«O capitalismo não é nem será verde»

AM­BI­ENTE «O ca­pi­ta­lismo não é verde. Uma visão al­ter­na­tiva sobre as al­te­ra­ções cli­má­ticas» foi o tema de um se­mi­nário que de­correu na sexta-feira, 13, em Pal­mela, or­ga­ni­zado pelos de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu (PE) e pelo Grupo Con­fe­deral da Es­querda Uni­tária Eu­ro­peia/ Es­querda Verde Nór­dica (GUE/​NGL) do PE. Par­ti­ci­param, a par de ora­dores na­ci­o­nais, re­pre­sen­tantes do Par­tido do Tra­balho da Bél­gica, do AKEL (Chipre) e do Sinn Féin (Ir­landa).

O ca­pi­ta­lismo é res­pon­sável pela de­gra­dação do am­bi­ente

As ques­tões ener­gé­ticas e am­bi­en­tais têm vindo a ga­nhar uma grande re­le­vância na vida dos povos e nas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais. O se­mi­nário em Pal­mela cons­ti­tuiu mais uma opor­tu­ni­dade para as de­bater e ana­lisar, em par­ti­cular as causas dos graves pro­blemas am­bi­en­tais exis­tentes e que «al­guns teimam em mis­ti­ficar e des­ligar da na­tu­reza e do fun­ci­o­na­mento de um sis­tema sócio-eco­nó­mico que se re­vela cada vez mais pre­dador da na­tu­reza e ex­plo­rador do homem», afirmou o Se­cre­tário-geral do PCP, Je­ró­nimo de Sousa, no en­cer­ra­mento da ini­ci­a­tiva.

«Quem co­nhece a nossa in­ter­venção de muitos anos e a nossa pro­lon­gada luta que é comum a ou­tros par­tidos e forças pro­gres­sistas do GUE/​NGL, sabe que não são de hoje as nossas pre­o­cu­pa­ções em re­lação às ques­tões am­bi­en­tais, sabe que temos um vasto pa­tri­mónio de in­ter­venção neste do­mínio e em de­fesa do equi­lí­brio am­bi­ental» e que as ques­tões am­bi­en­tais sempre es­ti­veram pre­sentes na acção do PCP «e em es­treita co­o­pe­ração com os nossos com­pa­nheiros da Co­li­gação De­mo­crá­tica Uni­tária – o Par­tido Eco­lo­gista Os Verdes (PEV)», re­alçou.

Ao longo de anos, o PCP e o PEV apre­sen­taram, entre ou­tras, pro­postas da Lei de Bases do Am­bi­ente e da Lei da Água, «pro­postas que vi­savam a re­dução de re­sí­duos e das em­ba­la­gens su­pér­fluas e o re­forço dos meios do Es­tado na área am­bi­ental, de gestão das áreas pro­te­gidas e de re­cusa de gestão dos re­cursos mi­ne­rais ao sabor dos in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais», lem­brou. Ainda re­cen­te­mente, re­cordou, no sector dos trans­portes e de­pois de muitos anos de pro­posta e de luta, «foi pos­sível avançar na va­lo­ri­zação e alar­ga­mento do passe so­cial e na re­dução dos seus custos», uma me­dida que se traduz «numa im­por­tante con­quista com grande im­pacto na de­fesa do equi­lí­brio am­bi­ental, uma vez que pro­move o trans­porte pú­blico em de­tri­mento de so­lu­ções que apontam para manter o pa­ra­digma do trans­porte in­di­vi­dual».

Je­ró­nimo de Sousa enu­merou as ini­ci­a­tivas do PCP e do PEV nesta ma­téria, «porque há hoje quem se em­pine pela li­de­rança do com­bate às al­te­ra­ções cli­má­ticas e ao mesmo tempo omita, pactue e mis­ti­fique a origem da de­gra­dação am­bi­ental que o mundo en­frenta – o ca­pi­ta­lismo».

