25 anos depois
Viva a Reforma Agrária de Abril

Por António Gervásio*
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Para melhor se entender todo o processo da Reforma Agrária, os seus avanços e o processo da sua destruição, parece-nos bem, em primeiro lugar, referir alguns traços específicos dos campos do Sul de Portugal e a situação anterior à Revolução de Abril. O Alentejo tem características diferentes do resto do País e da Europa. Portugal tem duas grandes zonas agrícolas diferentes, separadas pelo rio Tejo. Ao Norte do rio Tejo, temos a pequena e muito pequena propriedade agrícola. Ao Sul temos a concentração da grande propriedade de tipo latifundista.

Existem herdades, como as Lezírias, com 23 mil hectares de terra; a herdade do Rio Frio e de Palma, com 16 mil hectares cada; a herdade da Comporta com 18 mil hectares; a herdade da Borrosinha com 10 mil hectares. Herdades entre mil e cinco mil (e mais) hectares existem centenas no Alentejo e em todo o Sul.
Outros exemplos de concentração da terra: antes da Revolução de Abril, 500 dos maiores proprietários tinham mais terra do que os 500 mil pequenos agricultores do País! Ou seja, 0,4 por cento do total das explorações agrícolas (cerca de 800 mil) concentravam 45 por cento da terra.
A estrutura latifundista marca a ausência do desenvolvimento nos campos do Sul. Os grandes proprietários sempre se opuseram, no Sul, à instalação de empresas, para terem mão de obra barata e abundante.
Na décadas dos anos de 50 a 60, concentravam-se na vilas e aldeias rurais do Sul, com maior peso no Alentejo, mais de 250 mil trabalhadores agrícolas, homens e mulheres, sem um palmo de terra sua, representando mais de 80 por cento da população agrícola. As suas condições de vida e de trabalho eram desumanas, privados de todos os direitos, com salários de fome, o horário de trabalho de sol a sol, sofrendo longos períodos no desemprego, o seu único meio de subsistência dependia do aluguer da sua força de trabalho.
A mais modesta luta reivindicativa era logo reprimida pelas forças do fascismo, a GNR e a PIDE. Na luta pelo Pão, pelo Trabalho e pela Liberdade milhares de trabalhadores (entre eles militantes comunistas) foram presos, torturados e condenados a longas penas de prisão. Muitos deles perderam a vida, como, por exemplo, Germano Vidigal, de Montemor-o-Novo, em 1945; António José Patuleia, de Vila Viçosa, em 1947; Alfredo Lima, de Alpiarça, em 1950; Catarina Eufémia, de Baleizão, em 1954; José Adelino dos Santos, de Montemor-o-Novo, em 1958; António Adângio e Francisco Madeira, de Aljustrel, em 1962. E outros.
Na repressão contra os trabalhadores, estes encontraram sempre pela frente, juntos, os agrários e o fascismo. Conhecemos casos, quando os trabalhadores desempregados iam pedir trabalho aos agrários, em que estes lhes respondiam: «Vão comer palha!»
Importa destacar que o operário agrícola do Alentejo não espírito de camponês. Nunca teve terra sua. Sempre trabalhou a terra dos agrários em grandes colectivos, em ranchos de 20, 30, 50, 70, 100 e mais trabalhadores. As terras das grandes herdades, pela sua enorme extensão e tipo de culturas, não podem ser trabalhadas com pouco pessoal. Os agrários eram obrigados a contratar grandes ranchos de trabalhadores.

Quando o operariado agrícola exige a terra a quem a trabalha, é para a trabalhar colectivamente, ele não quer a terra dividida em parcelas. Para ele, a terra é um bem da sociedade e deve cumprir a sua função económica e social, ou seja, produzir bens e assegurar emprego, não ser um privilégio de meia dúzia de senhores.

