Sobre a perigosa tensão na Península da Coreia

Albano Nunes

DE­SAR­MA­MENTO A Co­reia é uma nação di­vi­dida. Desde quando? Porquê? O que im­pede a sua reu­ni­fi­cação? E por que se tornou o es­paço em que vive o povo co­reano, a Pe­nín­sula da Co­reia, o pe­ri­go­sís­simo foco de tensão que nos úl­timos tempos tem sa­cu­dido o mundo?

Po­sição do PCP em re­lação ao pro­blema da Co­reia é muito clara

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Não se trata de ques­tões sim­ples. Se o fossem não se teria cer­ta­mente che­gado à si­tu­ação de agudo con­fronto a que se chegou dei­xando para trás um rasto de des­truição e de morte dos mais trá­gicos que a hu­ma­ni­dade co­nheceu.

Mas para lhes res­ponder é ne­ces­sário romper a den­sís­sima cor­tina de fumo que caiu sobre a ver­dade his­tó­rica e com­bater a cam­panha ma­ni­queísta que sis­te­ma­ti­ca­mente di­a­bo­liza e ca­ri­ca­tura a Re­pú­blica Po­pular De­mo­crá­tica da Co­reia e apre­senta os EUA e os seus mais pró­ximos ali­ados na re­gião, a Co­reia do Sul e o Japão, como im­po­lutos pa­la­dinos do Di­reito e da Se­gu­rança in­ter­na­ci­onal.

A po­sição do PCP em re­lação ao pro­blema da Co­reia é muito clara.

Afir­mando o seu pró­prio pro­grama e pro­jecto para Por­tugal e in­de­pen­den­te­mente de di­fe­renças de opi­nião e di­ver­gên­cias, al­gumas de prin­cípio, in­cluindo quanto a ori­en­ta­ções que em nossa opi­nião se dis­tan­ciam de prin­cí­pios e ca­rac­te­rís­ticas de edi­fi­cação de so­ci­e­dades so­ci­a­listas, o PCP sempre ex­pressou ao Par­tido do Tra­balho da Co­reia e ao povo co­reano (RDP da Co­reia e Co­reia do Sul) a so­li­da­ri­e­dade com a sua luta pela reu­ni­fi­cação in­de­pen­dente e pa­cí­fica da sua pá­tria, contra as ame­aças e agres­sões do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, pela com­pleta re­ti­rada das forças ar­madas dos EUA es­ta­ci­o­nadas na Co­reia do Sul, por uma Pe­nín­sula da Co­reia livre de armas nu­cle­ares.

No seu po­si­ci­o­na­mento po­lí­tico o PCP nunca con­fundiu a exi­gência de so­li­da­ri­e­dade com os co­mu­nistas, ou­tros pa­tri­otas e de­mo­cratas e o povo co­reano com qual­quer iden­ti­fi­cação com o sis­tema so­cial e po­lí­tico norte-co­reano de que pu­bli­ca­mente se dis­tan­ciou em vá­rias oca­siões, sendo no­me­a­da­mente de re­cordar a en­tre­vista de Álvaro Cu­nhal ao Avante! de 01.08.91, de­pois de uma im­por­tante vi­sita ao Ex­tremo Ori­ente em que se en­con­trou com Kim Il Sung.

Em qual­quer caso a questão que está co­lo­cada, e com a maior gra­vi­dade e ur­gência, é a questão da paz na Pe­nín­sula da Co­reia, o que sig­ni­fica também a questão da paz e da se­gu­rança numa vasta área que en­volve a China, a Rússia e o Japão, e com im­pli­ca­ções em toda a re­gião da Ásia-Pa­cí­fico. É esta e não outra a questão cen­tral co­lo­cada às forças que de­fendem a paz e a so­be­rania dos povos e dela não nos dis­trairão nem ata­ques so­ezes que visam atacar o bom nome do PCP (en­vol­vendo des­ca­radas men­tiras como acon­teceu em re­lação à úl­tima Festa do Avante!) nem ma­no­bras de di­versão que, como certas mo­ções na As­sem­bleia da Re­pú­blica com au­to­rias que vão do CDS ao BE, visam cre­di­bi­lizar ou que ob­jec­ti­va­mente bran­queiam as po­si­ções agres­sivas dos EUA, da NATO e da União Eu­ro­peia.

