EM FOCO

Resposta ao «Expresso»


O número de deputados
não deve ser reduzido


P
or Carlos Brito


O «Expresso» parece ter encontrado uma nova causa: o extermínio de cadeiras em S.Bento. Referimo-nos, é claro, à paixão com que o semanário de Pinto Balsemão está a pronunciar-se a favor da redução do número de deputados da Assembleia da República.


O director-adjunto, José António Lima, assinou, na edição de 19 de Abril, uma peça de página inteira intitulada «E não se pode diminuir o número de deputados?», com o propósito declarado de polemizar com as posições contrárias à redução assumidas pelo constitucionalista Jorge Miranda, pela direcção do PCP e por alguns dirigentes socialistas.

A tese que sustentou é a de que «nem os círculos uninominais nem a redução significativa das cadeiras em S.Bento afectariam a proporcionalidade ou a eficácia do sistema eleitoral».

Na edição de 3 de Maio, em resposta a algumas breves observações feitas por mim, na página «Actual» do «Avante!», para contestar a sua peça, José António Lima voltou à carga nestes termos:«É preciso diminuir o número de deputados? Parece óbvio que sim, quando se sabe que cerca de uma centena de almas pouco ou nada fazem em S.Bento.» E acrescentou: «Que tipo de argumentos, deste ou doutro mundo, pode justificar a sua manutenção?!»

Vamos, então, pacientemente aos argumentos para mostrar que esta fúria exterminadora de cadeiras de S.Bento, de que o «Expresso» parece possuído, não é nada vantajosa para a Assembleia, não seria favorável ao país e assenta, além do mais, em contas fantasiosas.


O sofisma de um tal
«círculo nacional»

As contas do «Expresso» consistem em exercícios feitos sobre o resultado das eleições para a Assembleia da República de 1 de Outrubro de 1995, o que é desde logo contestável. Conclusões da gravidade das que o «Expresso» pretende extrair nunca podiam basear-se no resultado de uma só eleição.

O primeiro exercício pretende demonstrar que mesmo com uma redução para 130 deputados a proporcionalidade não seria muito atingida e os dois partidos parlamentares de menor representação, o PP e o PCP (CDU), não seriam muito prejudicados. Mas o PCP ficaria apenas com 9 deputados e o PP apenas com 6 o que afectaria profundamente a capacidade de participação na vida da Assembleia dos respectivos grupos parlamentares.

É então que o «Expresso» intervém com o seu primeiro sofisma, assim: «Mas a simples criação de um círculo nacional de 20 deputados - já previsto aliás na actual Constituição - não só permitiria compensar essas distorções como até aperfeiçoar a correspondência entre as percentagens de votos e de deputados de cada partido.» O número de deputados depois deste golpe de prestidigitação passaria para 150.

Esclareça-se, entretanto, que a Constituição actual admite a possibilidade de a lei criar um círculo eleitoral nacional, mas não diz absolutamente nada, nem sobre o número de mandatos, nem sobre qualquer outra característica deste círculo.

Ora o círculo nacional de que o «Expresso» nos fala é verdadeiramente misericordioso e miraculoso para os partidos de menor representação parlamentar. Repare-se neste milagre: havendo uma redução de 80 deputados, o círculo nacional dava tais compensações que o PP ficava com os mesmos deputados que tem actualmente e o PCP(CDU) só perderia um; as grandes perdas resultantes da redução seriam no fundamental suportadas pelo PS que perderia 44 lugares e pelo PSD que perderia 35! Num círculo nacional de 20 deputados, o PS só elegeria 4 e o PSD 2!

É caso para dizer: ó bom José António Lima, acha você que o PS e o PSD seriam capazes de um tal altruismo?!

Com seu círculo nacional não haveria realmente prejuizo para o PCP e o PP. Mas esse tal círculo nacional é que não existe senão na sua cabeça. E como você sabe isso, não queira deitar poeira nos olhos dos incautos.

A experiência real que temos da redução do número de deputados foi a resultante da revisão constitucional de 1989. Ora ela representou para o PCP um prejuízo de 16% da sua representação, enquanto para o PS foi de 8% e para o PSD, na altura o maior partido parlamentar, de apenas 6 %.


Artifícios e verdadeiros objectivos

O «Expresso» é também, pois claro, um estrénuo defensor dos círculos uninominais. Alega, que mesmo com essa solução, não há razões para temer o perigo da subversão da proporcionalidade eleitoral.

Para nos descansar arranja uma projecção, desta vez reduzindo o número de deputados para 166, sendo 81 eleitos em círculos uninominais, 81 em círculos de compensação regionais, mais os 4 deputados da emigração.

O que as contas do «Expresso» mostram logo é que nos 81 círculos uninominais que arranjou, todos os lugares seriam repartidos entre o PS e o PSD, 53 para o primeiro e 23 para o segundo, PCP e PP não elegeriam nada. É claro que este resultado não serve a tese do «Expresso» e por isso este puxa ao máximo pelos círculos de compensação regionais, em número de 8 e correspondendo a futuras regiões administrativas, para dar 12 deputados ao PCP e 11 ao PP e para gabar-se a seguir de que estes partidos não perderiam em percentagem de deputados em relação ao que têm actualmente.

Só que no acordo PS-PSD de revisão da Constituição, que o «Expresso» invoca para os seus exercícios, está admitida a criação de círculos uninominais, mas não está admitida a sua dependência nem da criação das regiões administrativas, nem da existência de círculos de compensação regionais, tal e qual como o acordo que admite a redução do número de deputados não está dependente da criação de um círculo nacional de recuperação de restos.

