25 anos depois
Viva a Reforma Agrária de Abril
Por António Gervásio*
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Para melhor se entender todo o processo da Reforma Agrária, os seus avanços e o processo da sua destruição, parece-nos bem, em primeiro lugar, referir alguns traços específicos dos campos do Sul de Portugal e a situação anterior à Revolução de Abril. O Alentejo tem características diferentes do resto do País e da Europa. Portugal tem duas grandes zonas agrícolas diferentes, separadas pelo rio Tejo. Ao Norte do rio Tejo, temos a pequena e muito pequena propriedade agrícola. Ao Sul temos a concentração da grande propriedade de tipo latifundista.
Existem herdades,
como as Lezírias, com 23 mil hectares de terra; a herdade do Rio
Frio e de Palma, com 16 mil hectares cada; a herdade da Comporta
com 18 mil hectares; a herdade da Borrosinha com 10 mil hectares.
Herdades entre mil e cinco mil (e mais) hectares existem centenas
no Alentejo e em todo o Sul.
Outros exemplos de concentração da terra: antes da Revolução
de Abril, 500 dos maiores proprietários tinham mais terra do que
os 500 mil pequenos agricultores do País! Ou seja, 0,4 por cento
do total das explorações agrícolas (cerca de 800 mil)
concentravam 45 por cento da terra.
A estrutura latifundista marca a ausência do desenvolvimento nos
campos do Sul. Os grandes proprietários sempre se opuseram, no
Sul, à instalação de empresas, para terem mão de obra barata
e abundante.
Na décadas dos anos de 50 a 60, concentravam-se na vilas e
aldeias rurais do Sul, com maior peso no Alentejo, mais de 250
mil trabalhadores agrícolas, homens e mulheres, sem um palmo de
terra sua, representando mais de 80 por cento da população
agrícola. As suas condições de vida e de trabalho eram
desumanas, privados de todos os direitos, com salários de fome,
o horário de trabalho de sol a sol, sofrendo longos períodos no
desemprego, o seu único meio de subsistência dependia do
aluguer da sua força de trabalho.
A mais modesta luta reivindicativa era logo reprimida pelas
forças do fascismo, a GNR e a PIDE. Na luta pelo Pão, pelo
Trabalho e pela Liberdade milhares de trabalhadores (entre eles
militantes comunistas) foram presos, torturados e condenados a
longas penas de prisão. Muitos deles perderam a vida, como, por
exemplo, Germano Vidigal, de Montemor-o-Novo, em 1945; António
José Patuleia, de Vila Viçosa, em 1947; Alfredo Lima,
de Alpiarça, em 1950; Catarina Eufémia, de Baleizão, em
1954; José Adelino dos Santos, de Montemor-o-Novo, em
1958; António Adângio e Francisco Madeira, de
Aljustrel, em 1962. E outros.
Na repressão contra os trabalhadores, estes encontraram sempre
pela frente, juntos, os agrários e o fascismo. Conhecemos casos,
quando os trabalhadores desempregados iam pedir trabalho aos
agrários, em que estes lhes respondiam: «Vão comer palha!»
Importa destacar que o operário agrícola do Alentejo não
espírito de camponês. Nunca teve terra sua. Sempre trabalhou a
terra dos agrários em grandes colectivos, em ranchos de 20, 30,
50, 70, 100 e mais trabalhadores. As terras das grandes herdades,
pela sua enorme extensão e tipo de culturas, não podem ser
trabalhadas com pouco pessoal. Os agrários eram obrigados a
contratar grandes ranchos de trabalhadores.
Quando o operariado agrícola exige a terra a quem a trabalha, é para a trabalhar colectivamente, ele não quer a terra dividida em parcelas. Para ele, a terra é um bem da sociedade e deve cumprir a sua função económica e social, ou seja, produzir bens e assegurar emprego, não ser um privilégio de meia dúzia de senhores.
Ao falarmos de
alguns traços do proletariado agrícola do Sul, gostaríamos de
referir, em breves linhas, uma das suas mais importantes lutas
contra o fascismo e os agrários, que foi a conquista das 8 horas
de trabalho.
No 1.º de Maio de 1962, um amplo movimento de massas, organizado
pelo PCP, abrangendo cerca de 200 mil trabalhadores agrícolas,
homens e mulheres, do Alentejo e parte do Ribatejo e Algarve,
movimento que tomou formas de greve e levantamento, impôs aos
agrários e ao fascismo, pela primeira vez na História de
Portugal, o horários das 8 horas de trabalho nos campos do Sul!
