Entrevista com Ilda Figueiredo

«Precisamos de mais força
para defender os interesses nacionais»


Ilda Figueiredo Ilda Figueiredo, de 50 anos, nasceu em Troviscal, Oliveira do Bairro, distrito de Aveiro, onde passou parte da sua juventude. Mais tarde muda-se para Chaves, quando o pai, até então camponês, arranjou um emprego como fiel de armazém nessa cidade. Aos 19 anos casa-se e vai para Vila Nova de Gaia, onde permanece até hoje, então iniciando o curso de economia na Faculdade do Porto e simultaneamente dando aulas como professora primária. Quando em 1973 termina a licenciatura em economia, já os seus dois filhos mais velhos eram nascidos. O terceiro nasce depois do 25 de Abril.
Hoje, Ilda Figueiredo encabeça a lista da CDU às eleições de 13 de Junho para o Parlamento Europeu.


Quando despertaste para a política?

Provavelmente na infância, quando conheci no Troviscal Arlindo Vicente, então candidato da oposição às eleições.
Mais tarde, em Aveiro, fiz parte da Juventude Operária Católica, tendo ocasião de conhecer de perto a profunda exploração de que eram vítimas algumas raparigas trabalhadoras que connosco participavam na JOC, o que nos levou a procurar formas de luta contra essa exploração. Costumo dizer, aliás, que começou aí a minha grande aprendizagem política.

Essa aprendizagem continuou no PCP?

Sim. É na continuação dos mesmos ideais de solidariedade com os explorados e de luta contra a injustiça social e a exploração que, em 1974, aderi ao PCP. Já professora na Escola Comercial Oliveira Martins, a cujo Conselho Directivo pertencia, fiquei a militar no sector dos professores, integrando a direcção do sector intelectual do Porto. Entretanto, comecei a dar alguma colaboração no Sindicato Têxtil do Porto onde, em 1977, passei a trabalhar a tempo inteiro, como técnica sindical.
Em 1979, quando fui para a Assembleia da República, estava já muito ligada aos trabalhadores e às importantes lutas que nessa época se desenvolveram no Porto.
Ainda hoje é frequente encontrar trabalhadores, sobretudo mulheres dos têxteis que participaram em algumas dessas lutas. Lembro-me das lutas da Cifa, da Jacinto, da Abel Alves Figueiredo, enfim, tantas onde elas tiveram um papel muito importante.

Quanto tempo permaneceste na Assembleia da República?

Até 1991, embora com alguns intervalos, uma vez que, em 1982, fui eleita vereadora na Câmara de Vila Nova de Gaia, onde permaneci sete anos com a responsabilidade pelo pelouro do ambiente e jardins. Durante esse tempo, acumulei a actividade de vereadora com a de deputada na Assembleia da República. Em 1990, a maioria absoluta do Partido Socialista retirou-me o pelouro que detinha há sete anos - e onde, entretanto, se tinha realizado um importante trabalho -, levando-me a sair da Câmara e a ficar só na Assembleia da República.

É, a seguir, que apareces como candidata à Câmara do Porto?

Sim. Em 1993 fui eleita vereadora à Câmara do Porto e recandidatei-me em 1997. O trabalho realizado pela CDU ao longo do mandato levou, então, a que a votação da CDU na cidade tivesse subido de 7,2 para 11,2 por cento.
No primeiro ano de mandato, tive a meu cargo o pelouro da saúde e sanidade e era simultaneamente membro do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados da Água e Saneamento do Porto (SMAS). Entretanto, o presidente Fernando Gomes decidiu retirar-me o pelouro, com o argumento de eu ter votado contra uma proposta da Câmara. Ora, a verdade é que tinha ficado decidido entre nós (até porque o PS tinha maioria absoluta e não precisava do meu voto para nada), que eu me reservava o direito de votar de acordo com os princípios que a CDU defendia na gestão da cidade. Provavelmente, o que se passou foi que a actividade da CDU começava a notar-se. Isto, para além do Presidente estar mal habituado e ter dificuldade em coexistir com alguém que mantém a sua independência política.

Apesar disso continuaste na Câmara?

