo público

Agostinho Lopes

A no­vi­dade dos Pa­péis do Pa­namá é a enorme di­mensão da in­for­mação dis­po­ni­bi­li­zada: 11,5 mi­lhões de do­cu­mentos. Mas são mais uma con­fir­mação do mons­truoso vo­lume de pro­cessos de evasão, de elisão e pla­ne­a­mento fis­cais, le­vados a cabo pelo grande ca­pital mul­ti­na­ci­onal e fi­nan­ceiro, com a co­ber­tura e ac­tiva par­ti­ci­pação das prin­ci­pais po­tên­cias do ca­pi­ta­lismo mun­dial. Não é assim de es­tra­nhar a pre­sença de em­presas e de ca­pi­ta­listas por­tu­gueses.

O Es­tado por­tu­guês não tem des­pesa a mais, tem é re­ceita a menos… pela grande evasão fiscal, legal e ilegal, per­mi­tida pelos «amigos» das contas pú­blicas equi­li­bradas!

Há dados que con­so­lidam as­pectos não to­tal­mente es­cla­re­cidos, como no pro­cesso BES/​GES. É o caso do saco azul cons­ti­tuído pela So­ci­e­dade Offshore, Es­pí­rito Santo En­ter­prises, no «pa­ga­mento» a fa­mi­li­ares, «po­lí­ticos» e ou­tros «agentes/​co­la­bo­ra­dores» do BES. A in­for­mação con­tinua cla­ra­mente a ser ge­rida po­li­ti­ca­mente. O nú­mero de em­presas li­gadas ao es­cri­tório Mos­sack Fon­seca (cerca de 250), é só por si es­cla­re­cedor da am­pli­tude do «fe­nó­meno». Con­firma-se a pre­sença de al­guns dos prin­ci­pais bancos por­tu­gueses. São co­nhe­cidas li­ga­ções de al­guns im­por­tantes grupos eco­nó­micos, bem como de per­so­na­li­dades en­vol­vidas na porta-gi­ra­tória, umas vezes po­lí­tico, ou­tras vezes gestor eco­nó­mico. E é cu­rioso cons­tatar a cons­ci­ência pe­sada desses ci­da­dãos: ou estão am­né­sicos ou con­fessam que isso (as suas li­ga­ções ao Pa­namá) já foi há sé­culos…

Clas­si­fi­camos como «não no­vi­dade» os Pa­péis do Pa­namá porque eles cons­ti­tuem a con­ti­nui­dade ab­so­luta de ou­tros es­cân­dalos que, ro­ti­nei­ra­mente, têm vindo a lume nos úl­timos anos. É o caso dos es­cân­dalos dos «leaks/​fugas» do Li­e­ch­tens­tein, das Ilhas Vir­gens Bri­tâ­nicas, da Suíça, do Lu­xem­burgo e da Ho­landa, da Ir­landa, etc., e da pró­pria Ma­deira!

Para Por­tugal, con­tudo, o mais grave e o menos fa­lado dos pa­raísos fis­cais é o «Tu­li­pa­Leak», a Ho­landa. É o que acon­teceu e acon­tece pelo en­vol­vi­mento de 19 (hoje 18) das mai­ores «mul­ti­na­ci­o­nais» por­tu­guesas, todas as co­tadas em Bolsa, o fa­moso PSI20. Todas elas, Je­ró­nimo Mar­tins, SONAE, EDP, PT, AMORIM, GALP, etc., cons­ti­tuíram em­presas de fa­chada na Ho­landa para re­du­zirem a sua fac­tura fiscal.(1) Foi através da Ho­landa que parte dos lu­cros dos prin­ci­pais ac­ci­o­nistas pri­vados da PT, da venda da VIVO à Te­le­fó­nica, não foram tri­bu­tados em Por­tugal. Por exemplo, contas bem feitas sobre os 2,3 mi­lhões de euros de di­vi­dendos em 2015 das em­presas do PSI 20 mos­tram que o país perdeu de re­ceitas fis­cais cerca de 500 mi­lhões de euros.

As con­sequên­cias de um sis­tema fi­nan­ceiro com pa­raísos fis­cais, so­ci­e­dades offshore e banca co­mer­cial pri­vada, estão hoje bem à vista nos pro­cessos de de­sa­gre­gação fi­nan­ceira, fa­lência e ele­vados pre­juízos do sector ban­cário por­tu­guês (BPN, BPP, BCP, BES, BANIF), acar­re­tando vo­lu­mosos custos para a co­mu­ni­dade e para o Es­tado. A opa­ci­dade e se­cre­tismo das ope­ra­ções que se re­a­lizam graças a esse «sis­tema», à margem de qual­quer es­cru­tínio de re­gu­la­dores e/​ou po­deres pú­blicos, acar­retam uma de­tecção tardia, quando já é ir­re­ver­sível o «cancro em­pre­sa­rial».