Ao falarmos de alguns traços do proletariado agrícola do Sul, gostaríamos de referir, em breves linhas, uma das suas mais importantes lutas contra o fascismo e os agrários, que foi a conquista das 8 horas de trabalho.
No 1.º de Maio de 1962, um amplo movimento de massas, organizado pelo PCP, abrangendo cerca de 200 mil trabalhadores agrícolas, homens e mulheres, do Alentejo e parte do Ribatejo e Algarve, movimento que tomou formas de greve e levantamento, impôs aos agrários e ao fascismo, pela primeira vez na História de Portugal, o horários das 8 horas de trabalho nos campos do Sul!
A luta começou a ser organizada nos começos de 1957, dirigida pelo PCP desde essa data até à vitória. O fascismo ainda tentou esmagar o movimento de massas, mas a luta foi mais forte e venceu. No final de 1962 o horário das 8 horas estava implantado nos campos do Sul! Foi uma magnífica luta vitoriosa dos trabalhadores agrícolas do Sul!
A forte resistência antifascista, a experiência de organização, a combatividade, a elevada consciência de classe e de unidade dos trabalhadores agrícolas do Sul, em particular do Alentejo, são inseparáveis da vida e da luta do PCP. A partir dos anos de 40 até à Revolução de Abril poucas eram as localidades mais significativas do Alentejo que não tivessem organização ou militantes do Partido. Não há grandes lutas no Alentejo contra o fascismo onde não esteja a voz e a intervenção política do PCP.
Na longa caminhada dos 48 anos de luta sem tréguas contra a ditadura fascista e a exploração dos agrários, os trabalhadores agrícolas do Sul nunca encontraram ao seu lado outra força política que não fosse o PCP. Por isso, o PCP foi e continua a ser a força política mais influente no Sul, sobretudo no Alentejo. O proletariado agrícola do Sul foi, de facto, um dos grandes bastiões da resistência antifascista, resistência que foi sempre crescendo com o PCP até à Revolução do 25 de Abril.