Face aos pro­blemas am­bi­en­tais graves exis­tentes, o Se­cre­tário-geral do PCP de­nun­ciou que «os cen­tros de de­cisão do ca­pital res­pondem com a im­ple­men­tação de me­ca­nismos que visam aplicar o ca­pi­ta­lismo à na­tu­reza, numa ten­ta­tiva de apre­sentar o ca­pi­ta­lismo como sis­tema na­tural». E mais: «Lançam ope­ra­ções de pro­pa­ganda que servem para es­conder que estes me­ca­nismos co­locam a ca­pa­ci­dade da Terra de re­ci­clar car­bono nas mãos das mesmas cor­po­ra­ções que estão a de­la­pidar re­cursos e a de­gradar o am­bi­ente, es­con­dendo que estes me­ca­nismos não fun­ci­onam, que visam apenas a ob­tenção de lucro, a acu­mu­lação de ri­queza e o apro­fun­da­mento das de­si­gual­dades».

Je­ró­nimo de Sousa disse que a luta contra a mer­can­ti­li­zação da na­tu­reza passa pela de­núncia e o com­bate às cam­pa­nhas de con­di­ci­o­na­mento ide­o­ló­gico que pre­tendem apagar res­pon­sa­bi­li­dades do sis­tema de pro­dução ca­pi­ta­lista na de­gra­dação am­bi­ental, de­nun­ci­ando as suas con­tra­di­ções. E re­a­firmou que «o ca­pi­ta­lismo não é nem será verde», como con­vic­ta­mente apon­taram os par­ti­ci­pantes no se­mi­nário.

União Eu­ro­peia não é
amiga do am­bi­ente

Sandra Pe­reira, de­pu­tada do PCP no PE, ques­ti­onou se a União Eu­ro­peia (UE) é amiga do am­bi­ente e, a se­guir, de­mons­trou que não. Os es­cân­dalos de em­presas mul­ti­na­ci­o­nais que vi­olam a le­gis­lação sobre o meio am­bi­ente e a in­ca­pa­ci­dade de Bru­xelas tomar as de­ci­sões ne­ces­sá­rias para o com­bate às al­te­ra­ções cli­má­ticas e às dra­má­ticas con­sequên­cias dos pro­blemas am­bi­en­tais para os povos «com­provam a cli­vagem entre as pa­la­vras e as in­ten­ções da UE e os actos e as prá­ticas», ga­rantiu a de­pu­tada co­mu­nista.

E exem­pli­ficou: os acordos co­mer­ciais, cujas ne­go­ci­a­ções «têm evi­den­ciado o ali­nha­mento da UE com os in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais»; a PAC (Po­lí­tica Agrí­cola Eu­ro­peia), que «em vez de pro­mover o mo­delo de pro­dução ex­ten­siva, com­pa­tível com a pre­ser­vação da bi­o­di­ver­si­dade nas zonas ru­rais, pri­vi­legia modos de pro­dução in­ten­siva, de cariz ex­por­tador, ori­en­tada para ali­mentar a in­dús­tria agro-pe­cuária das grandes po­tên­cias eu­ro­peias; o de­sen­vol­vi­mento re­gi­onal, que «mais não passa de uma mi­ragem que se re­flecte na falta de po­lí­ticas que con­tri­buam re­al­mente para o de­sen­vol­vi­mento re­gi­onal e rural»; as po­lí­ticas de trans­portes («uma UE amiga do am­bi­ente teria de pro­mover po­lí­ticas de trans­portes para a va­lo­ri­zação do trans­porte pú­blico em re­lação ao trans­porte par­ti­cular como al­ter­na­tiva eco­ló­gica, sus­ten­tável e so­ci­al­mente justa»); e o mi­li­ta­rismo («a UE di­rige cada vez mais verbas para gastos mi­li­tares em nome da ar­ti­cu­lação com a NATO ou na pers­pec­tiva de um exér­cito eu­ropeu», verbas essas que po­de­riam ser ca­na­li­zadas para po­lí­ticas am­bi­en­tais).

Para Vla­di­miro Vale, da Co­missão Po­lí­tica do PCP, «os cen­tros de de­cisão do ca­pital há muito que per­ce­beram que a causa da pro­tecção am­bi­ental for­nece aos ca­pi­ta­listas novas opor­tu­ni­dades de ne­gó­cios, pelo que estão in­sis­ten­te­mente a tentar – não sem su­cesso – trans­formar o pe­rigo em van­tagem».