As ope­ra­ções Monte Branco e Fu­racão evi­den­ciam também o papel cen­tral dos pa­raísos fis­cais e so­ci­e­dades offshore na evasão de ca­pi­tais e fraudes fis­cais. Ou­tros «acon­te­ci­mentos», como o das «Mil Fa­mí­lias mais ricas» que não pagam im­postos, con­firmam a na­tu­reza ab­so­lu­ta­mente ne­ga­tiva do mundo offshore.

 

O «la­va­douro pú­blico» dos RERT

Os dois an­te­ri­ores go­vernos to­maram me­didas para que os au­tores de evasão ilegal de ca­pi­tais e/​ou ti­tu­lares de pa­tri­mó­nios de ori­gens es­cusas ob­tidas no es­tran­geiro fossem com­ple­ta­mente pou­pados a san­ções fis­cais e ju­di­ciais, e possam dispor dos seus pa­tri­mó­nios ex­pa­tri­ados. Assim acon­teceu com o RERT – Re­gime Ex­tra­or­di­nário de Re­gu­la­ri­zação Fiscal, nas suas três ver­sões, 2005, 2010 e 2011. Ou seja, um la­va­douro pú­blico para di­nheiros sujos de ca­pi­ta­listas e ban­queiros por­tu­gueses postos nos pa­raísos fis­cais da Suíça, Pa­namá, etc.. O «preço da la­vagem» era ba­rato: uma im­po­sição fiscal à taxa de cinco por cento nos dois pri­meiros, (go­vernos Só­crates) e 7,5 por cento no ter­ceiro (go­verno P. Co­elho/​P Portas). E no 3.º RERT nem era pre­ciso que o ca­pital re­gres­sasse. A in­for­mação ofi­cial in­dica que se la­varam cerca de 5,9 mil mi­lhões de euros e que os RERT não cui­daram de iden­ti­ficar a origem dos fundos abran­gidos.

 

Mons­truosa dre­nagem de ca­pital
para o es­tran­geiro

A di­mensão do fe­nó­meno é, como há muito se sabia, mons­truosa. No Re­la­tório «Sobre a luta contra a fraude fiscal, a evasão fiscal e os pa­raísos fis­cais», de 2 de Maio de 2013, da Co­missão dos As­suntos Fis­cais do Par­la­mento Eu­ropeu, es­creveu-se: «Con­si­de­rando que, se­gundo as es­ti­ma­tivas, se perde anu­al­mente o es­can­da­loso mon­tante de 1 bi­lião de euros de po­ten­ciais re­ceitas fis­cais de­vido à fraude fiscal, à evasão fiscal, à elisão fiscal e ao pla­ne­a­mento fiscal agres­sivo na União Eu­ro­peia, o que re­pre­senta um custo anual de cerca de 2000 EUR para cada ci­dadão, sem que em res­posta sejam to­madas me­didas apro­pri­adas...».

É fácil fazer contas: dois mil euros vezes 10 mi­lhões de ha­bi­tantes, igual a 20 mil mi­lhões de euros de perda de re­ceitas fis­cais/​ano em Por­tugal.

De acordo com as es­ta­tís­ticas do FMI, só entre Ja­neiro e Junho de 2015 saíram de Por­tugal para offshores, na de­fi­nição res­tri­tiva do Banco In­ter­na­ci­onal de Pa­ga­mentos (BIS), 4,4 mil mi­lhões de euros. Valor esse que sobe para 41,5 mil mi­lhões de euros, adi­ci­o­nando o que saiu para ou­tros offshores bem co­nhe­cidos, de­no­mi­nados eu­fe­mis­ti­ca­mente «cen­tros fi­nan­ceiros in­ter­na­ci­o­nais» (como a Áus­tria, a Ir­landa, a Ho­landa, o Lu­xem­burgo e a Suíça). Neste úl­timo caso, fa­lamos já de 23,2 por cento do PIB de 2015, em meio ano.(2)

Se­gundo Ri­chard Murphy, da ONG Tax Re­se­arch, a fuga de ca­pi­tais do nosso País pode apro­ximar-se de um quarto da ri­queza anual, ou seja 25 por cento do PIB. Zucman, em «A ri­queza au­sente das na­ções», diz que, num cál­culo pru­dente, as contas de por­tu­gueses só na Suíça (2013) va­liam 30 mil mi­lhões de euros!

