México
95 por cento a favor dos índios


Três milhões de pessoas participaram no referendo informal sobre os direitos das comunidades índias organizado pelos zapatistas. O resultado foi claro: 95 por cento manifestaram-se a favor. Esta iniciativa mostra que os mexicanos querem que o Governo respeite os Acordos de San Andrés, como o primeiro passo a dar no caminho para a paz.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) promoveu no domingo uma consulta popular para chamar a atenção sobre os direitos e culturas indígenas, revitalizar o movimento, trazer novos adeptos à causa e instar o Governo e o Congresso a uma mudança de atitude em relação ao conflito de Chiapas.
De acordo com o jornal mexicano «A Jornada», 95 por cento dos votantes disseram «sim» às quatro perguntas apresentadas. Os resultados finais só serão conhecidos hoje, quinta-feira, mas à hora do fecho da nossa edição já estavam contabilizados mais de 860 mil boletins dos quase três milhões de pessoas que participaram na iniciativa.
A primeira pergunta questionava se os povos indígenas deveriam «ser incluídos com toda a sua força e riqueza no projecto nacional e formar parte activa da resconstrução do novo México», enquanto a segunda perguntava se «os direitos indígenas devem ser incorporados na Constituição nacional de acordo com os Acordos de San Andrés e a proposta correspondente da Comissão de Concordia e Pacificação do Congresso da União».
A terceira referia-se à desmilitarização de Chiapas e a quarta pretendia saber se a população quer que o governo «mande obedecendo».
Cinco mil activistas mobilizaram-se e nove mil mesas foram instaladas no distrito federal e em 31 estados para receber as respostas às quatro questões apresentadas. Todos os mexicanos com mais de 12 anos podiam participar neste referendo informal, dirigindo-se aos locais assinalados nas ruas e lugares públicos mais concorridos.

Participação civil

Os organizadores consideram a iniciativa um êxito e vêem os resultados como uma «clara resposta para a paz». Nas palavras do dirigente do EZLN Alexander, a consulta efectuou-se «graças à boa vontade da sociedade civil», que usou os seus próprios recursos para o financiar, promover e implementar: «Isto é algo inédito, porque nasce da sociedade civil». «Agradecemos a vontade do povo», acrescentou.
Numa conferência de imprensa a que assistiram representantes de organizações civis de partidos, os delegados zapatistas anunciaram que os resultados do referendo vão ser analisados nas suas comunidades e depois disso será enviada uma proposta ao Congresso.
Alexander considera que as declarações do Governo de Ernesto Zedillo desqualificando o referendo mostram que este está contra a solução pacífica para a questão de Chiapas. Para este indígena das comunidades de base do EZLN, a iniciativa revela a vontade dos mexicanos verem o Governo a «descer do seu pedestal de soberba».
Máximo, outro representante zapatista, denunciou as provocações e intimidações que os participantes e promotores do evento sofreram em alguns estados por parte de paramilitares, soldados, polícias e grupos ligados ao PRI (o partido no poder), e chamou a atenção para o perigo de possíveis actos de repressão contra os apoiantes da consulta particularmente em aldeias e pequenas comunidades.
Durante os quatro meses que precederam a iniciativa, numerosos zapatistas, sempre encapuçados, contestaram a política do Governo, assistiram a debates, promoveram jogos de futebol, tomaram pequenos-almoços com políticos e empresários e percorram praias, instando à participação.

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Manifestação contra medidas económicas

Cerca de 100 mil pessoas desfilaram pelas ruas da Cidade do México na noite de quinta-feira, numa manifestação contra as medidas económicas apresentadas pelo Governo. No protesto participaram estudantes, sindicalistas, trabalhadores, dirigentes políticos de esquerda, activistas zapatistas e populares, que responderam aos apelos da Frente nacional de Resistência Contra a Privatização da Energia Eléctrica.
Esta é uma das principais medidas do pacote proposto por Ernesto Zedillo, apresentado como uma forma de modernizar o sector, responder às exigências do crescimento macroeconómico previsto e trazer novos fundos. O Sindicato Mexicano dos Electricistas teme um importante corte nos quadros do pessoal, se a intenção do governo for levada a cabo.
Os motivos de protesto multiplicavam-se à medida que desfilava um novo grupo: os estudantes manifestaram-se contra o aumento do preço das matrículas das universidades, os electricistas contra a privatização do sector e o Partido da Revolução Democrática (PRD) contra a suposta fraude eleitoral nas eleições no distrito de Guerrero, enquanto os delegados do Exército Zapatista de Libertação Nacional, envergando passamontanhas, exigiam a aplicação dos Acordos de San Andrés.
«Zedillo, entende, a pátria não se vende!», gritavam os manifestantes. Numa camioneta, um boneco representando o antigo presidente Carlos Salinas, promotor durante o seu mandato do processo de privatizações, era vexado. Um participante carregou uma cruz de madeira de 60 quilos, representando o sofrimento dos mais de 70 mil trabalhadores do sector eléctrico desde o anúncio das privatizações.
Durante a iniciativa, o líder do Sindicato dos Electricistas advetiu o Governo, os empresários nacionais e os investidores estrangeiros que «a pátria não tem preço e a Constituição do país não se vende».


«Avante!» Nº 1321 - 25.Março.1999