A luta começou a ser organizada nos começos de 1957, dirigida
pelo PCP desde essa data até à vitória. O fascismo ainda
tentou esmagar o movimento de massas, mas a luta foi mais forte e
venceu. No final de 1962 o horário das 8 horas estava implantado
nos campos do Sul! Foi uma magnífica luta vitoriosa dos
trabalhadores agrícolas do Sul!
A forte resistência antifascista, a experiência de
organização, a combatividade, a elevada consciência de classe
e de unidade dos trabalhadores agrícolas do Sul, em particular
do Alentejo, são inseparáveis da vida e da luta do PCP. A
partir dos anos de 40 até à Revolução de Abril poucas eram as
localidades mais significativas do Alentejo que não tivessem
organização ou militantes do Partido. Não há grandes lutas no
Alentejo contra o fascismo onde não esteja a voz e a
intervenção política do PCP.
Na longa caminhada dos 48 anos de luta sem tréguas contra a
ditadura fascista e a exploração dos agrários, os
trabalhadores agrícolas do Sul nunca encontraram ao seu lado
outra força política que não fosse o PCP. Por isso, o PCP foi
e continua a ser a força política mais influente no Sul,
sobretudo no Alentejo. O proletariado agrícola do Sul foi, de
facto, um dos grandes bastiões da resistência antifascista,
resistência que foi sempre crescendo com o PCP até à
Revolução do 25 de Abril.
O avanço para a Reforma Agrária
No Alentejo (e no
País), os primeiros meses da Revolução de Abril decorriam numa
grande efervescência revolucionária, com comícios,
manifestações, sessões, reuniões, etc. Nos campos do Sul
crescia uma grande exigência A Reforma
Agrária!, A Terra a Quem a Trabalha!, Aumentar a
Produção!, Ter Emprego!
O processo revolucionário não encontrou no Alentejo um
proletariado agrícola fraco, despolitizado, desorganizado, sem
experiência. Ao contrário, a Revolução de Abril encontrou nos
campos do Sul uma grande força organizada, com experiência,
combatividade, sabendo o que queria, com uma escola de luta de
muitos anos nas condições duras da luta contra o fascismo,
tendo a seu lado, na primeira linha, o PCP.
Os grandes proprietários responderam à Revolução com
agressividade, com sabotagem económica, não produzindo, fazendo
despedimentos, não dando emprego, deixando estragar as culturas,
deslocando máquinas e gado para fora da região, etc. Entretanto
decorria com rapidez a criação dos sindicatos agrícolas do Sul
que, no final de 1975, já contavam com mais de 70 mil sócios,
uma grande força dos trabalhadores.
Crescia uma pergunta constante: Que fazer? Os agrários faziam
sabotagem. Não produziam nem davam emprego. Havia mais de 700
mil hectares de terra inculta no Sul. Aumentava a exigência: Avante
com a Reforma Agrária, A Terra a Quem a Trabalha! Crescia a
vontade de produzir, de ter emprego, de cortar o passo à
contra-revolução.
No final de 1974 têm lugar as primeiras ocupações de terras
nos distritos de Beja, Évora e Santarém (Sul do Tejo). A
Terra a Quem a Trabalha já era uma reivindicação dos
trabalhadores na luta contra a ditadura. A exigência da Reforma
Agrária foi consagrada no Programa do PCP, aprovado no VI
Congresso, em 1965.
A 9 de Fevereiro de 1975, o PCP convoca a I Conferência dos
Trabalhadores Agrícolas do Sul, em Évora. Participaram 30
mil trabalhadores e técnicos agrícolas, homens e mulheres, com
grande participação da juventude. Participou também Álvaro
Cunhal, então secretário-geral do PCP.
Depois de uma profunda e ampla discussão em torno do problema da
terra, do comportamento dos agrários, considerando as
exigências da Revolução de Abril e a vontade dos
trabalhadores, a Conferência decidiu avançar para as terras
incultas e abandonadas. Ao mesmo tempo, na área do poder
político, as forças que se opunham ao avanço da Revolução
procuravam, a todo o custo, adiar a saída de uma lei da Reforma
Agrária.
Imediatamente e seguir à Conferência, nas vilas e aldeias do
Sul, formam-se centenas de comissões, num vasto movimento de
massas, envolvendo milhares e milhares de trabalhadores,
avançando rapidamente para as ocupações, começando, em geral,
pelas terras incultas.