O avanço para a Reforma Agrária

No Alentejo (e no País), os primeiros meses da Revolução de Abril decorriam numa grande efervescência revolucionária, com comícios, manifestações, sessões, reuniões, etc. Nos campos do Sul crescia uma grande exigência – A Reforma Agrária!, A Terra a Quem a Trabalha!, Aumentar a Produção!, Ter Emprego!
O processo revolucionário não encontrou no Alentejo um proletariado agrícola fraco, despolitizado, desorganizado, sem experiência. Ao contrário, a Revolução de Abril encontrou nos campos do Sul uma grande força organizada, com experiência, combatividade, sabendo o que queria, com uma escola de luta de muitos anos nas condições duras da luta contra o fascismo, tendo a seu lado, na primeira linha, o PCP.
Os grandes proprietários responderam à Revolução com agressividade, com sabotagem económica, não produzindo, fazendo despedimentos, não dando emprego, deixando estragar as culturas, deslocando máquinas e gado para fora da região, etc. Entretanto decorria com rapidez a criação dos sindicatos agrícolas do Sul que, no final de 1975, já contavam com mais de 70 mil sócios, uma grande força dos trabalhadores.
Crescia uma pergunta constante: Que fazer? Os agrários faziam sabotagem. Não produziam nem davam emprego. Havia mais de 700 mil hectares de terra inculta no Sul. Aumentava a exigência: Avante com a Reforma Agrária, A Terra a Quem a Trabalha! Crescia a vontade de produzir, de ter emprego, de cortar o passo à contra-revolução.
No final de 1974 têm lugar as primeiras ocupações de terras nos distritos de Beja, Évora e Santarém (Sul do Tejo). A Terra a Quem a Trabalha já era uma reivindicação dos trabalhadores na luta contra a ditadura. A exigência da Reforma Agrária foi consagrada no Programa do PCP, aprovado no VI Congresso, em 1965.
A 9 de Fevereiro de 1975, o PCP convoca a I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, em Évora. Participaram 30 mil trabalhadores e técnicos agrícolas, homens e mulheres, com grande participação da juventude. Participou também Álvaro Cunhal, então secretário-geral do PCP.
Depois de uma profunda e ampla discussão em torno do problema da terra, do comportamento dos agrários, considerando as exigências da Revolução de Abril e a vontade dos trabalhadores, a Conferência decidiu avançar para as terras incultas e abandonadas. Ao mesmo tempo, na área do poder político, as forças que se opunham ao avanço da Revolução procuravam, a todo o custo, adiar a saída de uma lei da Reforma Agrária.
Imediatamente e seguir à Conferência, nas vilas e aldeias do Sul, formam-se centenas de comissões, num vasto movimento de massas, envolvendo milhares e milhares de trabalhadores, avançando rapidamente para as ocupações, começando, em geral, pelas terras incultas.
Só em Julho de 1975, e devido à luta, sai a Lei da Reforma Agrária , a Lei 406-A/75, de 29 de Julho, e outra legislação (V Governo Provisório). Mas nessa altura, seis meses depois da Conferência, os trabalhadores já tinham ocupado mais de 500 mil hectares de terra. Estavam formadas 500 UCP’s – Unidades Colectivas de Produção – dando emprego a 71 mil trabalhadores, homens e mulheres, ou seja, mais 50 mil do que no tempo dos agrários. Os trabalhadores lançaram-se rapidamente e corajosamente no caminho da produção.
O processo da Reforma Agrária foi um grande movimento de massas, um movimento revolucionário que avançou com grande rapidez. A resistência dos agrários foi abafada.
Interessa dizer que o comportamento dos proprietários facilitou o rápido avanço para as terras. Se, porventura, tivesse saído oportunamente a Lei da Reforma Agrária; se os agrários têm avançado para a produção e dado emprego, talvez o processo da Reforma Agrária não tivesse sido aquele que efectivamente foi.
Pela primeira vez na História de Portugal, a Reforma Agrária de Abril liquidou grande parte da estrutura latifundista da terra. O poder dos agrários ficou muito destruído. O flagelo do desemprego foi liquidado. Nas UCP’s da Reforma Agrária não havia exploração do homem pelo homem. A terra passou a ser trabalhada colectivamente. Nascia uma nova agricultura. Nascia uma forma superior de trabalhar a terra – as Unidades Colectivas de Produção. Nascia uma nova vida, uma nova esperança!
A formação das UCP’s foi criação dos trabalhadores e do processo revolucionário de Abril, não foi nenhuma invenção de «cima». As UCP’s são uma forma superior de fazer agricultura, como a Reforma Agrária de Abril o demonstrou. As UCP’s criaram rapidamente os seus estatutos, os seus órgãos directivos, eleitos dentro das normas estatutárias, com a prestação regular de contas aos seus cooperantes.
Tem grande significado político e progressista os nomes escolhidos para cada uma UCP. Vejamos, por exemplo:
Terra de Pão, Esquerda Vencerá, Estrela do Alentejo, Vitória É Nossa, Liberdade, Grito da Revolução, Resistência Popular, Vitória do Povo, Poder Popular, Cravo Vermelho, Nascer do Sol, Nova Esperança, Sol Nascente, A Lua É de Todos, Pão para Todos, 1.º de Maio, 25 de Abril, Estrela da Manhã, É Difícil mas É Nossa, Resistir É Vencer, Nascer do Dia, Bento Gonçalves, Terra de Catarina, Germano Vidigal, Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e centenas de outros de sentido igual.
No processo de formação das UCP’s, nos primeiros tempos, houve sérias dificuldades. As herdades mais pobres não tinham máquinas, nem sementes, nem gado. Foi necessária a solidariedade e a ajuda das UCP’s mais ricas com máquinas, gado, sementes e jornadas de trabalho. Em muitos casos os trabalhadores reuniram as suas economias para comprar máquinas e outro equipamento para produzir. Foram momentos de muito trabalho, esforços, sacrifícios e imaginação. Foi uma luta heróica e corajosa!
Ao analisar o processo da Reforma Agrária, importa dizer que ela avançou, obteve grandes êxitos, foi defendida e resistiu 15/16 anos porque foi um movimento de massas e teve na primeira linha do combate a força do PCP. Sem a força do Partido, sem, a sua luta organizada, a Reforma Agrária não teria avançado nem teria resistido meia dúzia de anos.
O processo da Reforma Agrária não foi um acto de «ocupações selvagens» ou de «roubo de terras» como os inimigos da Revolução de Abril têm gritado. A decisão de avançar foi um acto de justiça, progressista e generoso, no interesse do povo e do País. Os trabalhadores não ocuparam as terras para as dividir entre si mas para as pôr a produzir, aumentar a produção, assegurar emprego, servir o País. Os trabalhadores não tiveram medo da Reforma Agrária, não se assustaram com a Revolução. Só aqueles, na área do poder político e fora dele, que se opuseram ao avanço da Revolução, só esses tremeram de pavor!
A Reforma Agrária de Abril colheu um amplo movimento de simpatia e solidariedade em todo o País, ultrapassando as nossas fronteiras. Centenas de excursões dos meios urbanos e das zonas dos pequenos agricultores, nos fins de semana, deslocavam-se para visitar as UCP’s levando a sua solidariedade e, em muitos casos, jornadas de trabalho voluntário.
Diversos países então socialistas e países capitalistas da Europa fizeram chegar a sua solidariedade activa à Reforma Agrária de Abril, com ofertas de máquinas, alfaias, sementes e outra solidariedade.


