Autarcas do Alentejo exigem a declaração
do estado de calamidade pública
Depois da tragédia,
solidariedade e críticas


Por Carlos Pereira



Doze mortos, dezenas de feridos, centenas de famílias desalojadas e, numa avaliação ainda incompleta, milhões de contos de prejuízos - tal é o balanço do temporal que assolou o Alentejo na noite de quarta-feira, dia 5. As zonas mais atingidas foram as de Beja, Mértola, Aljustrel, Ourique, Castro Verde e Odemira, no distrito de Beja, e Mourão, no distrito de Évora, mas houve estragos em 28 concelhos de toda a região.
Enquanto se socorre as vítimas, se procede às primeiras limpezas e reparações e se inventaria os danos, o país mobiliza-se numa campanha de solidariedade e os autarcas exigem ao Governo maiores e mais céleres apoios e a declaração de estado de calamidade pública nas áreas afectadas.

Chuvas torrenciais e ventos fortes provocaram na quarta-feira, em poucas horas, uma autêntica catástrofe no Alentejo, causando mortes e feridos e deixando um rasto de destruição em vários concelhos. Registaram-se 12 vítimas mortais em Ourique (6, em Garvão, Funcheira e Santana da Serra), em Aljustrel (4, em Carregueiro), em Moura (1, em Sobral d'Adiça) e em Serpa (1, na estrada entre Serpa e Brinches), além de mais de meia centena de feridos.

Mas o temporal, que desabou entre as 18 e as 24 horas, período em que se verificaram elevadas precipitações, como por exemplo em Beja, onde choveu mais de 100 litros por metro quadrado -, causou também inundações, incluindo de muitas habitações, o desmoronamento de casas, o derrube de árvores e postes, o corte de estradas e caminhos, a destruição de pontes e pontões, a interrupção das comunicações telefónicas e do abastecimento de energia eléctrica e de água, o arrastamento de viaturas, o alagamento dos campos de culturas, a morte de centenas de cabeças de gado e outros gravíssimos danos materiais, ainda não calculados.


Trabalho ininterrupto

Desde o primeiro momento da tragédia, autarcas e trabalhadores das câmaras municipais e das juntas de freguesia, bombeiros voluntários, elementos da GNR e da PSP e populares foram incansáveis na luta contra a intempérie, ajudando os feridos, procurando limitar os estragos, salvando o que era possível, realojando provisoriamente os desalojados e, no caso da Funcheira, retirando os passageiros de um comboio intercidades, travado pela chuva, e encaminhando-os para os seus destinos. Outros meios, designadamente aéreos, só mais tarde chegaram e alguns círculos - em especial o presidente da Câmara de Ourique - criticaram a (des)coordenação distrital da Protecção Civil, dependente do Governo Civil de Beja, pelo atraso da resposta a uma situação de pluviosidade anormal, aliás prevista pelos técnicos da meteorologia, que resultou em catástrofe.
Logo no dia seguinte à tragédia, quinta-feira, as autarquias iniciaram acções de inventariação e minimização dos estragos, havendo serviços municipais que, em cooperação com os bombeiros locais e outras entidades, têm desde então trabalhado ininterruptamente na limpeza e desobstrução das vias de comunicações e na recolha, selecção e distribuição de alimentos e vestuário.

Uma colaboração frutífera por exemplo no concelho de Beja, onde o Município solicitou, no âmbito da Protecção Civil, a intervenção de uma unidade da Engenharia Militar no sentido de restabelecer a ligação rodoviária entre a Estrada Nacional 391 e a aldeia de Quintos, estando também no terreno, com homens e máquinas, o Regimento de Infantaria de Beja e a Base Aérea de Beja.
A Câmara Municipal já tinha efectuado, na segunda-feira à tarde, um levantamento, no concelho de Beja, dos estragos registados em propriedades particulares, nomeadamente casas, mobílias, electrodomésticos, roupas, explorações agrícolas, pecuárias e Industriais. Segundo o presidente Carreira Marques, só os prejuízos em habitações ascendem a mais de 120 mil contos e em recheios de casas a cerca de 100 mil contos. O balanço provisório dos estragos causados pela tromba de água em infra-estruturas e equipamentos municipais (caminhos, estradas, pontes e pontões, redes pluviais, calçadas, aquedutos, muros, limpezas diversas, etc.) nas principais zonas afectadas - Quintos, Salvada, Cabeça Gorda, Albernoa, Porto Peles, Baleizão, Trindade e Beja - totaliza mais 150 mil contos.
Assim, e apesar de não estarem quantificados todos os danos, nomeadamente em unidades agro-pecuárias e industriais, nem os que se referem a equipamentos dependentes da Junta Autónoma de Estradas e do Ministério do Ambiente, o primeiro balanço no concelho de Beja aponta para prejuízos superiores a meio milhão de contos. Daí que o presidente da Câmara, Carreira Marques, entenda que «é de todo adequada a declaração de calamidade pública nas zonas afectadas».