Estes va­lores es­tarão sempre longe da «re­a­li­dade», isto é, são va­lores cal­cu­lados, por (largo) de­feito. Qual­quer que seja o valor apro­xi­mado da pre­sença de ca­pi­tais por­tu­gueses nos pa­raísos fis­cais, es­tamos pe­rante va­lores ex­tre­ma­mente ele­vados – a sua ordem de gran­deza é sempre da ordem dos mi­lhares de mi­lhões de euros, como se cons­tata dos exem­plos apre­sen­tados.

É fácil iden­ti­ficar a classe so­cial e em­pre­sa­rial de­ten­tora desses ca­pi­tais: ban­queiros, ti­tu­lares dos grandes grupos eco­nó­micos, grandes em­presas e mul­ti­na­ci­o­nais, par­ti­ci­pantes ins­ti­tu­ci­o­nais nos fundos de in­ves­ti­mento, etc..

As con­sequên­cias para o País não são di­fí­ceis de de­duzir.

Em pri­meiro lugar temos as ele­vadas perdas de re­ceitas fis­cais, que eram de­vidas ao Es­tado por­tu­guês por ac­ti­vi­dades eco­nó­micas re­a­li­zadas no ter­ri­tório na­ci­onal e por pa­tri­mó­nios fi­nan­ceiros, imo­bi­liá­rios e ou­tros de que são de­ten­tores ci­da­dãos ou en­ti­dades na­ci­o­nais.

Com duas im­pli­ca­ções di­rectas. A so­bre­carga fiscal que atinge tra­ba­lha­dores, pe­quenos em­pre­sá­rios, fa­mí­lias, por dé­fice de re­ceitas fis­cais cau­sadas pela não (ou re­du­zida) co­brança de quem podia pagar, ou pagar muito mais. Os dé­fices pú­blicos se­riam fa­cil­mente su­pe­rados ou re­du­zidos, caso o Es­tado co­brasse o que devia. É pe­da­gó­gico com­parar, por exemplo, o dé­fice pú­blico do OE para 2016 – 4,125 mil mi­lhões de euros – com o valor da perda de re­ceitas fis­cais cal­cu­ladas, se­gundo a Co­missão dos As­suntos Fis­cais do PE – 20 mil mi­lhões de euros anuais! Bas­taria que o Es­tado re­cu­pe­rasse 25 por cento para que o dé­fice pú­blico fosse col­ma­tado!

Com uma agra­vante: é, em grande parte, esse ca­pital que não paga im­postos, que voga pelos pa­raísos fis­cais, esses fundos com nomes es­qui­sitos, par­que­ados e co­man­dados a partir das tais so­ci­e­dades offshore, os ditos «mer­cado fi­nan­ceiros», que de­pois nos vêm pregar li­ções de moral aus­te­ri­tária, dizer que temos de fazer contas pú­blicas equi­li­bradas e chan­ta­gear os es­tados nas taxas de juro.

Sabe-se que al­guns jus­ti­ficam, sem ver­gonha ética e cí­vica, o uso dos pa­raísos fis­cais em nome das ele­vadas cargas fis­cais de al­guns países, ou seja a con­si­de­ração de que há ope­ra­ções le­gí­timas de op­ti­mi­zação fiscal via offshores/pa­raísos fis­cais (aliás a base para ar­ti­fi­ciosa e falsa dis­tinção/​di­visão dos pa­raísos fis­cais em maus e bons, uns são offshore ou­tros são «cen­tros in­ter­na­ci­o­nais de ne­gó­cios»). Então é jus­ti­fi­cado que os con­tri­buintes «fujam». E a so­lução é fácil, re­duzir a zero os im­postos sobre o ca­pital…

Uma im­por­tante con­clusão é ne­ces­sário re­tirar destes es­ca­brosos pro­cessos vindos à luz do co­nhe­ci­mento pú­blico: o Es­tado por­tu­guês não tem des­pesa a mais, tem é re­ceita a menos… pela grande evasão fiscal, legal e ilegal, per­mi­tida pelos «amigos» das contas pú­blicas equi­li­bradas! Equi­lí­brio feito de­pois, na­tu­ral­mente, à custa de mais carga fiscal sobre o tra­balho e os pe­quenos em­pre­sá­rios e de bru­tais res­tri­ções com os ven­ci­mentos, o SNS, a edu­cação, os apoios so­ciais, como acon­tece com o PSD e CDS, e os ór­gãos da UE.