Deu exem­plos que o de­mons­tram: «Basta ana­lisar a pro­pa­ganda das ins­ti­tui­ções da UE, que elegeu o com­bate às al­te­ra­ções cli­má­ticas como um dos pi­lares de uma cam­panha de bran­que­a­mento da sua na­tu­reza para tentar apro­fundar me­didas ne­o­li­be­rais mas­ca­radas de eco­lo­gistas». En­fa­tizou que «a ge­ne­ra­li­dade das forças po­lí­ticas re­produz acri­ti­ca­mente a pro­pa­ganda ins­ti­tu­ci­onal do PE no que diz res­peito às al­te­ra­ções cli­má­ticas, sem fazer a ne­ces­sária crí­tica aos me­ca­nismos que o ca­pital quer im­ple­mentar a pro­pó­sito dos pro­blemas am­bi­en­tais». E, sendo os pro­blemas am­bi­en­tais, cri­ados pelo modo de pro­dução ca­pi­ta­lista, «reais e graves», acres­centou que, «face à maior dis­puta eco­nó­mica, po­lí­tica e es­tra­té­gica entre po­tên­cias e face à fi­ni­tude de re­cursos, o ca­pital tudo faz para apro­veitar estes pro­blemas para apro­fundar os me­ca­nismos de ex­plo­ração e de acu­mu­lação de ri­queza».

Para o PCP, in­sistiu, é fun­da­mental que, pe­rante os pro­blemas am­bi­en­tais cri­ados pelo modo de pro­dução ca­pi­ta­lista, não se le­gi­timem me­ca­nismos de mer­can­ti­li­zação da Na­tu­reza, não se apa­guem as res­pon­sa­bi­li­dades do ca­pi­ta­lismo na de­gra­dação da Na­tu­reza, não se fa­vo­reçam pro­cessos de tipo co­lo­nial e «não se trans­firam custos para as ca­madas em­po­bre­cidas e para os povos do mundo».

Tentar pintar de verde
o ca­pi­ta­lismo…

João Fer­reira, do Co­mité Cen­tral do PCP e de­pu­tado no PE, ex­plicou que no ca­pi­ta­lismo «a busca in­ces­sante de lucro es­ti­mula o con­sumo de­sen­freado», re­a­li­dade que tende «a co­locar a cha­mada “so­ci­e­dade de con­sumo”, a so­ci­e­dade ca­pi­ta­lista, em con­fronto com os li­mites fí­sicos do pla­neta». Isto apesar de, con­tra­di­to­ri­a­mente, «fi­carem por sa­tis­fazer as ne­ces­si­dades de mi­lhões de seres hu­manos, mesmo as mais bá­sicas», o que sig­ni­fica «a con­de­nação moral de um sis­tema que con­juga a anar­quia de pro­dução, a ex­plo­ração do homem e a agressão am­bi­ental».

Previu que é noutra forma de or­ga­ni­zação da so­ci­e­dade, no so­ci­a­lismo, «livre da pressão que a acu­mu­lação ca­pi­ta­lista gera sobre o pla­neta e sobre os seus re­cursos, que me­lhor se po­derá es­ta­be­lecer uma re­lação har­mo­niosa e sus­ten­tável entre o Homem e a Na­tu­reza». É neste quadro «que os pro­blemas am­bi­en­tais que a Hu­ma­ni­dade en­frenta me­lhor po­derão ser equa­ci­o­nados e re­sol­vidos».

O de­pu­tado do PCP no PE cri­ticou, na UE, no pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu, a abor­dagem às ques­tões am­bi­en­tais e, em par­ti­cular, a abor­dagem à pro­ble­má­tica das al­te­ra­ções cli­má­ticas, que «é feita de molde a per­ma­nen­te­mente tentar pintar de verde o ca­pi­ta­lismo», sendo «as pias pre­o­cu­pa­ções am­bi­en­tais», quase sempre, antes de mais, «um bom pre­texto para o ne­gócio».

