Kosovo
ONU
desespera
com o UCK
«Não vou permitir de forma alguma, no futuro, que sejam queimados dezenas de lares de sérvios, mesmo que tenha de entrar em conflito com o UCK. Disse a Thaci [chefe político do Exército de Libertação do Kosovo (UCK)] que a minha paciência está no limite».
As palavras são
do administrador provisório das Nações Unidas (ONU) no Kosovo,
Bernard Kouchner, em recentes declarações à imprensa, e
testemunham a gravidade crescente da situação que se vive na
província sérvia.
Bernard Kouchner, que continua à espera de um «reforço de
cerca de 5.000 soldados», reconhece que a ONU não tem
«condições para proteger a cem por cento os sérvios», embora
reafirme que «a segurança é a nossa prioridade».
«Se os sérvios partirem do Kosovo, então teremos sido
derrotados e a guerra terá sido em vão», afirmou Kouchner,
para quem o regresso ao Kosovo do dirigente kosovar Ibrahim
Rugova é «um sinal encorajador».
«Espero que a sua presença possa trazer um equilíbrio e acabar
com a limpeza étnica que se faz agora contra os sérvios e os
ciganos», disse Kouchner, sublinhando que espera de Rugova
«presença dinâmica, porque até agora ele tem feito uma
política de cadeira vazia».
Não é apenas o administrador da ONU no Kosovo que está a
«perder a paciência» com os crimes dos albano-kosovares. No
passado domingo, também a Grécia exigiu que «cesse a política
de depuração étnica feita actualmente pelos albaneses contra
os sérvios» no Kosovo.
Em declarações proferidas durante a festa de Nossa Senhora da
Assunção, no norte da Grécia, o ministro da Defesa grego, Akis
Tsoharzopoulos, lembrou que o seu país, um dos aliados da NATO,
se opõe a todo o tipo de depurações étnicas, incluindo a
levada a cabo em Chipre pelos turcos, logo que o exército turco
ocupou militarmente o norte da Ilha em 1974.
«Com a mesma força e a mesma lei, nós exigimos que voltem às
suas terras os refugiados gregos em Chipre, expulsos há 25 anos
em nome de uma inadmissível política de depuração étnica»,
afirmou.
Segundo o ministro, a comunidade internacional e os organismos
internacionais «têm neste momento a responsabilidade de
intervirem de uma forma decisiva para virar esta situação com o
diálogo, na base das decisões das Nações Unidas e princípios
do Direito».
O ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Lamberto Dini,
alertou por seu turno que um Kosovo independente será «um
factor de desestabilização» para os Balcãs. Numa entrevista
ao diário «A República», no sábado, Dini disse que a
abertura de um precedente no Kosovo seria um factor de
desestabilização para a Macedónia e para a Albânia,
sublinhando que «se começarmos a construir nos Balcãs pequenos
estados de um ou dois milhões de habitantes, teremos bem vinte
(desses estados)».
O ministro italiano lembrou que a NATO não entrou no Kosovo
«para o oferecer ao UÇK», o Exército de Libertação do
Kosovo, e garantiu que não haverá «qualquer ajuda para a
reconstrução» do Kosovo, «se nós não reforçarmos o combate
contra o crime (como os ataques contra os sérvios) e o tráfico
de droga que está em expansão».
Dini reconheceu ainda a existência de um problema de
«transparência» no seio da NATO durante os bombardeamentos
contra a Sérvia, dado que se registaram bombardeamentos do
Conselho Atlântico (que dirige a NATO) que não foram previstos,
como o ataque contra a televisão sérvia que, de acordo com a
Itália e outros países europeus, não deveriam ter sido feitos.
«Em certos casos, não chegámos a perceber quem é que terá
decidido os bombardeamentos, se o comandante supremo da NATO se o
Pentágono», disse o diplomata italiano.
Curiosamente, os EUA têm mantido um silêncio, no mínimo
comprometedor, quanto à escalada de violência registada no
Kosovo.