Bár­bara agressão

Na aná­lise da si­tu­ação criada na Pe­nín­sula da Co­reia não pode es­quecer-se que a Co­reia é uma ci­vi­li­zação mi­le­nária, com uma iden­ti­dade cul­tural e na­ci­onal pró­prias, que a partir de 1910 so­freu uma cruel ocu­pação ja­po­nesa que só ter­minou em 1945, após uma he­róica guerra de li­ber­tação di­ri­gida pelos co­mu­nistas co­re­anos e a ren­dição do Japão na II Guerra Mun­dial, fi­cando a Pe­nín­sula di­vi­dida pelo pa­ra­lelo 38 em duas zonas ocu­padas por forças so­vié­ticas e norte-ame­ri­canas.

Mas aquela que de­veria ser uma si­tu­ação pro­vi­sória pro­longou-se in­de­fi­ni­da­mente. A URSS re­tirou as suas tropas em 1947 e no ano se­guinte foi fun­dada a Re­pú­blica Po­pular De­mo­crá­tica da Co­reia (em res­posta à pro­cla­mação uni­la­teral um mês antes da Re­pú­blica da Co­reia), mas os EUA per­ma­ne­ceram no Sul com uma po­de­rosa força mi­litar apoi­ando a di­ta­dura fas­cista de Sygman Rhee, si­tu­ação que se man­teve até hoje. A in­dis­cu­tível le­gi­ti­mi­dade do poder no Norte, di­ri­gido pelas forças que der­ro­taram o co­lo­ni­a­lismo ja­ponês con­tras­tava com o poder im­posto pelos EUA no Sul, si­tu­ação que con­duziu ao de­sen­vol­vi­mento de po­de­rosas lutas po­pu­lares, por vezes com ca­rácter in­sur­re­ci­onal, contra a di­ta­dura e pela saída das tropas es­tran­geiras.

Foi esta com­plexa si­tu­ação que em 25 de Junho de 1950 levou ao de­fla­grar de um con­flito in­terno que de­ge­nerou numa guerra que só ter­minou em 1953. Acu­sando a RPDC de «in­vasão» do Sul e apro­vei­tando a au­sência da URSS no Con­selho de Se­gu­rança (CS) das Na­ções Unidas (em pro­testo contra a ocu­pação do lugar da China na ONU pela di­ta­dura de Chiang Kai-shek da For­mosa), os EUA ins­tru­men­ta­lizam a ONU para in­tervir mi­li­tar­mente na Co­reia apro­vando a re­so­lução 84 do CS. É assim que, sob a ban­deira das Na­ções Unidas, o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano conduz a mais des­trui­dora e mor­tí­fera guerra de agressão até então vista. Cal­cula-se que nela mor­reram mais de quatro mi­lhões de co­re­anos e perto de um mi­lhão de chi­neses (mo­bi­li­zados para im­pedir a pe­ri­gosa apro­xi­mação dos in­va­sores da fron­teira com a China). No Norte, a avi­ação norte-ame­ri­cana bom­bar­deou sis­te­ma­ti­ca­mente ci­dades, vilas e al­deias, des­truiu fá­bricas, es­colas e hos­pi­tais, pontes e vias fér­reas, bar­ra­gens e cul­turas agrí­colas. Pyongyang foi re­du­zida a um monte de es­com­bros. O na­palm, co­nhe­cido apenas no final da II Guerra Mun­dial, foi na Co­reia que co­nheceu a sua pri­meira uti­li­zação sis­te­má­tica a pre­ceder os mons­tru­osos crimes que mais tarde foram pra­ti­cados no Vi­et­name e que en­cheram o mundo de in­dig­nação. Para re­sistir e so­bre­viver o povo co­reano foi obri­gado a or­ga­nizar a vida quo­ti­diana em abrigos sub­ter­râ­neos de es­pan­tosa di­mensão.