É claro que a partir daí procuraram o meu isolamento mas não conseguiram, pois continuei a receber semanalmente as pessoas no meu gabinete da Câmara e sempre estive disponível para fazer as visitas que os moradores e as instituições me solicitavam, que são muitas.
Apesar de ser a única vereadora da CDU, e de o PS ter maioria absoluta, ainda a semana passada foram aprovadas duas propostas importantíssimas que resultaram de visitas feitas a pedido dos moradores. Uma delas, com grande repercussão na comunicação social, diz respeito aos Guindais, uma zona lindíssima - uma escarpa do Douro na entrada da cidade - que há dois anos o Presidente da Câmara prometeu transformar num parque. Só que a promessa foi pura e simplesmente esquecida e a zona constitui hoje uma autêntica lixeira. Os moradores pediram o meu apoio e a CDU apresentou uma proposta, agora aprovada, no sentido de avançar com o parque e a recuperação da escarpa.
A outra, refere-se à adjudicação por 58 mil contos da conclusão de uma rua na freguesia de Paranhos - a rua Nova do Tronco -, também resultado de uma proposta da CDU.
São dois dos muitos exemplos concretos que a cidade conhece da intervenção da CDU e que leva os cidadãos a considerar a importância da nossa participação mesmo em minoria.


A sociedade penaliza a maternidade

Como vês o papel das mulheres na política?

Há bocado tive oportunidade de referir o papel das mulheres, sobretudo desde o 25 de Abril, primeiro nas conquistas que se lhe seguiram, depois na sua consolidação e, por fim, na luta contra a perda dessas conquistas.
Por exemplo, no período muito conturbado do pós 25 de Abril, pude acompanhar de perto a luta das operárias têxteis, primeiro pelo emprego, contra o encerramento das empresas e o seu o abandono por parte dos patrões e, depois, por melhores salários, por melhores condições de trabalho, pela diminuição do horário de trabalho, contra as discriminações salariais, pela defesa dos seus direitos específicos como mães. O seu grande empenhamento e unidade na luta - embora, às vezes, tendo de ultrapassar grandes dificuldades -, é uma característica que registei.
Ainda hoje, na cidade do Porto, em geral, quem mais me procura para levantar os problemas de habitação, de urbanismo, de falta de saneamento, são as mulheres.

Não terá a ver com o facto de seres mulher?

É possível que também conte mas fundamentalmente o que se passa é que elas sentem mais de perto os problemas que se prendem com a família, pois sobre a mulher ainda recai a maior parte das responsabilidades da família e da casa.

Ilda Figueiredo

Onde falha, então, a participação das mulheres?

Falha, e muito, numa fase seguinte, na participação política.
Às vezes procura-se associar a falta de participação da mulher na Assembleia da República ou no Parlamento Europeu, com o facto de nesses cargos ela ter que estar muito tempo afastada de casa e da família mas, nas autarquias, essa justificação não colhe, pois é aí que elas vivem e trabalham.
A justificação é outra e tem a ver com duas razões fundamentais. Uma, sem dúvida, a sobrecarga de trabalho e responsabilidades que não lhes deixa tempo nem para elas próprias. Às vezes oiço-as dizer que até gostavam «se tivessem tempo»... O pior é que não têm.
Mas há uma outra razão, de ordem cultural, que resulta de toda uma política de subalternidade que vivemos durante séculos e está inculcada nos próprios partidos políticos.
Se é verdade que a revolução de Abril fez em pouco tempo em Portugal aquilo que nalguns países demorou dezenas de anos - mudando rapidamente mentalidades, consagrando pela primeira vez na Constituição de 1976 o estatuto de igualdade de direitos e oportunidades - também é verdade que, depois, se verificou alguma recuperação da mentalidade capitalista que sempre procurou desvalorizar o papel da mulher e os seus direitos, usando-a embora como mão-de-obra barata quando necessário. E, pese embora todo um conjunto de loas que se apregoam à maternidade, a verdade é que ela é altamente penalizada na nossa sociedade.
Esta situação é mais real do que parece. Tanto no emprego como na participação política. Porque, para além das suas reais dificuldades, muitas vezes são os próprios partidos que decidem por elas, não lhes colocando a questão ou colocando-lha em termos que a levam a não aceitar.

A proposta das quotas resolve o problema?

É óbvio que não. As quotas são uma falsa solução, pois não resolvem a sobrecarga de trabalho e a efectiva falta de apoio à família e à maternidade, nem o problema das mentalidades. Através das quotas, apenas um número muito restrito de mulheres teria condições para as preencher.
Neste campo, sem dúvida que o PCP e a CDU têm dado um exemplo positivo sendo a força política com a maior percentagem de mulheres na AR - 26% nas últimas eleições - e em cargos autárquicos, onde tem a maior representação em termos nacionais. No entanto, é evidente que ainda há que reforçar essa participação.
Mas a quota dos 25 por cento que o PS propôs - apenas para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu e não para as autarquias, nem para o Governo, nem para cargos superiores da administração pública, o que não entendo - poderia também gerar uma grande desconfiança às mulheres que estão na política: a de que estariam aí não pela capacidade de desempenhar o cargo mas porque os homens lhes teriam feito o favor de as incluir na quota.
Para além de que as quotas não assegurariam o exercício efectivo dos cargos, pois já vi casos de partidos que elegeram mulheres nas listas mas rapidamente as substituíram por homens.

