Comentário

Combata-se as desigualdades!

João Pimenta Lopes

Ter­minou na pas­sada se­mana a dis­cussão no Par­la­mento Eu­ropeu, que reuniu a Co­missão do Em­prego e dos As­suntos So­ciais e a Co­missão dos Di­reitos da Mu­lher e da Igual­dade de Gé­nero, de um re­la­tório «Sobre a cri­ação de con­di­ções no mer­cado de tra­balho, fa­vo­rá­veis ao equi­lí­brio entre a vida pes­soal e a vida pro­fis­si­onal». Uma rein­venção con­cep­tual do que re­fe­ri­ríamos como o com­bate às de­si­gual­dades so­ciais, às de­si­gual­dades entre ho­mens e mu­lheres, e da ele­vação das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores. Evi­dente em todo o pro­cesso, a sub­ser­vi­ência da so­cial-de­mo­cracia à di­reita. E a re­pro­dução de uma linha ar­gu­men­ta­tiva que, sendo apa­ren­te­mente pró-so­cial e im­buída de va­lores e ob­jec­tivos so­ciais po­si­tivos, che­gando até a pa­recer pro­gres­sista para os mais dis­traídos, acaba na prá­tica por pro­duzir so­lu­ções que abrem portas para a pros­se­cução dos ca­mi­nhos da ex­plo­ração, sem re­solver coisa ne­nhuma.

É pois sem sur­presa que na for­mu­lação final do do­cu­mento se re­pro­duza muito mo­de­radas e té­nues crí­ticas às causas reais das de­si­gual­dades que as­solam e se agravam por toda a União Eu­ro­peia (re­lem­brar que a UE a 28 tem hoje 125 mi­lhões de po­bres, 30 mi­lhões de de­sem­pre­gados, e que a dis­tri­buição da ri­queza é cada vez mais des­pro­por­ci­onal).

Uma das grandes li­mi­ta­ções deste re­la­tório é pre­ci­sa­mente a de­fi­ci­ente re­lação entre uma re­a­li­dade com as suas causas reais. A re­fe­rência ex­plí­cita ao facto de as de­si­gual­dades serem con­sequência di­recta de dé­cadas de po­lí­ticas ne­o­li­be­rais, de aus­te­ri­dade, de em­po­bre­ci­mento e ex­plo­ração, que re­sultam da con­cepção es­tru­tural da União Eu­ro­peia e das po­lí­ticas de di­reita que pa­tro­cina, é ine­xis­tente. Falar-se da ne­ces­si­dade de uma mais justa re­dis­tri­buição da ri­queza, ou a ga­rantia real do acesso pú­blico, gra­tuito e de qua­li­dade a ser­viços é tabu. Tão pouco se per­mite re­fe­rên­cias ao ataque aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores, à pro­moção exa­cer­bada da pre­ca­ri­e­dade e da des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho, ou ao es­ma­ga­mento de sa­lá­rios.

Pro­postas de con­teúdos, entre muitas ou­tras, que o PCP apre­sentou em sede de co­missão e que foram re­jei­tadas (como as li­cenças de ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade pagas a 100%). Ainda assim, na es­qui­zo­frenia ne­go­cial de for­mação final do texto, foi pos­sível in­tro­duzir al­gumas re­fe­rên­cias po­si­tivas. O prin­cípio das 8 horas de tra­balho, 8 horas de lazer, 8 horas de des­canso (ainda que chum­bada uma re­fe­rência às con­sequên­cias para a saúde dos tra­ba­lha­dores a carga ho­rária su­pe­rior a 8 horas). A va­lo­ri­zação da con­tra­tação co­lec­tiva como im­por­tante ins­tru­mento de re­gu­lação das re­la­ções de tra­balho (ainda que es­teja ins­crito no texto uma abor­dagem da «res­pon­sa­bi­li­dade con­junta de tra­ba­lha­dores e em­pre­ga­dores» na de­fi­nição de re­gimes mais «ade­quados» abrindo portas à re­lação igual e di­recta entre tra­ba­lhador e pa­trão).

Me­re­cendo a opo­sição do PCP, per­ma­ne­ceram vá­rias re­fe­rên­cias às abor­da­gens de fle­xi­bi­li­zação das re­la­ções la­bo­rais e de ho­rário, do «tra­balho in­te­li­gente», do «tele-tra­balho», lan­çando o falso en­godo de sendo «sob es­colha do tra­ba­lhador», fa­ci­litar o «equi­lí­brio» entre a vida pes­soal e pro­fis­si­onal. Quando sa­bemos bem que nem sempre esta es­colha é vo­lun­tária e que, mesmo quando o é, na mai­oria dos casos re­sulta na des­re­gu­lação com­pleta e pro­mis­cui­dade entre o tra­balho e o pes­soal, ou em ho­rá­rios «fle­xí­veis» sim, mas em be­ne­fício do pa­trão. A par pros­segue a abor­dagem de la­vagem «so­cial» das po­lí­ticas da União Eu­ro­peia. Seja pela evo­cação do Pilar So­cial Eu­ropeu, agora tão em voga, ou pela in­tro­dução de uma ver­tente so­cial do Se­mestre Eu­ropeu. O ob­jec­tivo sim­ples e claro. Po­lí­ticas da União Eu­ro­peia tra­ves­tidas de so­cial, para pros­se­guir o apro­fun­da­mento da ex­plo­ração, da des­re­gu­lação la­boral e do ataque aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores.

Contra o bran­que­a­mento, os eleitos do PCP con­ti­nu­arão a de­fender o com­bate às de­si­gual­dades de forma séria. Exi­gindo o di­reito a tra­balho com di­reitos, o au­mento de sa­lá­rios, a va­lo­ri­zação da con­tra­tação co­lec­tiva, o fim da pre­ca­ri­e­dade, uma justa dis­tri­buição da ri­queza, a de­fesa dos ser­viços pú­blicos, e do acesso gra­tuito e de qua­li­dade à saúde, à edu­cação, aos ser­viços de pres­tação de cui­dados à in­fância, na do­ença e na ve­lhice, a de­fesa dos di­reitos de ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade. Mas também o acesso e fruição da cul­tura, do des­porto e do lazer. Só assim será pos­sível elevar as con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores, su­pe­rando de­si­gual­dades e a po­breza. Um ca­minho se­gu­ra­mente só pos­sível com a rup­tura com as po­lí­ticas de di­reita e da União Eu­ro­peia.

 



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