Con­texto in­ter­na­ci­onal

Tanto crime e de­vas­tação re­sulta in­com­pre­en­sível se não se tiver em con­si­de­ração a na­tu­reza cri­mi­nosa do im­pe­ri­a­lismo e o con­texto in­ter­na­ci­onal de então. Cinco anos antes os EUA ha­viam lan­çado as bombas ató­micas sobre Hi­roshima e Na­ga­zaki com o ob­jec­tivo de afirmar a sua he­ge­monia no mundo. A «guerra fria» es­tava em marcha, a dou­trina da «con­tenção do co­mu­nismo» ia de vento em popa e a Co­reia tinha fron­teiras com a União So­vié­tica e com a Re­pú­blica Po­pular da China que aca­bava de nascer em 1 de Ou­tubro de 1949 como fruto da grande re­vo­lução chi­nesa. A NATO tinha sido fun­dada no ano an­te­rior e o tra­tado de se­gu­rança nipo-norte-ame­ri­cano es­tava em ela­bo­ração ao mesmo tempo que se re­for­çava a base de Oki­nawa e ou­tras bases mi­li­tares norte-ame­ri­canas no Japão e os EUA apoi­avam em força os co­lo­ni­a­listas fran­ceses na In­do­china na sua in­glória luta contra o po­de­roso mo­vi­mento pa­trió­tico e re­vo­lu­ci­o­nário di­ri­gido por Ho Chi-Minh. Na terra do tio Sam a «caça às bruxas» ma­car­tista avan­çava e Ethel e Jules Ro­sem­berg eram cru­el­mente exe­cu­tados na prisão de Sing Sing em 20 de Junho de 1953.

Não, não se tratou de uma guerra pu­ra­mente «de­fen­siva» como ainda hoje a co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante pro­cura fazer crer. Na Co­reia o im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano apli­cava a sua te­oria da «con­tenção do co­mu­nismo» e ras­gava os ca­mi­nhos da he­ge­monia mun­dial que se pro­punha per­correr, não he­si­tando mesmo em brandir a ameaça de re­petir a uti­li­zação («pre­ven­tiva» claro) da arma nu­clear, um ce­nário que na guerra da Co­reia foi em vá­rios mo­mentos con­si­de­rado e que só não acon­teceu porque a URSS, numa cor­rida contra o tempo que salvou a Hu­ma­ni­dade de uma nova guerra mun­dial ainda mais ter­rível do que as an­te­ri­ores, con­se­guiu dotar-se da arma ató­mica em 1949 e da bomba de hi­dro­génio em 1955 lo­grando al­cançar e as­se­gurar o equi­lí­brio mi­litar es­tra­té­gico com os EUA.

Tal como nos pas­sados anos cin­quenta, também hoje não é pos­sível isolar as ame­aças que pairam sobre a Pe­nín­sula da Co­reia da luta de classes no plano mun­dial no con­texto do agra­va­mento da crise es­tru­tural do ca­pi­ta­lismo e do es­forço dos EUA para deter o de­clínio da sua in­fluência no plano mun­dial. Não é se­pa­rável das agres­sões ao Iraque ou à Líbia, com a des­truição da­queles países; do bom­bar­de­a­mento com mís­seis sobra a Síria onde, aliás, os Es­tados Unidos estão a so­frer uma se­vera der­rota; no lan­ça­mento da «mãe de todas as bombas» sobre o Afe­ga­nistão; do pros­se­gui­mento im­pune da acção cri­mi­nosa do Es­tado de Is­rael nos ter­ri­tó­rios pa­les­ti­ni­anos ocu­pados, país cuja posse da arma ató­mica não in­quieta nada o im­pe­ri­a­lismo; da cor­rida aos ar­ma­mentos nos EUA (o maior or­ça­mento mi­litar de sempre) e na NATO; das ame­aças de in­ter­venção mi­litar na Ve­ne­zuela; do re­forço mi­litar dos EUA no Afe­ga­nistão e no es­pa­lhar de bases mi­li­tares norte-ame­ri­canas por todo o mundo.

A tensão na Co­reia in­sere-se na es­ca­lada mi­li­ta­rista no Pa­cí­fico, onde a par de uma pre­sença cada vez maior das es­qua­dras na­vais dos EUA, que já se atrevem no Mar do Sul da China, se ve­ri­fica um salto em frente pe­ri­go­sís­simo do mi­li­ta­rismo ja­ponês (que ras­gando a sua Cons­ti­tuição pa­ci­fista já re­clama armas nu­cle­ares), se animam os «na­ci­o­na­listas» da For­mosa pro­vo­cando a China, e na Co­reia do Sul se pro­cura der­rotar quais­quer sen­ti­mentos de so­be­rania e de aber­tura ao diá­logo com o Norte e se impõe a ins­ta­lação de um sis­tema anti-míssil que jus­ta­mente in­quieta a Re­pú­blica Po­pular da China. E tudo isto, note-se, pre­tex­tando sempre que a RPDC cons­titui uma ameaça à se­gu­rança na re­gião. É a es­tra­tégia da tensão tão cara ao im­pe­ri­a­lismo, es­tra­tégia que lhe per­mite abater re­sis­tên­cias, avançar po­si­ções e fazer os cho­rudos ne­gó­cios de ar­ma­mentos (como na Arábia Sau­dita e agora na Co­reia do Sul e Japão) que o po­de­roso com­plexo mi­litar-in­dus­trial exige e que ajuda a eco­nomia norte-ame­ri­cana a iludir a sua crise es­tru­tural.