Qual é, então, para ti a alternativa?

A alternativa passa por um verdadeiro plano de promoção da igualdade, nos mais diversos planos, desde o trabalho até às infraestruturas de apoio à família ou aos centros de ocupação de tempos livres para as crianças. E, naturalmente, pela promoção da pedagogia para a igualdade, a começar pelos partidos políticos que têm de criar condições para que as mulheres participem não só nas listas mas efectivamente nos cargos. Mesmo em termos de funcionamento e de organização interna.

Como concilias a vida familiar com a profissão e os cargos políticos?

Da mesma maneira que tantas mulheres que têm de conciliar a sua vida familiar com o seu trabalho. Ou seja, além de vereadora sem pelouro na Câmara do Porto, sou consultora da União dos Sindicatos do Porto, dou aulas no ensino secundário e no ensino superior e estou a preparar o meu doutoramento em educação e desenvolvimento humano.
Por isso, provavelmente concilio mal mas assumo isso. Procuro, no entanto, realizar em cada momento o que posso e o melhor que posso. Procuro, sempre que possível, almoçar com o meu filho mais novo - o único que ainda vive comigo -, ir ao cinema, enfim, procuro estar o mais possível com ele e com o meu marido. E os momentos que estamos juntos, procuramos que sejam os mais agradáveis.


Agenda 2000 prejudica Portugal

É um grande salto da autarquia do Porto para a Europa. Consideras que é um desafio motivador?

Sim, é um desafio muito forte.

Tens acompanhado as questões europeias?

Naturalmente que tenho. Não só enquanto fui deputada à Assembleia da República mas também como consultora da USP, onde tenho acompanhado muito de perto as questões europeias pelas suas implicações no tecido produtivo e no mundo do trabalho. Por outro lado, a minha própria actividade docente e de investigação leva a que essas questões estejam sempre presentes na minha vida.

Como vês as negociações da Agenda 2000, principalmente no que respeita aos fundos estruturais?

Com grande preocupação, já que as propostas que têm estado em cima da mesa, são perigosas para o nosso País. Portugal tem uma economia e estruturas produtivas de grande debilidade - seja no plano agrícola, seja no plano das pescas ou da indústria - e naturalmente que se ressente do facto de hoje ter a sua capacidade de intervenção muito limitada em termos de políticas autónomas.
Com a adesão ao euro, perdemos a possibilidade de utilizar as políticas cambial e monetária, por um lado, enquanto por efeito do Pacto de Estabilidade ficámos, por outro, muito limitados no que se refere ao uso de instrumentos e políticas económicas que podiam facilitar a criação de emprego, de investimento público produtivo e em áreas de infraestruturas de equipamentos sociais, culturais e educativos, essenciais para a melhoria da qualidade de vida da nossa população.
Um país como o nosso, que tem ainda níveis de atraso económico e social muito profundos, quando comparados com a média comunitária, tem forçosamente de contar com apoios financeiros para a recuperação desses atrasos. Ora, hoje o que aparece em cima da mesa é que, tendo os países ricos os seus objectivos cumpridos - metas da UEM, constituição do Banco Central Europeu, das políticas monetárias e financeiras únicas, do euro -, e estando mais concentrado o seu poder económico e político, desinteressam-se pelos problemas dos países com dificuldades, dos países da chamada coesão, como é o caso de Portugal.

Existem alternativas?

Para já, o nosso país deve ser ressarcido dos prejuízos resultantes de ter ficado sujeito a estas políticas monetárias e financeiras únicas do Banco Central Europeu, aos critérios da convergência nominal e do Pacto da Estabilidade. E a forma de o fazer é através dos fundos estruturais.
Uma Agenda 2000 que, logo à partida, previa uma redução em termos reais da ordem dos 500 milhões de contos a menos de fundos estruturais para Portugal ou, como a Alemanha propunha, até uma perda da ordem dos 200 milhões de contos por ano não pode de maneira alguma ser aceite por Portugal.

E quanto à reforma da PAC?