Só em Julho de 1975, e devido à luta, sai a Lei da Reforma
Agrária , a Lei 406-A/75, de 29 de Julho, e outra legislação
(V Governo Provisório). Mas nessa altura, seis meses depois da
Conferência, os trabalhadores já tinham ocupado mais de 500 mil
hectares de terra. Estavam formadas 500 UCPs
Unidades Colectivas de Produção dando emprego a 71 mil
trabalhadores, homens e mulheres, ou seja, mais 50 mil do que no
tempo dos agrários. Os trabalhadores lançaram-se rapidamente e
corajosamente no caminho da produção.
O processo da Reforma Agrária foi um grande movimento de massas,
um movimento revolucionário que avançou com grande rapidez. A
resistência dos agrários foi abafada.
Interessa dizer que o comportamento dos proprietários facilitou
o rápido avanço para as terras. Se, porventura, tivesse saído
oportunamente a Lei da Reforma Agrária; se os agrários têm
avançado para a produção e dado emprego, talvez o processo da
Reforma Agrária não tivesse sido aquele que efectivamente foi.
Pela primeira vez na História de Portugal, a Reforma Agrária de
Abril liquidou grande parte da estrutura latifundista da terra. O
poder dos agrários ficou muito destruído. O flagelo do
desemprego foi liquidado. Nas UCPs da Reforma Agrária não
havia exploração do homem pelo homem. A terra passou a ser
trabalhada colectivamente. Nascia uma nova agricultura. Nascia
uma forma superior de trabalhar a terra as Unidades
Colectivas de Produção. Nascia uma nova vida, uma nova
esperança!
A formação das UCPs foi criação dos trabalhadores e do
processo revolucionário de Abril, não foi nenhuma invenção de
«cima». As UCPs são uma forma superior de fazer
agricultura, como a Reforma Agrária de Abril o demonstrou. As
UCPs criaram rapidamente os seus estatutos, os seus
órgãos directivos, eleitos dentro das normas estatutárias, com
a prestação regular de contas aos seus cooperantes.
Tem grande significado político e progressista os nomes
escolhidos para cada uma UCP. Vejamos, por exemplo:
Terra de Pão, Esquerda Vencerá, Estrela do Alentejo,
Vitória É Nossa, Liberdade, Grito da Revolução, Resistência
Popular, Vitória do Povo, Poder Popular, Cravo Vermelho, Nascer
do Sol, Nova Esperança, Sol Nascente, A Lua É de Todos, Pão
para Todos, 1.º de Maio, 25 de Abril, Estrela da Manhã, É
Difícil mas É Nossa, Resistir É Vencer, Nascer do Dia, Bento
Gonçalves, Terra de Catarina, Germano Vidigal, Vasco Gonçalves,
Álvaro Cunhal e centenas de outros de sentido igual.
No processo de formação das UCPs, nos primeiros tempos,
houve sérias dificuldades. As herdades mais pobres não tinham
máquinas, nem sementes, nem gado. Foi necessária a
solidariedade e a ajuda das UCPs mais ricas com máquinas,
gado, sementes e jornadas de trabalho. Em muitos casos os
trabalhadores reuniram as suas economias para comprar máquinas e
outro equipamento para produzir. Foram momentos de muito
trabalho, esforços, sacrifícios e imaginação. Foi uma luta
heróica e corajosa!
Ao analisar o processo da Reforma Agrária, importa dizer que ela
avançou, obteve grandes êxitos, foi defendida e resistiu 15/16
anos porque foi um movimento de massas e teve na primeira linha
do combate a força do PCP. Sem a força do Partido, sem, a sua
luta organizada, a Reforma Agrária não teria avançado nem
teria resistido meia dúzia de anos.
O processo da Reforma Agrária não foi um acto de «ocupações
selvagens» ou de «roubo de terras» como os inimigos da
Revolução de Abril têm gritado. A decisão de avançar foi um
acto de justiça, progressista e generoso, no interesse do povo e
do País. Os trabalhadores não ocuparam as terras para as
dividir entre si mas para as pôr a produzir, aumentar a
produção, assegurar emprego, servir o País. Os trabalhadores
não tiveram medo da Reforma Agrária, não se assustaram com a
Revolução. Só aqueles, na área do poder político e fora
dele, que se opuseram ao avanço da Revolução, só esses
tremeram de pavor!