O ar­mis­tício de 1953

De­pois de dois anos de ar­ras­tadas ne­go­ci­a­ções, du­rante as quais, sem re­sul­tado, os EUA tudo fi­zeram para ocupar todo o Norte e fazer ajo­e­lhar o povo norte-co­reano, foi as­si­nado em 27 de Julho de 1953 em Pan­mun­jong o ar­mis­tício que pôs fi­nal­mente fim às ope­ra­ções mi­li­tares mas não ao es­tado téc­nico de guerra que con­ti­nuou até hoje pe­rante a re­cusa dos EUA em as­sinar um acordo de paz. Norte e Sul fi­caram se­pa­rados por uma zona des­mi­li­ta­ri­zada de quatro qui­ló­me­tros ao longo (apro­xi­ma­da­mente) do pa­ra­lelo 38. Mas esta linha de de­mar­cação que de­veria ser de diá­logo e de paz, foi sis­te­ma­ti­ca­mente vi­o­lada. Mul­ti­pli­caram-se as ac­ções de pro­pa­ganda hostil, os voos de es­pi­o­nagem e a vi­o­lação das águas ter­ri­to­riais norte-co­re­anas o que levou ao der­rube de aviões pelas ba­te­rias anti-aé­reas norte-co­re­anas e ao abal­ro­a­mento de na­vios de guerra dos EUA. Pre­tex­tando a «ameaça do Norte» foi cons­truido, de costa a costa e la­de­ando a parte Sul da zona des­mi­li­ta­ri­zada, um muro de que a co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante nunca fala. En­tre­tanto no Sul as mo­bi­li­za­ções pela reu­ni­fi­cação e pela saída das tropas norte-ame­ri­canas de ocu­pação nunca ces­saram. A in­sur­reição de Gwangju de Maio de 1980 contra a di­ta­dura de Chun Doo-huan, afo­gada em sangue, ainda hoje é ce­le­brada como sím­bolo da luta pela de­mo­cracia na Re­pú­blica da Co­reia.

O pro­blema da reu­ni­fi­cação da Co­reia per­ma­neceu du­rante dé­cadas a rei­vin­di­cação pri­meira da RPDC que avançou im­por­tantes pro­postas po­lí­ticas como a da cri­ação de uma «Re­pú­blica De­mo­crá­tica de Koryo» ba­seada no ori­ginal prin­cípio de «uma nação, um Es­tado, dois sis­temas, dois go­vernos», an­te­ci­pando de certo modo a po­lí­tica chi­nesa de «um país dois sis­temas» na base do qual Macau e Hong-Kong se in­te­graram na Re­pú­blica Po­pular da China. A luta pela reu­ni­fi­cação da Co­reia, pela trans­for­mação do ar­mis­tício em acordo de paz, a saída das tropas es­tran­geiras do Sul e a trans­for­mação da Pe­nín­sula da Co­reia numa zona des­nu­cle­a­ri­zada sus­ci­taram um amplo mo­vi­mento in­ter­na­ci­onal de so­li­da­ri­e­dade com o povo co­reano. Em Por­tugal, onde até 1995 a RPDC man­teve uma em­bai­xada, foi criado um am­pla­mente uni­tário Co­mité Por­tu­guês para a Reu­ni­fi­cação Pa­cí­fica da Co­reia de que foi ex­po­ente o ex-Pre­si­dente da Re­pú­blica Ma­re­chal Costa Gomes e, entre muitas ou­tras ma­ni­fes­ta­ções de so­li­da­ri­e­dade, teve lugar uma im­por­tante Con­fe­rência In­ter­na­ci­onal or­ga­ni­zada pelo mo­vi­mento da paz. A Re­vo­lução de Abril cum­priu o seu dever para com o povo co­reano.

