Chantagem e demagogia
Tão escandalosa como a chantagem do PS é a demagogia do PSD e mais ainda a algazarra de injúrias que se dirigem em público para, como dois rufiões, fingirem que se degladiam, enquanto traficam novos cambalachos e acordos por baixo da mesa.
O Governo entrou em pânico ao ser derrotado, na
Assembleia da República, na votação na generalidade de vários
projectos de lei de partidos da oposição que estabelecem o
aumento dos meios financeiros para as autarquias locais.
A reacção do primeiro-ministro, António Guterres, e de outras figuras gradas do PS, sobressaltando o país, em dias sucessivos, com a ameaça de demissão do Governo e de eleições antecipadas, pôs em evidência tanto a ligeireza e a irresponsabilidade, como a arrogância e a fanfarronice, que caracterizam crescentemente o comportamento governamental.
Do lado do PS já houve um reconhecimento implícito de que as ameaças eram «bluf» e chantagem de um governo minoritário para intimidar as oposições e impedir que juntem os votos numa matéria que corresponde a profundos anseios das autarquias e das populações e numa altura muito propícia, por ser ano de eleições autárquicas.
Os ataques do PS ao PSD, que durante a sua longa permanência no poder se distinguiu pelos sucessivos esbulhos às finanças das autarquias e que agora pretende demagogicamente apresentar-se como campeão das mesmas, visam a tentativa de um novo negócio entre os dois partidos, como fizeram em relação à regionalização e à revisão da Constituição e há muito acontece nas privatizações, na política comunitária e noutros aspectos essenciais da política de direita que ambos impõe ao país. Desta vez o objectivo será «legalizar» o incumprimento da lei das finanças locais.
Tão escandalosa como a chantagem do PS é a demagogia do PSD e mais ainda a algazarra de injúrias que se dirigem em público para, como dois rufiões, fingirem que se degladiam, enquanto traficam novos cambalachos e acordos por baixo da mesa.
A isto está sujeito o país!
A Comissão Política do PCP comentou com acutilância, no comunicado apresentado por Francisco Lopes, na conferência de imprensa, da passada segunda-feira, a duplicidade comum ao dois partidos, nestes termos:
«O PSD procura fazer esquecer que quando no governo não cumpriu a lei das finanças locais, esbulhando as autarquias de centenas de milhões de contos.
O PS procura fazer esquecer que quando na oposição, prometeu duplicar as receitas do FEF para as autarquias locais, compromisso a que agora procura fugir.»
A matéria da finanças locais que está em apreço na
Assembleia da República é da maior importância para as
autarquias, para as populações e para o desenvolvimento do
país.
A experiência de vinte e dois anos de Poder Local atesta a sua especial vocação para o investimento e, na maioria dos casos, a rentabilidade superior dos dinheiros públicos que lhe são confiados.
Apesar disto, a história da lei das finanças locais é uma crónica negra de sucessivo e grosseiro incumprimento por parte dos governos, o que se tem traduzido no esbulho de centenas de milhões de contos aos autarquias.
Parecia estarem agora reunidas as condições para corrigir esta tão grave e prolongada injustiça, que tanto lesa o interesse nacional. Todos os partidos proclamavam esse objectivo e o PS não só o anunciava como tinha assumido, nas eleições que o levaram ao governo, o compromisso de duplicar a receitas das autarquias.
Ao iniciar-se há dias o novo processo na Assembleia da República, o PCP sublinhou, pela voz do deputado Luís Sá, o objectivo fundamental do seu projecto lei e de toda a sua intervenção, assim: «A elaboração da lei deve constituir uma oportunidade para adoptar um regime que rompa decisivamente com a actual desproporção na partilha dos recursos do Estado e que se traduza num reforço significativo e substancial dos meios financeiros postos à disposição do Poder Local.»
Os comunistas também apontaram duas condições básicas para o êxito da tarefa: a elaboração da lei decorrer «em estreita cooperação com os eleitos autárquicos»; o trabalho árduo na especialidade, após a aprovação de todos os projectos na generalidade, para se encontrarem os consensos possíveis, especificando desde logo a sua discordância com soluções dos projectos do PSD e do CDS.
Foi este entendimento que assustou o PS, que se excluiu dele e se entregou à dramatização e à chantagem já referidas, com o primeiro-ministro e outros ministros a ameaçarem com a auto-demissão do Governo e as eleições antecipadas, ao mesmo tempo que traziam público a proposta de lei governamental, que acabou por explicar tudo.
O Governo PS não quer, como a sua proposta de lei demonstra, aumentar de modo efectivo os meios financeiros das autarquias, só se acompanhados ou até antecedidos de novas obrigações e competências.
Assim defrauda o PS mais uma das suas promessas eleitorais.
As contas governamentais começam por partir de um FEF
de apenas mais 12 milhões de contos do que o que está a vigorar
no ano corrente e de menos 120 milhões de contos do que
aconteceria se a lei das finanças locais estivesse a ser
cumprida.
Com um ponto de partida tão baixo cerca de metade dos municípios receberiam menos do que recebem actualmente, se a proposta de lei não dispusesse de uma clausula que exclui essa possibilidade, mas mesmo assim para 130 municípios o aumento seria de 0 a 3 por cento e para mais 92 o aumento seria de 3 a 10 por cento. Isto é, 70 por cento dos municípios receberiam aumentos inferiores a 10 por cento.
A proposta de lei do PS não é outra coisa senão a tentativa de «legalização» do incumprimento da lei das finanças locais ainda em vigor.
Quanto ao projecto do PSD anote-se que, apesar da sua demagógica postura actual de campeão das finanças das autarquias para fazer esquecer o procedimento de carrasco quando era governo, não moderou gula em relação aos dinheiros públicos que lhe ficou dos tempos de regabofe governamental.
Assim, o projecto laranja estabelece aumentos médios de 49,99 por cento para as autarquias do PSD, de 47,06 para as autarquias do PP, de 35,85 para as autarquias do PS e, finalmente, de 29,60 para as autarquias da CDU.
Aqui está a prova dos vergonhosos critérios discriminatórios que o PSD persiste em usar.
Bastariam estes critérios discriminatórios, se outras fortes razões não houvesse, e há, para que o PCP e o PEV não viabilizassem na especialidade o projecto do PSD ou qualquer lei que com ele se parecesse.
Não se percebe, assim, a insistência do primeiro-ministro em agitar o fantasma da aprovação do projecto do PSD, como voltou a fazer, na passada terça-feira, no encerramento das jornadas parlamentares do PS, nos Açores.
Confirma-se, então, que Guterres prossegue outros objectivos com essa retórica, como sejam o bloqueamento de qualquer aumento significativo dos meios financeiros das autarquias locais e a diversão da opinião pública em relação aos mais graves problemas país, onde sobressaem o desemprego em massa e o ruinoso e escandaloso processo de privatizações.
No que respeita às finanças locais, impõe-se dizer ao PS «que assuma as suas responsabilidades e cumpra as promessas eleitorais que fez. Pela sua parte, o PCP não aceita, nem teme chantagens quaisquer que elas sejam», como claramente afirmou a sua Comissão Política, na referida «Nota», de 2 de Junho.