Em se­gundo lugar é a total sub­versão da tão no­meada «eco­nomia de mer­cado», pela de­si­gual­dade em que par­ti­cipam a ge­ne­ra­li­dade das pe­quenas e mé­dias em­presas nos mer­cados na­ci­o­nais e in­ter­na­ci­o­nais, su­jeitas a uma im­pi­e­dosa con­cor­rência fiscal des­leal e dis­cri­mi­na­tória. Não só pela su­pe­rior carga fiscal sobre os lu­cros (basta com­parar as taxas que paga o Je­ró­nimo Mar­tins na Ho­landa e o que paga qual­quer pe­queno/​médio em­pre­sário em Por­tugal), como pela in­ca­pa­ci­dade de levar a cabo ope­ra­ções de pla­ne­a­mento fiscal agres­sivo e elisão fiscal, e a uti­li­zação dos cha­mados «preços de trans­fe­rência».

Em ter­ceiro lugar há que su­bli­nhar o gra­vís­simo dé­fice de ca­pital de que sofre o País, de­cor­rente da dre­nagem do ca­pital cá pro­du­zido para esses ter­ri­tó­rios fis­cais. Todos co­nhe­cemos os lan­ci­nantes apelos ao ca­pital es­tran­geiro para que possam con­cre­tizar-se os in­ves­ti­mentos de que Por­tugal ca­rece. Porque, em te­oria (má te­oria!), o País não tem, não produz ou acu­mula, o ca­pital ne­ces­sário. Há até os que te­o­rizam sobre o ca­pi­ta­lismo por­tu­guês como um «ca­pi­ta­lismo sem ca­pital». Afinal a ex­pli­cação é bem mais sim­ples: não há ca­pital em Por­tugal sim­ples­mente porque os grandes ca­pi­ta­listas por­tu­gueses o ex­portam… so­bre­tudo para pa­raísos fis­cais! Co­lec­tando a mais-valia em Por­tugal, gostam de a acu­mular fora de Por­tugal!

Ha­veria ainda de ava­liar as con­sequên­cias de­cor­rentes do con­trolo de cen­tenas das prin­ci­pais em­presas por­tu­guesas, a partir de so­ci­e­dades offshores em pa­raísos fis­cais!

Entre 2008 e 2014, fora o sector fi­nan­ceiro, as em­presas do PSI 20, al­gumas al­ta­mente en­di­vi­dadas, dis­tri­buíram 13 mil mi­lhões de euros de di­vi­dendos do lucro ac­ci­o­nista. Não re­du­ziram a dí­vida. Al­gumas en­di­vi­daram-se mesmo mais, para pagar os lu­cros/​di­vi­dendos. Não in­ves­tiram. O in­ves­ti­mento de­clinou subs­tan­ci­al­mente! E parte subs­tan­cial desses lu­cros, mar­chou para terras es­tra­nhas… para pa­raísos fis­cais!

 

Mi­nis­tros das Fi­nanças dis­traídos

Apesar dos es­cân­dalos e pre­juízos para o Es­tado, su­ces­sivos go­vernos pouco ou nada fi­zeram no com­bate à evasão e fraude fis­cais. No mí­nimo, houve com­pleta inacção junto da UE. Sempre com o ar­gu­mento jus­ti­fi­ca­tório e des­cul­pa­bi­li­zante de que estas ja­nelas abertas ao «desvio» de fundos pú­blicos, à cor­rupção, ao crime, só são pos­sí­veis de fe­char quando todos os países acor­darem. É exem­plar, pela ne­ga­tiva, o com­por­ta­mento de su­ces­sivos mi­nis­tros das Fi­nanças. Sempre pas­sivos e re­sis­tentes a qual­quer in­ter­venção. Não in­ves­tigam, não so­li­citam a do­cu­men­tação, e quando, por pressão da AR, a obtêm, não lhe dão se­gui­mento, nem con­cluem qual­quer pro­cesso.

De re­ferir igual­mente o ele­vado grau de res­pon­sa­bi­li­dade das en­ti­dades fis­ca­li­za­doras e re­gu­la­doras por­tu­guesas, como as au­to­ri­dades tri­bu­tá­rias e Banco de Por­tugal, pela sua pas­si­vi­dade e cum­pli­ci­dade.

Estes com­por­ta­mentos não negam a res­pon­sa­bi­li­dade maior da UE, que nem se­quer toma a ini­ci­a­tiva de eli­minar os pa­raísos fis­cais pre­sentes em al­guns es­tados-mem­bros. O que não é de es­pantar, quando a Co­missão Eu­ro­peia tem como pre­si­dente quem fez do seu país, como pri­meiro-mi­nistro, um pa­raíso fiscal!