Tal como em 1992, esta reforma da PAC ensejada pelo Conselho Agrícola da União Europeia aponta para uma situação grave para a agricultura portuguesa. E uma vez que a maior parte das propostas que o Governo português apresentou não foi aceite, isso traduzir-se-á para Portugal pelo desaparecimento das explorações agrícolas familiares, designadamente as de menor dimensão que vão continuar sem qualquer apoio. As explorações e os camponeses vão ficar sem condições de competitividade no mercado e sem ter quem lhes compre a sua produção, na medida em que os produtores dos países ricos estão a ser subsidiados para fazer entrar cá os seus produtos a preços abaixo do que os nossos pequenos e médios agricultores conseguem produzir. Por isso, dentro de dias, quando das negociações da Agenda 2000, o Governo português não pode aceitar uma proposta deste tipo. A verdade é que só um número muito restrito de agricultores portugueses recebe subsídio que, em média, é um quinto ou um sexto do que recebem, por exemplo, os agricultores franceses.


A situação seria pior sem os comunistas

A intervenção dos comunistas no PE tem sido importante?

Tal como aqui na Assembleia da República, também no PE os três deputados europeus têm tido um importante trabalho de denúncia dos problemas dos diversos sectores económicos e produtivos e profissionais do nosso país, tornando clara a debilidade estrutural da nossa economia, os graves problemas sociais que mantemos e as enormes carências em infraestruturas.
Quando nós falamos da necessidade de lutar pela harmonização social é disto que estamos a falar. Nós cumprimos os tais critérios de convergência nominal em termos monetários e financeiros mas estamos longe de cumprir em termos sociais ou em termos económicos.
Temos também apresentado propostas importantes, que nalguns casos têm sido contempladas, no sentido de melhorar relatórios, projectos, decisões que têm interesse para Portugal. Foram, por exemplo, os deputados portugueses que elaboraram o Relatório com propostas sobre a indústria têxtil e vestuário ou o documento de trabalho para uma melhor aplicação da política comum da pesca. Ou seja, têm participado, no seu conjunto, em propostas, relatórios, projectos e perguntas que, de alguma forma, têm minorado os efeitos negativos das políticas europeias.
Eu diria: se os deputados comunistas portugueses não estivessem no Parlamento Europeu a situação seria pior.

Mas é preciso que o trabalho seja reconhecido?

Às vezes as nossas razões só são reconhecidas mais tarde, como, por exemplo, agora, relativamente à demissão da Comissão Europeia.
Em Janeiro, quando se pôs o problema da moção de censura à Comissão, os únicos deputados portugueses que votaram a favor da moção, foram os deputados comunistas e uma boa parte do agrupamento em que estamos inseridos, o Grupo da Esquerda Unitária. Mas como os deputados portugueses do PS, do PSD e do PP e muitos dos seus agrupamentos votaram contra, a moção de censura não passou. Ainda que o peso da votação fosse tão forte que é dela que resulta a proposta de fazer o «relatório dos sábios» que esteve na origem da demissão da Comissão.
Quer dizer, está-se agora a braços com um problema que já podia ter sido já ultrapassado. A verdade é que já então as acusações de irregularidades e de fraudes eram muito fortes, e com razão, como se veio a demonstrar.

Que implicações poderá ter a demissão da Comissão?

Eu diria que estamos num momento fulcral para um novo rumo para a construção europeia pois, para além desta questão ter afectado as instituições comunitárias e a sua credibilidade, a Comissão e o Conselho de Ministros têm tido uma actuação, sobretudo em termos políticos, que criou grande descontentamento nas populações.
Eu recordo que foi a Comissão agora demissionária a autora da proposta da Agenda 2000 que reduz os fundos estruturais para Portugal em cerca de 500 milhões de contos, que propôs e conseguiu que fosse decretado o embargo da carne bovina a Portugal ou que, por exemplo, aceitou (o que é mais grave, com a anuência do comissário português Deus Pinheiro) que a África do Sul continuasse a usar um vinho com a designação de Porto, pondo em causa a designação genuína do nosso vinho do Porto.
Ora, isto são políticas muito desligadas dos cidadãos e muitas vezes contra eles. Daí eu achar que este momento, até pelas eleições que se avizinham, pode ser um momento importante para uma viragem nas políticas de construção europeia.
Nestas eleições, os comunistas continuam a ser a única força política com uma alternativa concreta, assente numa coesão efectiva - tanto no plano económico como no plano social -, que fomente o emprego de qualidade, que combata a exclusão social.
É um escândalo que nesta Europa rica possam ainda coexistir 50 milhões de pobres e 20 milhões de desempregados.