Pre­pa­ra­tivos de guerra

A questão do de­sar­ma­mento nu­clear e da trans­for­mação da Pe­nín­sula em zona livre de armas nu­cle­ares ga­nhou pro­gres­si­va­mente uma grande di­mensão. Os EUA ha­viam ins­ta­lado na Co­reia do Sul armas do­tadas de ogivas nu­cle­ares apon­tadas à Co­reia do Norte, que (ofi­ci­al­mente) só foram re­ti­radas em De­zembro de 1991. A RPDC aderiu vo­lun­ta­ri­a­mente ao Tra­tado de Não Pro­li­fe­ração Nu­clear (TNP) em 1985 (ao con­trário por exemplo de Is­rael que nunca o as­sinou). O de­sen­vol­vi­mento do seu pro­grama nu­clear para fins pa­cí­ficos tornou-se ob­jecto das mai­ores sus­peitas por parte do im­pe­ri­a­lismo que, de exi­gência em exi­gência, chega a ame­açar bom­bar­dear a cen­tral nu­clear de Yongbyong. É neste quadro de tensão, e quando na sequência do de­sa­pa­re­ci­mento da URSS e de grandes de­sas­tres na­tu­rais que afec­taram gra­ve­mente a agri­cul­tura ir­rompe uma gra­vís­sima crise ali­mentar na RPDC, que é as­si­nado a 21 de Ou­tubro de 1994 em Ge­nebra um Pro­to­colo de In­ten­ções entre os EUA e a RPDC que previa a pa­ra­li­sação do seu pro­grama nu­clear em troca de cen­trais de água leve (de modo a ga­rantir uma uti­li­zação não mi­litar), ajuda ali­mentar e 500 000 to­ne­ladas de pe­tróleo por ano para com­pensar a pa­ragem da pro­dução nu­clear de energia elé­trica. Este acordo não foi cum­prido pelos EUA e seus ali­ados, vindo mais tarde altos res­pon­sá­veis con­fessar que o que os norte-ame­ri­canos ti­nham em vista era es­tran­gular ener­ge­ti­ca­mente a RPDC.

Este é apenas um exemplo, mas par­ti­cu­lar­mente im­por­tante, de la­bo­ri­osos acordos não cum­pridos, de avanços e re­cuos em múl­ti­plos pro­cessos de ne­go­ci­ação, en­vol­vendo di­rec­ta­mente as duas partes co­re­anas (em que é de re­levar a De­cla­ração con­junta de 15 de Junho de 2000 e a De­cla­ração da Ci­meira de 4 de Ou­tubro do mesmo ano que tor­naram pos­sível o de­sen­vol­vi­mento de re­la­ções hu­manas e eco­nó­micas entre o Sul e o Norte, in­cluindo a cri­ação da zona in­dus­trial de Ka­e­song) ou en­vol­vendo os EUA e a RPDC em pro­mis­sores pro­cessos de de­sa­nu­vi­a­mento como acon­teceu com as ne­go­ci­a­ções a Seis (com a China, Rússia, Co­reia do Sul e Japão), num in­trin­cado pro­cesso em que não é nada fácil dis­cernir as res­pon­sa­bi­li­dades pelo seu rom­pi­mento. Acordos e ne­go­ci­a­ções en­tre­cor­tados por fre­quentes aci­dentes mi­li­tares, pe­ri­gosas ame­aças, picos de tensão muito sé­rios, e múl­ti­plas san­ções contra a RPDC. A RPDC apa­rece in­va­ri­a­vel­mente apon­tada como ame­a­ça­dora para a se­gu­rança re­gi­onal e in­ter­na­ci­onal. Quando Ge­orges Bush pro­clama em 2002 o cé­lebre «eixo do mal», nele in­clui além do Iraque e do Irão, também eles ini­migos a abater, a RPDC, des­truindo de uma pe­nada qual­quer ponta de con­fi­ança que ainda pu­desse haver na pa­lavra dos EUA. E du­rante muito tempo a Co­reia do Norte foi in­cluída pelos EUA na sua lista de es­tados «pro­mo­tores de ter­ro­rismo». Ou­tros acon­te­ci­mentos como as agres­sões ao Iraque, à Líbia (in­va­didos de­pois de des­truírem os seus ar­se­nais de armas não con­ven­ci­o­nais) e à Síria vi­eram ali­mentar ainda mais sé­rias des­con­fi­anças em re­lação às reais in­ten­ções dos EUA. É neste con­texto que a RPDC aban­dona o TNP em 2003 e de­cide dotar-se de um sis­tema de dis­su­asão nu­clear.