Os êxitos obtidos

Nos primeiros anos, ainda sem grande ofensiva, as UCP’s alcançaram importantes resultados. Vejamos apenas algumas referências comparativas com a situação anterior à Reforma Agrária:

Área semeada – mais 139,3%;
Área de regadio – mais 126%;
Cabeças de gado – mais 112%;
Máquinas e alfaias – mais 169,6%;
Postos de trabalho – mais 50.000 que no tempo dos agrários;
Emprego assegurado e com direitos e aumento de salários;

As UCP’s obtêm importantes aumentos na produção, na produtividade, na mecanização, usando sementes seleccionadas, gado de raça e novas culturas, como as de estufa, o tabaco e outras;

Constroem-se vacarias para ordenha mecânica, estábulos para engorda, novas barragens, «charcas» e «furos», oficinas mecânicas, lagares de azeite, adegas, talhos, padarias, cantinas, supermercados, creches, jardins de infância, centros de dia para reformados e outras estruturas ao serviço das populações, como transportes, etc.;

Nasceram contactos e negócios entre as UCP’s e os agricultores do Norte e do Centro do País. A Reforma Agrária atraiu a juventude. Milhares de alentejanos regressaram às suas terras para irem trabalhar nas UCP’s;

Criaram-se diversas estruturas unitárias, como os Secretariados Distritais (e alguns concelhios) das UCP’s, organismos com um papel de primeira importância. As Conferências da Reforma Agrária e Encontros de Culturas foram outras estruturas de capital importância. Realizaram-se 12 Conferências entre 1976 e 1989. As Conferências faziam o balanço do trabalho realizado e das deficiências e apontavam as medidas e os planos de produção para o ano agrícola seguinte.

As Conferências da Reforma Agrária tinham uma participação massiva. Em geral participavam quatro a cinco mil delegados e convidados e muitas delegações de todo o País e de países estrangeiros. As Conferências encerravam com um grande comício, nos primeiros anos com 15 e 20 mil (e mais) pessoas de vários pontos do País, onde eram lidas as conclusões.
Interessa referir uma questão importante: nas UCP’s não havia distribuição de lucros no final do ano. Se a UCP tinha lucros, esses fundos transitavam para o capital social da UCP, para comprar máquinas, sementes, gado, e para melhorar as regalias dos cooperantes. Os trabalhadores não ficavam à espera que o salário caísse do céu ou dos cofres do Estado. Para obter melhores salários e mais regalias era necessário produzir melhor, gerir melhor, valorizar a formação. Esta experiência fez aumentar o sentido de responsabilidade dos trabalhadores.
Os extraordinários resultados da Reforma Agrária, a sua força, a sua experiência, a solidariedade, a ampla onda de simpatia demonstrada por todo o País e no estrangeiro causaram pavor nas forças mais conservadoras e reaccionárias da sociedade portuguesa. A Reforma Agrária mal começou a dar os primeiros passos e começou logo a ser atacada pela ofensiva dirigida pelo poder político.