Saldo sinistro
Mais de 200 aldeias
e 41 igrejas sérvias foram destruídas no Kosovo desde Junho,
data da chegada da força multinacional da KFOR à província
sérvia, segundo afirma o padre Atanasije Rakita, citado domingo
pelo diário Glas Javnosti.
Os albaneses do Kosovo «destroem sistematicamente» as aldeias e
os locais de culto, denuncia o padre, acrescentando que «os
sérvios que permaneceram no Kosovo são assassinados,
torturados, raptados e maltratados» pelos albaneses.
«O mais inquietante - diz - é que estes crimes são cometidos
na presença da KFOR».
Estima-se em cerca de 200.000 o número de sérvios e outros
cidadãos não-albaneses que foram obrigados a fugir do Kosovo
desde a chegada da KFOR e o regresso em massa dos
albano-kosovares que fugiram da província durante os ataques da
NATO. Também muitos milhares de albaneses que não vivam na
região se têm vindo a instalar no Kosovo.
A violência começa já a fazer vítimas entre os próprios
soldados da KFOR. No fim-de-semana, vários tiroteios atingiram
uma patrulha alemã, provocando um ferido. O soldado alemão
apenas sobreviveu graças ao colete à prova de balas.
Entretanto, um porta-voz da KFOR, major Roland Lavoie, afirmou
que dois sérvios foram feridos sábado durante um incidente
armado com albaneses da localidade de Kosovska Mitrovica. A mesma
fonte informou ter sido encontrado num apartamento de Prizren o
cadáver de uma mulher não-identificada, apunhalada, e o de um
sérvio de 80 anos morto a tiro, em Pozaranje.
Dias antes, um soldado russo foi ferido a tiro por um atirador
furtivo, no sudeste do Kosovo (sob controlo norte-americano).
Outro soldado do mesmo sector já havia sido ferido, nas mesmas
circunstâncias. A tensão entre albano-kosovares e o contingente
russo tem vindo a aumentar. Os albano-kosovares consideram os
russos aliados dos sérvios, pelo que os transformaram em alvos
preferenciais.
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Novo
Governo de coligação
em Belgrado
A República Federal
da Jugoslávia (que inclui a Sérvia e o Montenegro) tem um novo
Governo, formado na quinta-feira. Dos 27 ministros, 22 são
membros do Partido Socialista e cinco do Partido Radical do
nacionalista Vojislav Seselj.
Esta formação, que já pertencia ao executivo antes da guerra,
criticou duramente Milosovic e acusou-o de ter perdido a
província do Kosovo. Abandonou inclusivamente o Governo em
protesto contra as decisões do presidente jugoslavo.
Sete dos antigos titulares do Partido Radical no Governo perderam
o seu lugar, entre eles Zoran Lilic, o presidente que antecedeu
Milosevic. O Movimento de Renovação Sérvia (monárquico), até
há pouco tempo com quatro ministros, não ingressou na equipa do
executivo.
Para formar o novo Governo, o primeiro-ministro, Momir Bulatovic,
convidou todos os partidos com assento parlamentar para
conversações com vista a alcançar um consenso. Apenas os
partidos que já faziam parte do Governo aceitaram.
«O nosso objectivo é continuar com o actual processo de
reformas e contribuir para o desenvolvimento económico»,
afirmou Slobodan Milosevic, frase contestada pela oposição,
para quem as reformas só podem ser concretizadas com a renúncia
do presidente, a formação de um Governo de unidade nacional ou,
em alternativa, formado apenas por técnicos, e a realização de
eleições antecipadas antes do fim do ano.
A oposição defende que o executivo agora formado é igual ao
anterior e reafirma que vai intensificar a luta nas ruas. Hoje
realiza-se uma manifestação em Belgrado (a primeira na capital)
contra Milosevic. Zoran Djindjic, dirigente da Aliança para a
Mudança, já ameaçou com a convocação de greves gerais em
todo o país.