Isto anda tudo ligado


Está o País em polvorosa efervescência por efeito de múltiplas e diversificadas ocorrências. O governo do PS, embalado na aplicação obsessiva da política de direita herdada do governo anterior, parece ter entrado, ou estar em vias de entrar, numa espécie de rampa do impossível retorno. Na política praticada pelo executivo chefiado pelo engenheiro Guterres, forma e conteúdo constituem, cada vez mais, um todo inseparável. Nem poderia ser doutra maneira. Como aqui tem sido sublinhado não é possivel separar a essência de uma política, o seu conteúdo de classe, dos métodos utilizados na sua aplicação e, naturalmente, do leque de consequências dessa aplicação. Assim, uma política que tem como principais beneficiários os grandes grupos económicos e financeiros é, necessariamente, uma política gravosa para os que trabalham e vivem do seu trabalho. E o facto de os beneficiados constituirem uma escassa minoria da população portuguesa e os prejudicados uma imensa maioria, confere a essa política um elevado grau de injustiça. Ora uma política essencialmente injusta é, por isso mesmo, geradora de muitos outros atropelos democráticos (muitas vezes praticados em nome da democracia). Tal política tende também, inevitávelmente, a estimular práticas e situações semelhantes às que, no momento actual, constituem todos os dias notícias do dia.

O caso da Universidade Moderna é paradigmático dos tempos que vivemos. Tudo indicando que aquilo que se conhece não representa mais do que uma pequenina ponta de um gigantesco icebergue, e sendo legítimo presumir que a rede de envolvimentos no caso venha a revelar-se muito mais ampla e a provocar surpresas aos distraídos de profissão, a verdade é que o que é conhecido é suficiente para despertar preocupações e suscitar interrogações que exigem medidas e respostas imediatas. O esclarecimento completo de todo o caso apresenta-se hoje como uma necessidade incontornável, imperiosa e urgente.
Dizem-nos os jornais que, mal o caso foi ventilado, logo houve quem tudo fizesse para o abafar, envolvendo-o num espesso manto de silêncio. Um relatório do SIS, que o ministro Jorge Coelho dizia não existir, aparece publicado numa revista. Um eventual segundo relatório - que o ministro diz ter recebido - associa a Universidade Moderna a operações de branqueamento de capitais e atribui-lhe ligações ao grupo colombiano Santo Domingo, alvo de investigações internacionais relacionadas designadamente com tráfico de droga. Em directa ligação com todo este caso, ocorre, entretanto, a até agora não suficientemente esclarecida demissão forçada do Director Geral da Polícia Judiciária.

Se tudo isto, e muito mais que tem vindo a lume sem desmentidos, corresponde à verdade, estamos perante uma situação extremamente grave e que impôe total esclarecimento, sejam quais forem as consequências dessa clarificação, nomeadamente no que toca a todas as pessoas envolvidas no caso.
No tom afirmativo e peremptório que o caracteriza, o Ministro da Administração Interna afirmou que «as manobras de diversão e as cortinas de fumo, com mais carta menos carta, em nada vão afectar a investigação de fenómenos como branqueamentos de capitais, terrorismo, contrabando de armas e tráfico de droga». E garante que as investigações à Universidade Moderna «são para levar até ao fim», «doa a quem doer».
Será assim? A interrogação é legítima na medida em que, como a experiência nos ensina, as garantias dadas pelo ministro Jorge Coelho soam muito àquelas frases-tipo a que é uso recorrer-se nestas circunstâncias e que, descodificadas, significam exactamente o contrário do que dizem. Aguardemos, pois. E sublinhemos a urgência do indispensável esclarecimento.

Tanto mais que, infelizmente, a confusão reinante não se esgota no caso da Universidade Moderna. Muitos outros escândalos, injustiças e atropelos democráticos rebentaram ou ameaçam rebentar e todos eles decorrentes da política e da prática do governo do PS. Veiga Simão, que em tempos foi ministro de Salazar e agora é de Guterres, seguindo um natural instinto, mandou investigar «movimentações de almirantes e generais». A sindicância à Junta Autónoma das Estradas que, segundo nos fora prometido, iria «esclarecer tudo até ao fim», parece direccionada para esclarecer apenas uma parte de tudo. O buraco de 70 milhões de contos aberto na Expo-98, porque teria ficado aquém do que se esperava, é-nos apresentado como uma glória e um êxito assinalável. E se a isto juntarmos a ofensa e a humilhação a que foram sujeitos os militares de Abril e a «conclusão», que muitos querem ver generalizada, de que o fascismo salazarista foi um regime com conteúdo profundamente democrático - então há que perguntar ao Primeiro Ministro se continua a ver nos resultados da sua política e da sua governação sinais de «recuperaçã da nossa auto-estima e do nosso orgulho nacional». É claro que essas afirmações foram feitas no tempo em que o engenheiro Guterres falava... porque no que toca às graves ocorrências acima referidas, o Primeiro Ministro achou por bem ausentar a sua voz para parte incerta e remeter-se a um imprudente silêncio.

Acresce que a política de direita não é só isto: é também, e de que maneira, a continuação do favorecimento dos interesses do grande capital que nunca, depois do 25 de Abril, teve tanto poder como tem agora; é também a continuação do processo de privatizações, delapidador de bens que são de todos nós e gerador de desemprego e de piores e mais caros serviços; é também o agravamento das injustiças sociais; é também e sempre o ataque a importantes direitos e conquistas dos trabalhadores portugueses, o sinistro pacote laboral que faz as delícias do grande patronato e a que os trabalhadores portugueses têm vindo a dar a justa e necessária resposta.
Mas como acima se disse, são óbvias as relações entre esta política profundamente injusta para quem trabalha e casos como o da Universidade Moderna e outros semelhantes. A demonstrar e confirmar, ao fim e ao cabo, que isto anda tudo ligado.


«Avante!» Nº 1321 - 25.Março.1999