A Reforma Agrária de Abril colheu um amplo movimento de simpatia
e solidariedade em todo o País, ultrapassando as nossas
fronteiras. Centenas de excursões dos meios urbanos e das zonas
dos pequenos agricultores, nos fins de semana, deslocavam-se para
visitar as UCPs levando a sua solidariedade e, em muitos
casos, jornadas de trabalho voluntário.
Diversos países então socialistas e países capitalistas da
Europa fizeram chegar a sua solidariedade activa à Reforma
Agrária de Abril, com ofertas de máquinas, alfaias, sementes e
outra solidariedade.
Os êxitos obtidos
Nos primeiros anos, ainda sem grande ofensiva, as UCPs alcançaram importantes resultados. Vejamos apenas algumas referências comparativas com a situação anterior à Reforma Agrária:
Área semeada mais 139,3%;
Área de regadio mais 126%;
Cabeças de gado mais 112%;
Máquinas e alfaias mais 169,6%;
Postos de trabalho mais 50.000 que no tempo dos agrários;
Emprego assegurado e com direitos e aumento de salários;As UCPs obtêm importantes aumentos na produção, na produtividade, na mecanização, usando sementes seleccionadas, gado de raça e novas culturas, como as de estufa, o tabaco e outras;
Constroem-se vacarias para ordenha mecânica, estábulos para engorda, novas barragens, «charcas» e «furos», oficinas mecânicas, lagares de azeite, adegas, talhos, padarias, cantinas, supermercados, creches, jardins de infância, centros de dia para reformados e outras estruturas ao serviço das populações, como transportes, etc.;
Nasceram contactos e negócios entre as UCPs e os agricultores do Norte e do Centro do País. A Reforma Agrária atraiu a juventude. Milhares de alentejanos regressaram às suas terras para irem trabalhar nas UCPs;
Criaram-se diversas estruturas unitárias, como os Secretariados Distritais (e alguns concelhios) das UCPs, organismos com um papel de primeira importância. As Conferências da Reforma Agrária e Encontros de Culturas foram outras estruturas de capital importância. Realizaram-se 12 Conferências entre 1976 e 1989. As Conferências faziam o balanço do trabalho realizado e das deficiências e apontavam as medidas e os planos de produção para o ano agrícola seguinte.
As Conferências da
Reforma Agrária tinham uma participação massiva. Em geral
participavam quatro a cinco mil delegados e convidados e muitas
delegações de todo o País e de países estrangeiros. As
Conferências encerravam com um grande comício, nos primeiros
anos com 15 e 20 mil (e mais) pessoas de vários pontos do País,
onde eram lidas as conclusões.
Interessa referir uma questão importante: nas UCPs não
havia distribuição de lucros no final do ano. Se a UCP tinha
lucros, esses fundos transitavam para o capital social da UCP,
para comprar máquinas, sementes, gado, e para melhorar as
regalias dos cooperantes. Os trabalhadores não ficavam à espera
que o salário caísse do céu ou dos cofres do Estado. Para
obter melhores salários e mais regalias era necessário produzir
melhor, gerir melhor, valorizar a formação. Esta experiência
fez aumentar o sentido de responsabilidade dos trabalhadores.
Os extraordinários resultados da Reforma Agrária, a sua força,
a sua experiência, a solidariedade, a ampla onda de simpatia
demonstrada por todo o País e no estrangeiro causaram pavor nas
forças mais conservadoras e reaccionárias da sociedade
portuguesa. A Reforma Agrária mal começou a dar os primeiros
passos e começou logo a ser atacada pela ofensiva dirigida pelo
poder político.
A ofensiva destruidora
A ofensiva violenta
contra a Reforma Agrária foi programada e dirigida pelo poder
político, pelos sucessivos governos de direita ou ligados à
direita. Os seus responsáveis são o PS, o PSD, o CDS, coligados
ou não. Foram eles, nos sucessivos governos, a seguir a 1976,
que dirigiram a ofensiva destruidora. Para eles era impossível a
entrada de Portugal na chamada CEE com uma Reforma Agrária
avançada! Procuraram o caminho da sua destruição violenta. Sem
a ofensiva do poder político, com armas, a Reforma Agrária não
teria sido destruída. Os agrários, só por si, não tinham
força para isso.