Sendo as políticas europeias tão determinantes para Portugal, como se compreende o alheamento dos portugueses nas eleições para o PE?

Creio que existem duas razões básicas para o desinteresse dos portugueses. Por um lado, as políticas europeias que estão muito longe dos seus interesses - já falámos disso, desde a Política Agrícola Comum, à Política das Pescas ou mesmo à desregulamentação da legislação laboral e à retirada de direitos...

...Mas isso não deveria levar, precisamente, a um maior empenhamento?

Exacto, mas isso prende-se com a outra razão: algum desconhecimento que existe ainda no nosso País acerca dos mecanismos de intervenção da política comunitária em Portugal. Ou seja, as pessoas vêem o PE como algo muito distante, não tendo presente que hoje são as decisões tomadas na União Europeia que influenciam as políticas nacionais.
Por exemplo, uma política fundamental para Portugal, como é a política orçamental, é hoje profundamente influenciada pela política europeia, na medida em que, havendo critérios de convergência nominal que se comprometeu a cumprir, a política económica, social, de emprego, de investimentos públicos, etc. está profundamente limitada.

O desinteresse dos cidadãos não estará ligado ao facto de, apesar de o PE ser o único órgão eleito, ter bastantes menos poderes que o Conselho ou a Comissão Europeia?

Houve, entretanto, algum reforço de poderes do PE decorrente das alterações introduzidas no último Tratado. Contudo, a recente crise gerada pela demissão da Comissão mostra como é importante que o PE reforce os seus poderes e tenha um acompanhamento muito mais próximo do que se passa com a Comissão. De qualquer modo, foi o uso do poder fiscalizador do Parlamento e a forte votação da moção de censura que levou a que a Comissão aceitasse a tal peritagem do grupo dos «sábios» com o resultado que é conhecido.
É bom, no entanto, lembrar que a Comissão não é a única responsável. Também os governos dos 15 países que compõem o Conselho de Ministros têm que assumir a responsabilidade por não pugnarem pelo cumprimento do que os tratados dizem, nomeadamente no campo da coesão económica e social.

Incluindo o governo português...

Exactamente. Mas há uma outra questão importante que se prende com a necessidade de existir uma maior sensibilidade e intervenção dos cidadãos e dos parlamentos nacionais na definição das políticas europeias. Ou seja, o Governo português não pode ficar isolado na negociação dos grandes dossiers e depois dizer que não conseguiu fazer aprovar as suas posições, como aconteceu agora com a PAC.
Podia ter feito e pode vir a fazer muito mais. Primeiro, pode tentar que todas as questões e propostas sejam devidamente acompanhadas pela Assembleia da República e até pelas organizações nacionais das diversas áreas. Depois, e ainda em relação à questão da PAC e da Agenda 2000, por exemplo, não esquecer que tem o direito de veto que, apesar de se destinar a casos extremos, deve ser usado se persistirem as propostas indiciadas. Uma posição que, naturalmente, terá muito mais força se o país estiver bem informado. Infelizmente, o Governo tem feito pouco por isso.

E o que se pode fazer para alterar a situação?

É fundamental que o nosso povo perceba que o seu dia a dia está dependente cada vez mais do que se passa nas instâncias comunitárias. Pela nossa parte, vamos fazer um esforço para que esta mensagem chegue à população. Claro que não depende só de nós, já que as outras forças políticas em presença - mais interessadas em que essa mensagem não passe -, preferem fugir à discussão dos problemas concretos.


CDU dá voz ao País

Não receias o confronto com outros candidatos?

Naturalmente que não, porque o levantamento dos problemas e a defesa dos interesses do nosso País e da nossa população, dos agricultores, dos pescadores, dos industriais, dos comerciantes, dos trabalhadores, são questões básicas sempre presentes na nossa participação nas instituições comunitárias.
Em termos políticos, a campanha eleitoral é fundamental para tratar estas questões. Nós temos um espantoso trabalho realizado pelos nossos deputados no PE, em conjugação com o colectivo partidário, pois uma pessoa só não consegue ter conhecimento de todas as áreas, de todos os problemas e das diferentes propostas que são apresentadas.
Aliás, é essa ligação estreita com o colectivo da CDU e os seus apoiantes que permite ter confiança na campanha que se avizinha, sem esquecer, naturalmente, o trabalho pessoal e colectivo dos próprios elementos da lista ao Parlamento Europeu.
A propósito da lista, gostaria de referir que os três deputados que temos no PE são novamente candidatos nos primeiros lugares na lista da CDU estando, pois, presente na campanha, todo este conhecimento de funcionamento das estruturas e dos problemas.