A única coisa que o «Expresso» demonstra é que se o objectivo fosse garantir e até melhorar a proporcionalidade na conversão dos votos em mandatos isso não seria difícil, com mais ou menos deputados e até com diferentes sistemas.

Mas o «Expresso» sabe muito bem que não é esse objectivo que têm em vista os partidos - PS e PSD - e outras entidades que se batem pela redução do número de deputados ou pela criação dos círculos uninominais. O que têm em vista é que os dois partidos com maior votação obtenham mais lugares com menos votos, tornando mais fácil a obtenção da maioria absoluta (ou da «maioria de governo»), ora de um ora de outro, na Assembleia. Isto só se consegue, é bom de ver, prejudicando a proporcionalidade e reduzindo forçadamente o peso e o número de lugares dos partidos com menor representação, especialmente do PCP.

Esta é que é a questão. As artificiosas contas do «Expresso» têm assim que ser tomadas como uma operação de preparação dos espíritos para aceitação das alterações à legislação eleitoral que estão a ser tramadas com aqueles objectivos.


Argumentos deste mundo

Ao contrário do que José António Lima julga poder dar por adquirido são numerosas as razões, além da proporcionalidade, que militam contra a redução do número de deputados. Refiram-se entre outras as que se prendem com a representação partidária, a representação regional e a própria representatividade da Assembleia da República.

Quanto à representação partidária, a redução do número de deputados conduziria, como as próprias contas do «Expresso» mostram, logo que expurgadas das fantasias, a que os partidos de menor representação ficassem com grupos parlamentares tão reduzidos que deixariam de ter possibilidade de dar resposta nas diversas frentes de trabalho da Assembleia, nomeadamente nas comissões especializadas permanentes onde ele fundamentalmente se desenvolve (e não no plenário como julga o «Expresso»). O número destas comissões pela sua própria natureza não pode ser muito menor. A redução do número de deputados redundaria assim na monopolização dos traballhos parlamentares pelos dois maiores partidos - PS e PSD.

Além disso, se o acesso de novos partidos à Assembleia já é difícil tornar-se-ia com a redução praticamente impossível. Ora, como alertou o Prof. Jorge Miranda, «Portugal é um dos países europeus com menor número de partidos parlamentares».

Quanto à representação regional, os dados do «Expresso» mostram que todo o interior e os Açores ficariam tão escassamente representados que o autor do peça sentiu necessidade de se justificar dizendo: «são distritos com uma fraca densidade populacional». Isto é, como têm fraca densidade populacional abandonam-se!

Pois deve o «Expresso» ficar a saber que deputados que não se distinguem por outros méritos são muitas vezes os melhores elementos de ligação às regiões e os que fazem ouvir os problemas destas nos grupos parlamentares respectivos e nas próprias comissões permanentes.

Quanto à representatividade da Assembleia: é preciso dizer que sendo ela «a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses», como diz a Constituição, novas reduções do número de deputados comportam o risco de ir aumentando o número de cidadãos que não se revêem na sua composição, o que contribui para os fenómenos de alheamento da vida política, para o crescimento da abstenção e a crise das instituições que outros países conhecem e que no nosso começa a sentir-se.

Aqui chegamos à questão da relação entre os eleitos e a população. Comecemos por corrigir José António Lima: segundo os dados disponíveis, a Bélgica tem uma câmara com 212 eleitos e um senado com 182. A Holanda tem realmente uma 2ª câmara com 150 eleitos, mas tem também uma 1ª com 75.

Esclarecido isto, insistamos que Portugal está, nos os países da União Europeia da nossa dimensão, entre os que têm um menor número de parlamentares em relação à população: 1 deputado por cada 43.040 habitantes. Na Bélgica é 1 por 25.380; na Dinamarca, 1 por 29.050; na Áustria, 1 por 31.710; na Suécia, 1 por 24.930; na Irlanda, 1 por 31.710; na Grécia, 1 por 34.000; na Filândia, 1 por 25.000. Apenas a Holanda, que tem bastante mais população que Portugal, nos fica atrás, com 1 por 68.000 habitantes.

É então uma evidência que Portugal, com apenas uma câmara, não tem um número exagerado de deputados, podia até ter alguns mais para se aproximar da proporção dos outros países que citámos e das necessidades que atrás referimos. Não deixa de ser curioso que o «Expresso» não refira o número dos actuais membros do Governo e da sua legião de acessores, esse sim verdadeiramente exagerado.

O problema da Assembleia da República e da incapaciadade que tem revelado para vencer o preconceito antiparlamentar que as forças conservadoras difundem na sociedade portuguesa, não tem que ver com o número de deputados, mas sim com as políticas que tem sancionado.

Impostas pelas sucessivas maiorias e pelos sucessivos governos, estas políticas orientadas para proteger os grandes interesses capitalistas, restaurar os seus privilégios e aprofundar as desigualdades sociais não podiam trazer popularidade à Assembleia.

A redução do número de deputados que o «Expresso» defende, com a fúria e os artíficios que observámos, tornaria a Assembleia uma presa ainda mais fácil da governamentalização e conduziria à consolidação do rotativismo dos dois partidos solidariamente responsáveis por aquelas políticas, como a experiência presente tão bem ilustra.