Não des­va­lo­ri­zando a co­o­pe­ração entre países, os factos mos­tram que as su­ces­sivas de­cla­ra­ções so­lenes do G20, UE e EUA são ma­ni­fes­ta­mente exa­ge­radas, sem cor­res­pon­dência com a re­a­li­dade, quando não cor­tina de fumo, da com­pleta pa­ra­lisia de me­didas e so­lu­ções, que vão sendo sempre apon­tadas para um fu­turo… lon­gínquo.

Há falta de «von­tade po­lí­tica» para acabar (Pa­checo Pe­reira). É uma evi­dência a falta dessa von­tade, em di­versos es­tru­turas/​ór­gãos do poder po­lí­tico (go­vernos, par­tidos, UE, BCE). Mas como a «von­tade po­lí­tica» ex­prime in­te­resses eco­nó­micos e so­ciais, in­te­resses de poder, in­te­resses de classe, não é pos­sível se­parar «essa von­tade po­lí­tica» da iden­ti­dade/​con­teúdo de classe re­pre­sen­tada pelos par­tidos po­lí­ticos. Não é pos­sível mudar essa von­tade po­lí­tica sem mudar os in­te­resses de classe pre­sentes/​re­pre­sen­tados pelo poder po­lí­tico/​go­vernos e ou­tros ór­gãos de so­be­rania e poder.

Es­tamos pe­rante os «in­te­resses po­de­rosos», os in­te­resses de classe do ca­pital. E os es­tados e os par­tidos (da di­reita e da so­cial-de­mo­cracia) estão ao seu ser­viço, não porque são frá­geis ou são «(…) países fra­gi­li­zados», mas porque são a ex­pressão, a ema­nação po­lí­tica desses in­te­resses.

 

Um vasto pa­tri­mónio de luta e alerta

 As so­lu­ções para este grave pro­blema são, ine­vi­ta­vel­mente, a eli­mi­nação dos pa­raísos fis­cais (é quase con­sen­sual a total inu­ti­li­dade eco­nó­mica destes es­paços), as­se­gu­rando a proi­bição de trans­fe­rên­cias fi­nan­ceiras e de lo­ca­li­zação de sedes fis­cais de em­presas na­ci­o­nais ou mul­ti­na­ci­o­nais nesses ter­ri­tó­rios. Exigem lo­gi­ca­mente o con­trolo pú­blico na cir­cu­lação in­ter­na­ci­onal de ca­pi­tais e da banca co­mer­cial. Sem estas me­didas, tudo o resto não pas­sará de pa­li­a­tivos, como a ex­pe­ri­ência destas quase duas dé­cadas do sé­culo XXI de­mons­tram. Mesmo se al­gumas pro­postas podem ter algum im­pacto ime­diato.

Na con­ti­nui­dade de um vasto pa­tri­mónio de luta e alerta sobre estas ques­tões, no­me­a­da­mente a luta contra a li­be­ra­li­zação da cir­cu­lação de ca­pi­tais, a linha fe­de­ra­lista da «har­mo­ni­zação fiscal», que acen­tu­aria uma maior perda de au­to­nomia e so­be­rania na po­lí­tica fiscal, o com­bate pelo fim dos pa­raísos fis­cais e o con­trolo pú­blico da banca co­mer­cial(3), o PCP re­tomou, como já anun­ciou, um con­junto de ini­ci­a­tivas, na AR e no PE, ade­quados ao fim destes me­ca­nismos de roubo e ex­torsão dos povos.

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(1) O que foi feito através das So­ci­e­dades Fi­nan­ceiras Es­pe­ciais (SFI) e a ne­go­ci­ação com o Es­tado ho­landês, de acordos APA, um acordo de dupla não tri­bu­tação…

(2) Estes va­lores não con­tra­dizem os va­lores re­ve­lados a se­mana pas­sada pelo Pú­blico (mais de 10 mil mi­lhões de euros entre 2010 e 2014, para offshores/BIS), na base dos dados for­ne­cidos pelo Mi­nis­tério das Fi­nanças (não di­vul­gados desde 2010!), antes cor­res­pondem a cri­té­rios di­versos na con­ta­bi­li­zação e clas­si­fi­cação dos offshores.

(3) Como es­creveu a jor­na­lista Cris­tina Es­teves, a pro­pó­sito do Swis­s­Leaks «A banca pri­vada e de in­ves­ti­mento com­porta-se como um au­tên­tico ca­ni­vete suíço, mul­ti­fa­ce­tado para pro­vi­den­ciar con­sul­toria e pla­ne­a­mento fiscal eva­sivo, e vender so­lu­ções à me­dida» (Diário Eco­nó­mico, 13­FEV15)