Estás a dizer que a CDU vai eleger mais deputados?

Não tenho varinha mágica para saber o que se vai passar mas tenho grande confiança no trabalho do nosso colectivo, da CDU, dos seus apoiantes e no seu esforço para fazer chegar aos eleitores portugueses a alternativa clara que defendemos. No dia 13 de Junho, saberemos o resultado.

O alargamento da União Europeia é positivo?

Nós temos dito que apoiamos esse alargamento, desde que não se faça à custa dos interesses dos países mais débeis. Porém, com o pretexto do alargamento, o que se pretende é reduzir fundos estruturais a Portugal para os transferir para ajudas de pré-adesão aos novos países aderentes. A isso nós dizemos não.
Por duas razões básicas. A primeira é que Portugal, cujo Produto Nacional Bruto (PNB) é apenas 1,2 por cento do PNB do conjunto da União Europeia, tem já hoje uma contribuição da ordem de 1,4%.
Logo, se os recursos próprios da Comunidade são baixos para fazer face a um novo alargamento o que é preciso é aumentá-los. Mas esse aumento deverá verificar-se à custa dos países mais ricos.
Já quando do Pacote Delors, ainda a União Europeia era a 12, se propunha que os recursos próprios da Comunidade passassem para 1,32 do PNB da UE. Não se percebe, pois, como é que agora - quando já estamos a 15 e se pretende alargar a mais países - isso não se faz.

Uma Europa Federalista ou uma Europa das Nações?

Hoje, as políticas que são praticadas na UE já têm algo de federalismo, ou seja, as decisões já muitas vezes são tomadas por maioria. Ainda agora, com a reforma da PAC, o próprio ministro confirmou que 70% dos agricultores portugueses vão continuar de fora das ajudas comunitárias e por isso estava em desacordo com o que se tinha passado. Mas... aquilo passou-se porque as potências mais ricas impuseram.
Ir mais longe do já se vai, como defende o candidato Mário Soares - convicto federalista -, «para falar a uma só voz», é retirar completamente a voz aos pequenos países e falar apenas com a voz de três grandes potências europeias - Alemanha, França e Inglaterra -, sem ter em conta as especificidades e características culturais dos pequenos países, como Portugal.

Quais vão ser as principais linhas da campanha eleitoral da CDU?

Queremos tocar principalmente os sectores que mais se têm sentido prejudicados com as políticas europeias, insistindo na necessidade de novas políticas, e os trabalhadores, cujos interesses e direitos têm sido também profundamente afectados. E, sobretudo, denunciar um Governo que, sob a capa do socialismo, está a levar por diante um ataque cerrado aos direitos dos trabalhadores, na defesa dos interesses do capital e do patronato mais retrógrado, designadamente através da tentativa de revisão da legislação laboral.
Vamo-nos dirigir também à juventude, a quem boa parte das alterações à legislação laboral é dirigida, às mulheres, para quem queremos uma efectiva igualdade de oportunidades e, naturalmente, a todas as camadas da população atingidas pela política neoliberal do Governo. Assim não não será esquecida a questão da preservação da nossa identidade cultural, inclusivé junto dos nossos emigrantes, e a defesa dos interesses dos imigrantes dos países de língua oficial portuguesa que vivem e trabalham em Portugal.

Nas iniciativas em que já participaste tens sentido uma boa receptividade?

Sim, muito boa. As diversas iniciativas que o PCP tem promovido a propósito do 78º aniversário, que têm sido muito interessantes, vivas, alegres e de grande entusiasmo, deram, sem dúvida, força à própria candidatura da CDU e ao seu empenho em levar por diante esta batalha fundamental para o nosso país.
Muitas vezes, os trabalhadores e as suas organizações, os agricultores, os pescadores e mesmo alguns pequenos e médios empresários pedem-nos ajuda. E nós tentamos de todas as formas corresponder mas a verdade é que, para conseguir que as nossas propostas, que vão ao encontro dos seus interesses, possam ser aprovadas, precisamos de força e de mais deputados.
Ora, como são os votos que elegem deputados, é fundamental que a necessidade do reforço da CDU seja entendida pelos vários sectores da seja população. É com isso que contamos em 13 de Junho.

Entrevista conduzida por Margarida Folque


«Avante!» Nº 1321 - 25.Março.1999