Outros autarcas alentejanos já se pronunciaram no mesmo sentido mais apoios e medidas mais céleres da parte do Governo - e criticaram o facto de o Governo estar a anunciar «aos bochechos» as ajudas para a região. Primeiro, o ministro da Administração Interna anunciou 100 mil contos para as famílias atingidas e, dois dias depois, o Governo disponibilizou um milhão de contos para a reparação de obras públicas. Mais tarde, na terça-feira, divulgou um pacote de medidas, com mais de 100 mil contos e linhas de crédito bonificado para apoio à construção de habitação.


Poucos apoios e a conta-gotas

Estas verbas e medidas são manifestamente insuficientes, consideram os autarcas alentejanos, que criticam o facto de o Governo se recusar a declarar o estado de calamidade pública e hesitar em fazê-lo no que diz respeito à situação agrícola. Só no concelho de Odemira, fortemente fustigado pelo temporal - embora nestes dias de dor as câmaras de televisão se virem prioritariamente para outras paragens, em busca de espectáculo - a Câmara calcula, se bem que provisoriamente, que haja prejuízos na ordem de 1milhão e 300 mil contos. Em Mértola, em Ourique, em Aljustrel, só o realojamento das famílias que ficaram sem habitação pode ascender a várias centenas de milhares de contos. Noutros concelhos há igualmente danos elevadíssimos. «O Governo ainda não se apercebeu da dimensão do problema e é por isso que está a dar ajudas aos bochechos», diz Manuel Camacho, vereador da Câmara de Aljustrel e presidente da Associação de Municípios do Distrito de Beja (AMDB). «O Governo deve encarar o problema de forma global e definir apoios proporcionais à gravidade dos prejuízos», defende o autarca.

Além das medidas postas em prática em cada concelho, os autarcas alentejanos estão já a coordenar esforços no sentido de encontrar as respostas mais eficazes para a situação de autêntica calamidade existente em várias zonas. Já depois do fecho desta edição, estava prevista para Aljustrel, na quarta-feira, uma reunião de municípios convocado pela AMDB, que convidou também as suas congéneres de Évora, do Litoral Alentejano e do Algarve. O ministro do Equipamento e da Administração do Território, João Cravinho, manifestou interesse em que dois secretários de Estado e representantes da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo e da Direcção de Estradas participassem na reunião.

Entretanto, logo a partir de quinta-feira passada e nos dias seguintes uma delegação do Partido Comunista Português constituída por José Soeiro, da Comissão Política, António Vitória, do Comité Central e coordenador da DORBE, e Rodeia Machado, da DORBE e deputado - visitou as áreas mais atingidas pelo temporal, inteirando-se da situação junto dos autarcas locais e das populações.

Poucas horas após a catástrofe, o Organismo lnter-Regional do Alentejo (OIRA) do PCP, que suspendeu todas as iniciativas da campanha eleitoral previstas para esse dia, emitiu um comunicado manifestando o pesar e a solidariedade dos comunistas às famílias enlutadas e a todos os que viram destruídos os seus haveres. Desde logo o OIRA reclamou das entidades responsáveis - Governo e Protecção Civil - «as medidas necessárias e urgentes que permitam minimizar, sem burocracias paralisantes, os avultados prejuízos sofridos por todas as vítimas do temporal, bem como disponibilizar de imediato para as autarquias locais meios extraordinários por forma a que estas possam responder às solicitações que a situação criada lhes coloca».


Onda de solidariedade

Por iniciativa da Casa do Alentejo, em Lisboa, e da Associação de Municípios do Distrito de Beja, estão a ser recolhidos e distribuídos nas áreas sinistrados, às vítimas do temporal da noite de 5 de Novembro, donativos. De todo o País chegam a Beja, ao Quartel dos Bombeiros Voluntários, vestuário, outras roupas, alimentos, pequenos electrodomésticos, mobiliário e brinquedos, que a AMDB se encarrega depois de fazer chegar às câmaras municipais e às juntas de freguesia.

Até terça-feira à tarde, já tinham seguido de Lisboa para o distrito de Beja 27 camiões com roupa, três dos quais directamente para Garvão, três para Serpa e um para Aljustrel. Várias empresas privadas contribuíram com águas minerais, produtos de limpeza e higiene, leite, azeite e óleo e colchões, entre outros produtos.

Estão também em curso mais iniciativas de solidariedade para com as vítimas das fortes chuvadas e inundações no Alentejo, iniciativas essas da responsabilidade da Cruz Vermelha Portuguesa, do Episcopado de Beja, da Santa Casa de Misericórdia de Beja, do Lions Clube de Beja, de clubes desportivos e de grupos de cidadãos.
Toda esta onda de solidariedade, importantíssima para minimizar os efeitos da catástrofe, não pode fazer esquecer que cabe ao Governo a principal responsabilidade no apoio às famílias das vítimas, aos desalojados e aos que perderam os seus haveres, bem como no apoio às autarquias alentejanas, as quais estão por enquanto a suportar a resolução dos problemas.


«Avante!» Nº 1250 - 13.Novembro.97