O PS, no I Governo Constitucional (1976), foi o primeiro a abrir
guerra contra a Reforma Agrária. Ele anulou a Lei 406-A/75 e fez
uma nova lei, a Lei 77/77, que ficou conhecida como a célebre
Lei Barreto ( nome do seu autor). Essa lei (e outra legislação)
foi concebida para devolver as terras aos antigos donos através
de engenharias jurídicas e técnicas, como as chamadas
«reservas» e as pilhagens das melhores terras, máquinas, gado,
culturas, instalações, cortiça e outros bens, assim como
através da desorganização da vida das UCPs e da sua
descapitalização, etc.
O poder político mobilizou poderosos meios militarizados, com
centenas de GNRs e PSPs, com cavalos, metralhadoras,
bastões eléctricos, viseiras, «chaimites», «Jeeps»,
cães-polícias, helicópteros e outros meios repressivos como os
julgamentos sumários (por desobediência).
Nos distritos foram criadas estruturas descentralizadas do
aparelho de Estado, com quadros técnicos e políticos para
dirigir a ofensiva. Eles mobilizaram agricultores contra a
Reforma Agrária, incitando-os a pedir terra das UCPs (para
mais tarde os agrários tomarem conta dessa terra).
A ofensiva estendeu-se por 15/16 anos, desde 1976, até por volta
de 1990/91. Os anos mais duros da ofensiva foram entre 1977 e
1985/86 (7 a 8 anos), com os governos de Nobre da Costa, Mota
Pinto, Maria de Lurdes Pintassilgo, Sá Carneiro, do Bloco
Central (PS/PSD), Cavaco Silva. E os ministros (do MAP) António
Barreto, Vaz Portugal, Luís Saias, Basílio Horta, Ferreiras
Amaral, João Goulão, Álvaro Barreto, Cardoso e Cunha, Arlindo
Cunha e outros ministros e secretários.
Destacaram-se na repressão e insultos contra os trabalhadores
diversos graduados das forças policiais, designadamente os
capitães Jerónimo Santos, Correia Dias, Matias, Garcia; os
tenentes Miguel Santos e Ferro; os sargentos Ramos, Biléu,
Maximino e outros.
Por altura de 1980/82, a ofensiva já tinha dado um forte golpe na Reforma Agrária. Vejamos alguns dados:
570 mil hectares roubados das melhores terras, cerca de 50% das terras das UCPs
40 mil postos de trabalho destruídos;
212 mil cabeças de gado roubadas;
110 mil máquinas e alfaias tiradas;
Mais de 2 mil trabalhadores, homens e mulheres, espancados e feridos;
Muitos milhões de contos de dívidas às UCPs, de bens pilhados;
Em 27 de Setembro de 1979, no governo de Maria de Lurdes Pintassilgo, na UCP Bento Gonçalves, em Montemor-o-Novo, a GNR matou dois trabalhadores da Reforma Agrária quando defendiam bens da UCP. Esses trabalhadores chamam-se António Casquinha e José Geraldo (de Escoural). Até hoje, os responsáveis destes crimes não foram julgados!
Na defesa da Reforma
Agrária travaram-se centenas de duras batalhas. Apenas um
exemplo concreto para demonstrar a envergadura dessas batalhas:
no dia 2 de Abril de 1980, nas aldeia de Pias Beja
500 GNRs, com 80 «jeeps», cavalos, viseiras, bastões
eléctricos, «chaimites» e cães-polícias atacaram a UCP
Esquerda Vencerá. A batalha trava-se dentro da povoação, com
correrias de rua em rua e até de casa em casa, pedradas, tiros,
pancadaria e feridos dos dois lados. Depois de várias horas, a
ofensiva não conseguiu os seus objectivos e a luta venceu.
A resistência
Ao longo dos 15/16
anos de resistência e duros sacrifícios, de dia e de noite, com
armas desiguais, os trabalhadores e técnicos agrícolas
demonstraram grande coragem, imaginação, e um forte sentido do
interesse nacional. Ao mesmo tempo que era preciso arranjar
forças para defender as UCPs e os seus bens, era
igualmente preciso reunir forças para continuar a produzir para
melhor resistir. Ao mesmo tempo que era necessário apostar todas
as forças na produção, era necessário fazer concentrações,
manifestações, recolher centenas de milhares de assinaturas
para abaixo-assinados, fazer marchas com milhares de
trabalhadores, com centenas de máquinas, nos distritos e em
Lisboa, exigindo o fim da ofensiva. Milhares de trabalhadores
deram tudo da sua força, de dia e de noite, para defender a
Reforma Agrária e as suas UCPs, por vezes com risco da
própria vida, como Casquinha e Geraldo.
