Proposta
de salário mínimo
não garante «vida decente»
Ao fundamentar a recusa das hipóteses avançadas segunda-feira pelo Governo, a CGTP-IN põe mais uma vez em evidência o importante papel do salário mínimo nacional, que devia ser um meio de valorização do trabalho e de combate à pobreza e às desigualdades.
Na reunião do
Conselho Permanente de Concertação Social, estiveram em
análise três hipóteses, avançadas num relatório que o
Governo enviou aos parceiros sociais nas vésperas da passagem de
ano. Os valores indicados para o salário mínimo em 1999
situam-se entre 60800 e 61600 escudos, o que representa, no
máximo, um aumento de 4,4 por cento.
A CGTP recusou tais valores e reafirmou a sua proposta de
fixação do ordenado mínimo em 62500 escudos.
«Apesar de não estar fixado o valor do salário mínimo, este
relatório indicia que se pretende tornar ainda mais restritiva a
política salarial, no que respeita aos trabalhadores de mais
baixos salários, o que terá efeitos negativos no agravamento
das desigualdades salariais e na pobreza», afirma a central, na
análise do relatório governamental.
É alvo de crítica o facto de o Governo «nem sequer colocar a
hipótese de um acompanhamento do salário mínimo em relação
à evolução da produtividade». Por outro lado, «não é
realista manter» o referencial de inflação de 2 por cento,
protesta a CGTP, lembrando que em 1998 «a inflação está nos
2,8 por cento e a previsão comunitária (naturalmente com
valores fornecidos pelo Governo português) é de 2,4 por
cento».
Baseando-se nos dados do relatório, a CGTP defende que, além de
ser justo, é possível proceder a uma actualização do salário
mínimo para valores superiores: o Governo prevê para 1999 um
crescimento que poderá atingir os 4 por cento e um aumento da
produtividade que poderá atingir 3,4 por cento. Se o salário
mínimo acompanhar o crescimento da produtividade, não tendo em
conta outros factores, o aumento será de 62316$00 (2,4% de
inflação mais 3,4%). A este valor deve acrescer «alguma
revalorização, tendo em conta a evolução passada», reclama a
central.
Menos «decente»
Analisando a evolução desde 1986, a CGTP conclui que se verificou «um crescimento real do salário mínimo muito fraco» e que foi constantemente inferior à variação da produtividade. Houve também «um distanciamento muito acentuado do salário mínimo face ao salário médio».
Esta relação entre
o salário mínimo e o salário médio de base degradou-se de
1986 a 1996, tendência que terá continuado em 1997 e 1998.
«Isto significa que o princípio consensuado na concertação
social em 1991, segundo o qual o salário mínimo deveria crescer
acima do salário médio, continua a não ser cumprido pelo
Governo», denuncia a Intersindical Nacional.
A comparação com o salário médio é mais desfavorável se for
feita com base no ganho (que engloba outras componentes
além do salário de base). O relatório do Governo mostra que o
salário mínimo representava apenas 44 por cento do ganho
médio, em 1996 (quando era de 49,4 por cento em 1991).
A Inter salienta que «esta relação é muito importante,
porque é utilizada para aferir o grau de eficácia e a justiça
social na fixação do salário mínimo» e «para avaliar em que
medida uma dada sociedade assegura um salário que garante um nível
de vida decente», conceito que está consagrado na União
Europeia (na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais
dos Trabalhadores) e em instituições internacionais como o
Conselho da Europa (na Carta Social). «O Conselho da Europa
interpretou mesmo o conceito de "nível de vida
decente", dizendo que os salários não devem ser inferiores
a 68 por cento do salário médio nacional», precisa a CGTP.
Considerando que «a abordagem das questões da pobreza e das
desigualdades salariais feita no relatório governamental é no
mínimo surpreendente», a CGTP interpreta como «uma intenção
clara de minimização do salário mínimo» a afirmação ali
contida de que o salário mínimo «pode diminuir a pobreza e
reduzir as desigualdades da distribuição do rendimento nas
famílias com activos empregados, sendo no entanto o seu impacto
limitado nas famílias pobres sem nenhum membro empregado».
A «um Governo que tanto se diz preocupado com a extensão da pobreza» a central sindical recorda que «os vários estudos e inquéritos realizados mostram que os baixos salários constituem uma das principais causas da pobreza». A CGTP considera que «não faz qualquer sentido separar a acção contra a exclusão social - sobre a qual existe um consenso na sociedade no sentido de que deve ser combatida - da acção contra o agravamento das desigualdades, da luta pelo emprego e por um nível sociavelmente razoável (decente, no sentido acima utilizado)» e que «não há verdadeiros direitos de cidadania se não houver direito ao trabalho e se este não for suficientemente remunerado».
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Evolução económica e do salário mínimo nacional
1986/90 |
1991/95 |
1996/98 |
|
PIB | 5,0% |
1,6% |
3,9% |
Variação real do SMN | 0,8% |
0,6% |
1,5% |
Produtividade | 3,0% |
1,4% |
2,3% |
SMN/salário base | 60,8% |
53,9% |
52,0%* |
Fonte: CGTP-IN, a partir de
dados oficiais. *Dados de 1996.