A ofensiva destruidora

A ofensiva violenta contra a Reforma Agrária foi programada e dirigida pelo poder político, pelos sucessivos governos de direita ou ligados à direita. Os seus responsáveis são o PS, o PSD, o CDS, coligados ou não. Foram eles, nos sucessivos governos, a seguir a 1976, que dirigiram a ofensiva destruidora. Para eles era impossível a entrada de Portugal na chamada CEE com uma Reforma Agrária avançada! Procuraram o caminho da sua destruição violenta. Sem a ofensiva do poder político, com armas, a Reforma Agrária não teria sido destruída. Os agrários, só por si, não tinham força para isso.
O PS, no I Governo Constitucional (1976), foi o primeiro a abrir guerra contra a Reforma Agrária. Ele anulou a Lei 406-A/75 e fez uma nova lei, a Lei 77/77, que ficou conhecida como a célebre Lei Barreto ( nome do seu autor). Essa lei (e outra legislação) foi concebida para devolver as terras aos antigos donos através de engenharias jurídicas e técnicas, como as chamadas «reservas» e as pilhagens das melhores terras, máquinas, gado, culturas, instalações, cortiça e outros bens, assim como através da desorganização da vida das UCP’s e da sua descapitalização, etc.
O poder político mobilizou poderosos meios militarizados, com centenas de GNR’s e PSP’s, com cavalos, metralhadoras, bastões eléctricos, viseiras, «chaimites», «Jeeps», cães-polícias, helicópteros e outros meios repressivos como os julgamentos sumários (por desobediência).
Nos distritos foram criadas estruturas descentralizadas do aparelho de Estado, com quadros técnicos e políticos para dirigir a ofensiva. Eles mobilizaram agricultores contra a Reforma Agrária, incitando-os a pedir terra das UCP’s (para mais tarde os agrários tomarem conta dessa terra).
A ofensiva estendeu-se por 15/16 anos, desde 1976, até por volta de 1990/91. Os anos mais duros da ofensiva foram entre 1977 e 1985/86 (7 a 8 anos), com os governos de Nobre da Costa, Mota Pinto, Maria de Lurdes Pintassilgo, Sá Carneiro, do Bloco Central (PS/PSD), Cavaco Silva. E os ministros (do MAP) António Barreto, Vaz Portugal, Luís Saias, Basílio Horta, Ferreiras Amaral, João Goulão, Álvaro Barreto, Cardoso e Cunha, Arlindo Cunha e outros ministros e secretários.
Destacaram-se na repressão e insultos contra os trabalhadores diversos graduados das forças policiais, designadamente os capitães Jerónimo Santos, Correia Dias, Matias, Garcia; os tenentes Miguel Santos e Ferro; os sargentos Ramos, Biléu, Maximino e outros.

Por altura de 1980/82, a ofensiva já tinha dado um forte golpe na Reforma Agrária. Vejamos alguns dados:

570 mil hectares roubados das melhores terras, cerca de 50% das terras das UCP’s
40 mil postos de trabalho destruídos;
212 mil cabeças de gado roubadas;
110 mil máquinas e alfaias tiradas;
Mais de 2 mil trabalhadores, homens e mulheres, espancados e feridos;
Muitos milhões de contos de dívidas às UCP’s, de bens pilhados;
Em 27 de Setembro de 1979, no governo de Maria de Lurdes Pintassilgo, na UCP Bento Gonçalves, em Montemor-o-Novo, a GNR matou dois trabalhadores da Reforma Agrária quando defendiam bens da UCP. Esses trabalhadores chamam-se António Casquinha e José Geraldo (de Escoural). Até hoje, os responsáveis destes crimes não foram julgados!

Na defesa da Reforma Agrária travaram-se centenas de duras batalhas. Apenas um exemplo concreto para demonstrar a envergadura dessas batalhas: no dia 2 de Abril de 1980, nas aldeia de Pias – Beja – 500 GNRs, com 80 «jeeps», cavalos, viseiras, bastões eléctricos, «chaimites» e cães-polícias atacaram a UCP Esquerda Vencerá. A batalha trava-se dentro da povoação, com correrias de rua em rua e até de casa em casa, pedradas, tiros, pancadaria e feridos dos dois lados. Depois de várias horas, a ofensiva não conseguiu os seus objectivos e a luta venceu.

A resistência

Ao longo dos 15/16 anos de resistência e duros sacrifícios, de dia e de noite, com armas desiguais, os trabalhadores e técnicos agrícolas demonstraram grande coragem, imaginação, e um forte sentido do interesse nacional. Ao mesmo tempo que era preciso arranjar forças para defender as UCP’s e os seus bens, era igualmente preciso reunir forças para continuar a produzir para melhor resistir. Ao mesmo tempo que era necessário apostar todas as forças na produção, era necessário fazer concentrações, manifestações, recolher centenas de milhares de assinaturas para abaixo-assinados, fazer marchas com milhares de trabalhadores, com centenas de máquinas, nos distritos e em Lisboa, exigindo o fim da ofensiva. Milhares de trabalhadores deram tudo da sua força, de dia e de noite, para defender a Reforma Agrária e as suas UCP’s, por vezes com risco da própria vida, como Casquinha e Geraldo.
É necessário afirmar com clareza:

Não foram os trabalhadores das UCP’s que destruíram a Reforma Agrária; que devolveram a terra aos antigos proprietários; que reconstituíram de novo os latifúndios e destruíram a agricultura!
Não foram os trabalhadores nem o povo que tiveram medo da Reforma Agrária de Abril!
Não foram os trabalhadores das UCP’s que indemnizaram os grandes proprietários com 60 milhões de contos, por terem sido expropriados pela Revolução de Abril!
Quem destruiu a Reforma Agrária e a agricultura foram os mesmos que destruíram as nacionalizações e reconstituíram os grandes grupos monopolistas ligados ao imperialismo. Foram as forças políticas no poder que, depois de 1976, têm governado o nosso País!

25 anos depois...

Temos estado a falar da Reforma Agrária, mas essa Reforma Agrária de Abril já não existe, foi destruída, como já referimos. De novo, um por cento dos proprietários concentram 45 por cento da terra! De novo há mais de 700 mil hectares de terra inculta. De novo voltou o desemprego. As herdades dos agrários estão cheias de mato, cercadas de arame farpado, com coutadas de caça. Se algumas herdades têm rebanhos de gado é porque ainda existe o subsídio da União Europeia...
Não existe uma política agrícola nacional em defesa da agricultura. A agricultura portuguesa está votada à destruição! O Alentejo vive hoje uma situação de crise e de abandono como há muitos anos não vivia! 18% da população activa está desempregada, sobretudo mulheres. Não há praticamente emprego. Acentua-se a desertificação humana e o envelhecimento da população. O Alentejo perdeu em 10 anos (1981 a 1991) cerca de 40 mil habitantes. Desde 1950 que a sua população vem baixando. Em 1991, a população do Alentejo era igual à de 1920 (70 anos depois!). E prevê-se que no ano 2000 a sua população seja igual à de 1911 (80 anos depois!). De 1950 a 1991 (em 40 anos), o Alentejo perdeu 240 mil habitantes! Eis as marcas negras da ofensiva, da existência do latifúndio, da política de direita, do abandono e destruição do Alentejo!
25 anos depois, o povo português comemora os 25 anos da Revolução portuguesa, uma Revolução que trouxe profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais na sociedade. 25 anos depois importa fazer uma reflexão sobre os avanços e recuos, quem puxou pela Revolução e tem defendido as suas conquistas, quem se opôs ao seu avanço; o que foi destruído e quem destruiu; o que é preciso fazer para derrotar a política de direita; que tarefas se impõem para unir todas as forças progressistas do País no sentido de retomar o caminho que a Revolução de Abril abriu ao povo português.
25 anos depois, nós, comunistas, continuamos a afirmar: há que continuar a luta unida e organizada, sem tréguas.
25 anos depois, continuamos a lutar e a dizer: Portugal e o Alentejo precisam de uma nova Reforma Agrária, precisam de uma verdadeira Lei da Reforma Agrária que ponha fim à estrutura latifundista da terra; que entregue a terra a quem a trabalha – aos trabalhadores, aos agricultores sem ou com pouca terra e ao sector privado que deseje fazer agricultura.
25 anos depois, coloca-se de novo ao povo português: é necessário unir forças, fazer convergir as vontades e a luta, não aceitar a política de direita e de abandono que destrói o Alentejo.
25 anos depois, a luta ensina-nos e confirma uma grande verdade:
Com a Reforma Agrária, com água, com investimentos produtivos no desenvolvimento, com emprego estável e com direitos, com o Poder Local Democrático, com a derrota da política de direita, criando condições para a formação de um governo democrático, com uma política de esquerda ao serviço dos trabalhadores e do povo português, podemos garantir que Portugal e o Alentejo têm futuro!

* Actual membro da Comissão Central de Controlo do Comité Central do PCP, o camarada António Gervásio foi durante muitos anos – e nomeadamente durante aqueles que viram a Reforma Agrária nascer, crescer e defender-se corajosamente – membro da Comissão Política do CC, com a responsabilidade da Organização Regional do Alentejo. O artigo que hoje o «Avante!» publica foi a base de uma intervenção do camarada em debates realizados em Espanha, na Casa da Cultura de Badajoz e na Universidade da Estremadura, em Cáceres, em que participou nos dias 7 e 8 deste mês, a convite da Esquerda Unida.


«Avante!» Nº 1325 - 22.Abril.1999