É necessário afirmar com clareza:
Não foram os trabalhadores das UCPs que destruíram a Reforma Agrária; que devolveram a terra aos antigos proprietários; que reconstituíram de novo os latifúndios e destruíram a agricultura!
Não foram os trabalhadores nem o povo que tiveram medo da Reforma Agrária de Abril!
Não foram os trabalhadores das UCPs que indemnizaram os grandes proprietários com 60 milhões de contos, por terem sido expropriados pela Revolução de Abril!
Quem destruiu a Reforma Agrária e a agricultura foram os mesmos que destruíram as nacionalizações e reconstituíram os grandes grupos monopolistas ligados ao imperialismo. Foram as forças políticas no poder que, depois de 1976, têm governado o nosso País!
25 anos depois...
Temos estado a falar
da Reforma Agrária, mas essa Reforma Agrária de Abril já não
existe, foi destruída, como já referimos. De novo, um por cento
dos proprietários concentram 45 por cento da terra! De novo há
mais de 700 mil hectares de terra inculta. De novo voltou o
desemprego. As herdades dos agrários estão cheias de mato,
cercadas de arame farpado, com coutadas de caça. Se algumas
herdades têm rebanhos de gado é porque ainda existe o subsídio
da União Europeia...
Não existe uma política agrícola nacional em defesa da
agricultura. A agricultura portuguesa está votada à
destruição! O Alentejo vive hoje uma situação de crise e de
abandono como há muitos anos não vivia! 18% da população
activa está desempregada, sobretudo mulheres. Não há
praticamente emprego. Acentua-se a desertificação humana e o
envelhecimento da população. O Alentejo perdeu em 10 anos (1981
a 1991) cerca de 40 mil habitantes. Desde 1950 que a sua
população vem baixando. Em 1991, a população do Alentejo era
igual à de 1920 (70 anos depois!). E prevê-se que no ano 2000 a
sua população seja igual à de 1911 (80 anos depois!). De 1950
a 1991 (em 40 anos), o Alentejo perdeu 240 mil habitantes! Eis as
marcas negras da ofensiva, da existência do latifúndio, da
política de direita, do abandono e destruição do Alentejo!
25 anos depois, o povo português comemora os 25
anos da Revolução portuguesa, uma Revolução que trouxe
profundas transformações políticas, económicas, sociais e
culturais na sociedade. 25 anos depois importa fazer uma
reflexão sobre os avanços e recuos, quem puxou pela Revolução
e tem defendido as suas conquistas, quem se opôs ao seu avanço;
o que foi destruído e quem destruiu; o que é preciso fazer para
derrotar a política de direita; que tarefas se impõem para unir
todas as forças progressistas do País no sentido de retomar o
caminho que a Revolução de Abril abriu ao povo português.
25 anos depois, nós, comunistas, continuamos a
afirmar: há que continuar a luta unida e organizada, sem
tréguas.
25 anos depois, continuamos a lutar e a dizer:
Portugal e o Alentejo precisam de uma nova Reforma Agrária,
precisam de uma verdadeira Lei da Reforma Agrária que ponha fim
à estrutura latifundista da terra; que entregue a terra a quem a
trabalha aos trabalhadores, aos agricultores sem ou com
pouca terra e ao sector privado que deseje fazer agricultura.
25 anos depois, coloca-se de novo ao povo
português: é necessário unir forças, fazer convergir as
vontades e a luta, não aceitar a política de direita e de
abandono que destrói o Alentejo.
25 anos depois, a luta ensina-nos e confirma uma
grande verdade:
Com a Reforma Agrária, com água, com investimentos produtivos
no desenvolvimento, com emprego estável e com direitos, com o
Poder Local Democrático, com a derrota da política de direita,
criando condições para a formação de um governo democrático,
com uma política de esquerda ao serviço dos trabalhadores e do
povo português, podemos garantir que Portugal e o Alentejo
têm futuro!
* Actual membro da Comissão Central de Controlo do Comité Central do PCP, o camarada António Gervásio foi durante muitos anos e nomeadamente durante aqueles que viram a Reforma Agrária nascer, crescer e defender-se corajosamente membro da Comissão Política do CC, com a responsabilidade da Organização Regional do Alentejo. O artigo que hoje o «Avante!» publica foi a base de uma intervenção do camarada em debates realizados em Espanha, na Casa da Cultura de Badajoz e na Universidade da Estremadura, em Cáceres, em que participou nos dias 7 e 8 deste mês, a convite da Esquerda Unida.