«E no entanto - move-se!»


Com esta frase reafirmou Galileu perante o Tribunal da Inquisição a sua convicção científica de que é a Terra que se move em torno do Sol e não o inverso, como dizia a Bíblia.
A frase de Galileu é hoje aplicável aos movimentos da sociedade contemporânea. Ao contrário do que afirmam os dogmas das Bíblias anti- históricas das forças dominantes, os seus respectivos tribunais de inquisição ou os contentismos retóricos post-eleitorais de tipo guterrista que agitam os seus defensores - o movimento das forças sociais motrizes não se detêm, mesmo quando não seja aparente nem imediatamente visível.


As leis das ciências sociais não são mecanicamente determinadas, como numa engrenagem de relógio ou num sistema solar. Para a sua verificação não basta só o sentido de observação e a elaboração teórica de um Galileu. É essencial um outro factor: ter em conta a acção humana, com múltiplas e diversas possibilidades de comportamento. Ou seja: a luta social, política, ideológica.
Se hoje todos reconhecem na frase de Galileu um facto básico do conhecimento científico, dificuldades e obstáculos no caminho para uma expressão mais provavelmente exacta da realidade do mundo objectivo são mais particularmente assinaláveis em ciências como a economia, a sociologia, a política onde mais facilmente sobrevivem fanatismos e obscurantismos. Não só pela sua natureza e desenvolvimento histórico, como porque respondem a questões e conteúdos directamente relacionados com interesses contraditórios de diferentes classes, grupos, e até individualidades - com as suas próprias expressões sociais.
Esse é, precisamente, o campo da nossa acção, para trazer à prática as teorias da transformação social num sentido progressista - isto é: que melhor responda às necessidades, aos anseios e à mais plena realização do potencial de capacidades existentes nos seres humanos no seu conjunto.


Apesar das dificuldades dos tempos actuais, as mobilizações populares, as lutas e movimentações reivindicativas, cívicas, regionais e sectoriais que nos últimos meses ganharam expressivo relevo (função pública, mineiros, estudantes, agricultores, populações - não devidamente reflectidas em geral nos grandes meios de informação) demonstram que na sociedade portuguesa há reais forças em movimento, com um potencial determinante para a necessária alteração na correlação de forças.
«No entanto - move-se!» - podemos pois afirmar, como Galileu. Conclusão fundamental para qualquer balanço de fim de ano que se queira fazer, como manda a tradição.
Mas para além de balanços a curto e médio prazo, bom será inseri-los numa perspectiva mais larga, aberta, luminosa. E para isso não será descabido apelar ao apoio da poesia:


Para nós o passado e o presente
são futuro no qual o povo pega
Com as suas mão de luz incandescente
que aquece que deslumbra mas não cega

Para nós não há tempo. O tempo é vento
soprando ano após ano sobre a história
que para nós é vida e não memória.(*)


Aurélio Santos

(*) Extracto do poema «NA PASSAGEM DE UM ANO» de José Carlos Ary dos Santos


«Avante!» Nº 1256 - 24.Dezembro.97