O <i>Brexit</i> e a NATO

Albano Nunes

O voto pela saída é fun­da­men­tal­mente um voto po­pular

Eles estão sur­pre­en­didos e de­so­ri­en­tados. O grande ca­pital fi­nan­ceiro so­freu na Grã-Bre­tanha uma der­rota his­tó­rica. As in­ge­rên­cias e pres­sões de todo o tipo sobre o povo bri­tâ­nico fra­cas­saram. Nem o ver­go­nhoso acordo da União Eu­ro­peia com Ca­meron contra os di­reitos dos emi­grantes, nem o em­pe­nha­mento de Obama por uma «forte Eu­ropa», nem os ce­ná­rios de ca­tás­trofe de­se­nhados pelos grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros da City e pelos eu­ro­cratas de Bru­xelas im­pe­diram o Brexit. A crise na e da UE é na ver­dade muito pro­funda e sendo esta ir­re­for­mável a sur­presa e a de­so­ri­en­tação que cam­peiam nos seus cír­culos di­ri­gentes são ine­vi­tá­veis.

Não se su­bes­time porém a ca­pa­ci­dade de adap­tação da classe do­mi­nante – que aliás ainda não de­sistiu de re­verter o re­sul­tado do re­fe­rendo – e, so­bre­tudo, man­tenha-se bem viva a vi­gi­lância para com a co­nhe­cida te­oria das «crises cri­a­tivas» e as ten­ta­tivas para trans­formar esta der­rota em pre­texto para con­cre­tizar o novo salto ne­o­li­beral, mi­li­ta­rista e fe­de­ra­lista que tem vindo a ser pre­co­ni­zado e de­se­nhado pelo nú­cleo duro do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista. As ondas de choque do Brexit far-se-ão sentir por muito tempo. São muitas as in­cer­tezas. Mas não pode haver qual­quer dú­vida de que o bloco im­pe­ri­a­lista que a UE é tudo fará para as­se­gurar o seu poder.

 

Para isso há uma pri­meira ba­talha que está a travar sem qual­quer he­si­tação mo­bi­li­zando todo o seu po­de­roso ar­senal de ma­ni­pu­lação me­diá­tica. É uma ba­talha no campo das ideias que pode ser de­ci­siva para os seus ob­jec­tivos ime­di­atos e que con­siste em iludir e fal­si­ficar as ra­zões de fundo da vi­tória do sim à saída da Grã-Bre­tanha da UE. A fu­la­ni­zação, os erros de cál­culo de Ca­meron ou a falta de em­penho de Corbin, a luta pelo poder dentro do Par­tido Con­ser­vador e a cons­pi­ração para afastar a ala es­querda do Par­tido Tra­ba­lhista, massas de vo­tantes le­vadas ao en­gano por tal ou tal per­so­na­li­dade e, so­bre­tudo, o labéu de que o voto pelo Brexit seria um voto xe­nó­fobo e ra­cista – tudo isto está a servir para es­conder o es­sen­cial: que o voto pela saída é fun­da­men­tal­mente um voto po­pular contra a de­te­ri­o­ração da si­tu­ação so­cial que atinge par­ti­cu­lar­mente re­giões ope­rá­rias de tra­di­ções pro­gres­sistas e um voto contra a opressão na­ci­onal de­cor­rente das po­lí­ticas e da di­nâ­mica su­pra­na­ci­onal da UE. Que isso es­teja a ser em grande parte ca­pi­ta­li­zado por forças de ex­trema-di­reita, na Grã-Bre­tanha como em França e nou­tros países, é um pe­rigo cuja res­pon­sa­bi­li­dade cabe em pri­mei­rís­simo lugar às po­lí­ticas anti-so­ciais e de opressão na­ci­onal do grande ca­pital.

 

Um outro ter­reno onde a classe do­mi­nante não mostra he­sitar, diz res­peito ao re­forço do braço mi­litar eu­ropeu da NATO. A «po­lí­tica eu­ro­peia de se­gu­rança e de­fesa comum», a seu tempo jus­ti­fi­cada pelos «eu­ro­peístas de es­querda» como acto de «au­to­nomia» e con­tra­ponto à he­ge­monia norte-ame­ri­cana, está cada vez mais ar­ti­cu­lada com os EUA e es­trei­ta­mente in­se­rida na má­quina de guerra de uma NATO que não cessa de es­tender a sua es­fera de in­ter­venção a todo o pla­neta. Não é por acaso que logo no dia se­guinte ao Brexit (ver Pú­blico, por exemplo) tudo eram in­ter­ro­ga­ções quanto ao re­la­ci­o­na­mento fu­turo da UE com a Grã-Bre­tanha ex­cepto no plano mi­litar, evo­cando-se o po­derio das forças ar­madas bri­tâ­nicas e o tra­tado de Saint-Malo franco-bri­tâ­nico (1998) que sig­ni­ficou um po­de­roso im­pulso na mi­li­ta­ri­zação da UE. Em vés­pera da Ci­meira da NATO de Var­sóvia e da sua pe­ri­go­sís­sima agenda, esta é uma razão mais para que, amanhã em Lisboa e sá­bado no Porto, o povo por­tu­guês erga a sua voz em de­fesa da Paz e pela dis­so­lução da NATO.




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