En­tre­tanto um facto bem ob­jec­tivo per­siste: os EUA não só não re­ti­raram as suas tropas da Co­reia do Sul como re­for­çaram a sua pre­sença mi­litar na re­gião e tor­naram cada vez mai­ores e mais ame­a­ça­doras as ma­no­bras mi­li­tares con­juntas com a Co­reia do Sul, ma­no­bras que cons­ti­tuem efec­tivos pre­pa­ra­tivos de guerra, tanto mais que Washington nunca ex­cluiu o uso da força mi­litar, in­cluindo a arma nu­clear, para «pre­venir a ameaça» vinda do Norte.

Po­sição do PCP

É neste com­plexo en­qua­dra­mento que a pe­ri­gosa si­tu­ação na Pe­nín­sula co­reana tem de ser con­si­de­rada. Sem isso não será pos­sível ca­mi­nhar para a so­lução po­lí­tica ne­go­ciada que se impõe. Sem isso, que im­plica o re­co­nhe­ci­mento das res­pon­sa­bi­li­dades his­tó­ricas do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, não será pos­sível es­ta­be­lecer o clima de con­fi­ança ne­ces­sário a qual­quer pro­cesso de ne­go­ci­a­ções, o qual passa ne­ces­sa­ri­a­mente não apenas pelo fim das ame­aças, mas por as­se­gurar à RPDC as ga­ran­tias de se­gu­rança exi­gí­veis e pelo de­sen­vol­vi­mento de me­didas para re­duzir a tensão e avançar para a ne­ces­sária so­lução po­lí­tica.

Em 2 de Se­tembro a RPDC testou a arma nu­clear e afirmou estar em con­di­ções de re­ta­liar uma agressão ao seu ter­ri­tório por parte dos EUA. Dia 11 o Con­selho de Se­gu­rança adoptou por una­ni­mi­dade, com o voto da China e da Fe­de­ração Russa, mais um du­rís­simo pa­cote de san­ções com o ob­jec­tivo de di­fi­cultar e levar a RPDC a pres­cindir dos seus pro­gramas nu­clear e ba­lís­tico. A re­so­lução faz re­fe­rên­cias à ne­ces­si­dade de uma de­ses­ca­lada da tensão e pro­nuncia-se por uma so­lução ne­go­ciada. A Rússia e a China estão par­ti­cu­lar­mente em­pe­nhados nela. Mas a au­sência da mí­nima re­fe­rência às res­pon­sa­bi­li­dades dos EUA e mesmo ao sis­tema anti-míssil em ins­ta­lação na Co­reia do Sul não au­gu­rava nada de bom. Como não au­gu­rava a re­acção da RPDC ao in­sistir na re­tó­rica de con­fron­tação e ao en­saiar um novo míssil de longo al­cance, ten­dendo assim a ali­enar ali­ados e a isolar-se pe­ri­go­sa­mente da opi­nião pú­blica in­ter­na­ci­onal e a for­necer ao im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano pre­texto para pros­se­guir na sua es­ca­lada mi­li­ta­rista agres­siva na re­gião e no mundo. De facto acen­tuou-se ainda mais a re­tó­rica be­li­cista, ve­ri­fi­caram-se novas e pe­ri­go­sís­simas mo­vi­men­ta­ções mi­li­tares, e a exi­gência de diá­logo para uma so­lução po­lí­tica tornou-se ainda mais pre­mente.

Quanto ao PCP a sua po­sição é clara: não à pro­li­fe­ração do ar­ma­mento nu­clear, sim a uma Pe­nín­sula da Co­reia livre de armas nu­cle­ares, sim à com­pleta abo­lição da arma nu­clear, não à cor­rida aos ar­ma­mentos, sim ao de­sar­ma­mento geral, si­mul­tâneo e con­tro­lado, sim a um mundo de co­e­xis­tência pa­cí­fica, de co­o­pe­ração e de paz. E, si­mul­ta­ne­a­mente, so­li­da­ri­e­dade com todos os povos que lutam contra as agres­sões do im­pe­ri­a­lismo e pela sua li­ber­tação e so­li­da­ri­e­dade com a luta do povo co­reano para li­bertar a sua terra de forças mi­li­tares es­tran­geiras e pela reu­ni­fi­cação sem in­ge­rên­cias ex­ternas da sua pá­tria mi­lenar.




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