Quatro pro­postas con­cretas para atacar o pro­blema das al­te­ra­ções cli­má­ticas foram apre­sen­tadas por João Fer­reira: abor­dagem nor­ma­tiva em vez da abor­dagem de mer­cado; mo­di­fi­cação das po­lí­ticas agrí­colas e co­mer­ciais vi­gentes; alar­ga­mento e gra­tui­ti­dade dos trans­portes pú­blicos; con­trolo pú­blico do sector ener­gé­tico. Quatro pro­postas «que per­mi­ti­riam con­se­guir uma re­dução das emis­sões de gases com efeito de es­tufa (com origem nas ac­ti­vi­dades hu­manas) para a at­mos­fera ter­restre», além de ou­tros efeitos po­si­tivos sobre o am­bi­ente, a eco­nomia e a so­ci­e­dade. Quatro pro­postas que, no en­tanto, chocam de frente com as po­lí­ticas da UE e com as suas ori­en­ta­ções sec­to­riais. Razão pela qual, con­si­derou, «no ime­diato, a luta em de­fesa da Na­tu­reza, do pla­neta e dos seus re­cursos, como a luta pelo di­reito ao de­sen­vol­vi­mento – dois ob­jec­tivos que não são con­tra­di­tó­rios, antes com­ple­men­tares – exigem um con­fronto com as po­lí­ticas e ori­en­ta­ções da UE».

He­loísa Apo­lónia, de­pu­tada do PEV na As­sem­bleia da Re­pú­blica, acen­tuou que a de­fesa da Na­tu­reza e do am­bi­ente não é, para Os Verdes, uma questão de moda. E acusou certos par­tidos – como PSD, PS e CDS – de ins­crever com des­taque nos pro­gramas elei­to­rais as ques­tões am­bi­en­tais, quando pouco fi­zeram por elas nas suas pas­sa­gens pelo go­verno. Foi uma au­tên­tica «pin­tura de verde» a que pro­ce­deram tais par­tidos, de­pois de terem afas­tado re­cursos hu­manos do in­te­rior, des­po­vo­ando-o, e ata­cado a agri­cul­tura, em par­ti­cular a agri­cul­tura fa­mi­liar, en­fra­que­cendo o mundo rural. Cen­surou as ac­tuais po­lí­ticas agrí­colas que in­cen­tivam no Alen­tejo as cul­turas super-in­ten­sivas de olival e amen­doal, que po­luem terra, água e ar. «Cui­dado, pois, com os dis­cursos muito eco­lo­gistas de certos par­tidos», avisou.

A de­pu­tada do PEV de­fendeu que ser eco­lo­gista é ser anti-ca­pi­ta­lista, elencou o tra­balho de­sen­vol­vido pelo seu par­tido, na área dos trans­portes («a so­lução não é mudar os carros que con­somem com­bus­tí­veis fós­seis por carros eléc­tricos, a so­lução é in­vestir na fer­rovia, na re­dução dos preços dos trans­portes pú­blicos, numa rede de trans­portes pú­blicos») e da sal­va­guarda da flo­resta.

Mo­de­rado por Ângelo Alves, da Co­missão Po­lí­tica do PCP, o se­mi­nário em Pal­mela contou com in­ter­ven­ções de con­vi­dados de três par­tidos eu­ro­peus – Jos D’Haese, líder par­la­mentar do Par­tido do Tra­balho da Bél­gica, Ch­ris­tina Ni­ko­laou, res­pon­sável do De­par­ta­mento do Am­bi­ente do Co­mité Cen­tral do AKEL (Chipre), e Du­royan Hans Fertl, con­sultor po­lí­tico do Sinn Féin (Ir­landa).

Simão Ca­lixto, da Co­missão Po­lí­tica da Di­recção Na­ci­onal da JCP; Paula Santos, de­pu­tada do PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica; Álvaro Amaro, pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal de Pal­mela; Al­fredo Campos, di­ri­gente da Con­fe­de­ração Na­ci­onal de Agri­cul­tura (CNA); Rui Sal­gado, fí­sico e me­te­o­ro­lo­gista; e Sérgio Le­andro, bió­logo ma­rinho, con­tri­buíram também, com as suas in­ter­ven­ções, para a con­fir­mação de que o ca­pi­ta­lismo não é nem será verde.