Mesa farta em casa pobre
Os vampiros da economia

Agostinho Lopes


Nalguns jornais da passada semana, pudemos ler que o BES (Banco Espírito Santo) apresentou no fim do 1.º semestre do corrente ano um lucro de 21,2 milhões de contos, mais 8,4% que nos primeiros seis meses de 1998. Isto, depois de no 1.º semestre de 98 ter apurado um resultado de 19,5 milhões de contos e mais 28,4% do que no período homólogo de 97. Depois de no ano de 1997 ter tido lucros da ordem dos 30,1 milhões, mais 27,3% que em 1996.

Mas poderíamos olhar para os resultados de outros bancos nacionais: os resultados são semelhantes. Entre 96 e 97, os lucros de alguns dos principais bancos cresceram entre os 10,4% do Banco Pinto & Sotto Mayor e os 112,5% da Caixa Geral de Depósitos, passando pelos 47% do BPI, os 55,3% do BCP e os 67,9% do Totta (BTA). Como confirmação pegue-se no Relatório do Banco de Portugal de 1998. Lá se pode constatar que em 1998 o sistema bancário português teve como resultado líquido 269,8 milhões de contos, mais 9,6% que em 97. No ano de 1997, foi um louvar a Deus mais 35,7% que em 96. E em 96 mais 15,2% que em 95!

Isto é que é pujança económica, dirão uns (do lado do Governo). Isto é que é especulação e exploração financeiras, dirão outros. E é nestes que eu me incluo.
Como se explica tal subida dos lucros bancários? Que milagre é este num País em que as variações do PIB, que medem a evolução global da economia nacional, foram de 3,6% em 96, 3,8% em 97 e 3,9% em 98? País onde as remunerações (reais) por trabalhador do sector empresarial (excluindo os vencimentos da função pública) cresceram apenas 2,1% em 96, 2,8% em 97 e 2,1% em 98! País onde os rendimentos de empresas (e propriedades) subiram nos mesmos anos 3,8%, 2,9% e 7% respectivamente, e note-se, onde estão incluídos os grossos lucros da banca! País onde os rendimentos da agricultura diminuíram, 14% em 97 e 13% em 98!
Que razões para lucros tão gordos, sabendo-se de ciência certa, que nos bancos não se cria riqueza, e que, tanto quanto se sabe, não há nos bancos máquinas de fazer moeda nem minas de ouro! Que tanto quanto se sabe a banca, vende e compra dinheiro, recebe dinheiro em depósito e empresta (parte) do dinheiro depositado.
No entanto, a explicação é fácil e o milagre é pequeno. Tudo acontece pela "pirataria" da riqueza e rendimentos produzidos pelos outros agentes e entidades da economia real!


Todos os caminhos ...
vão dar aos cofres da banca

A leitura do Relatório do Banco de Portugal (1998) no seu capítulo VIII — Sistema Bancário, mais a experiência directa, que quase todos temos, do contacto com os bancos, facilmente põe a nu a razão de tantos lucros gordos em casa pobre. Facilmente se explica o milagre da multiplicação da moeda nos bancos portugueses. Aceitando depósitos e emprestando dinheiro, o primeiro e principal mecanismo, para engordar os lucros, é a elevada diferença, entre as taxas de juro que a banca paga (quando paga) pelo dinheiro depositado e o juro que cobra pelo dinheiro que empresta — a chamada margem financeira.
Segundo o Relatório do Banco de Portugal, a margem financeira cresceu nos dois últimos anos. Em 1997, os juros cobrados aumentaram 1,2% e os juros pagos — o que é espantoso — desceram 3,3%! Em 1998, os juros cobrados desceram 0,7% e os juros pagos desceram — e podia lá ser de outro modo — proporcionalmente mais, 3,3%. Isto é, as pequenas poupanças foram fortemente penalizadas (ou saqueadas!). Como diz o Relatório do BP: "Em 1998, os juros recebidos pelas famílias voltaram a registar uma variação negativa resultante, sobretudo, da descida das respectivas taxas de juro"! São os dois pesos e duas medidas: o que a banca cobra, sobe ou desce pouco, o que a banca paga desce ou desce muito!
Mas nem sempre quem deposita recebe juros. Estávamos já todos habituados a que a maioria das contas à ordem nada recebessem, mesmo que esses valores constituam uma fatia importantíssima do dinheiro fresco chegado à banca!
Mas agora a banca "inventou" uma nova modalidade: o depósito (à ordem ou a prazo) que paga juros (ditos: comissão de gestão de conta) à banca. O que acontece com os depósitos com pequenos saldos, isto é, dos pequenos depositantes. Lembre-se da pressão, para não dizer obrigatoriedade, imposta aos portugueses para abrirem contas para receberem os seus salários!
Depois são as bem conhecidas diferenças entre as chamadas taxas nominais, e as taxas efectivas praticadas pela banca, em função da avaliação do cliente. As taxas no crédito ao consumo atingem valores altíssimos, tendo pouco a ver com a taxa de desconto do Banco de Portugal. As taxas para o pequeno e médio industrial, para o agricultor — 7%... 6%... 10%... 14%... — estão largamente afastadas da taxa nominal de longo prazo em Dezembro de 1998 : 4,1% (valor do Relatório do BP). Os agricultores portugueses, por exemplo, pagaram de juros 50 milhões em 96, 45 milhões em 97 e 41 milhões em 98, isto é, respectivamente 13%, 15% e 17% dos rendimentos líquidos da actividade agrícola nesses anos!
Mas, às elevadíssimas taxas reais pagas pela generalidade dos clientes dos bancos juntam-se as também conhecidas alcavalas, fazendo crescer ainda mais aquelas. Por exemplo, o BES (1998) cede um empréstimo de duas/três centenas de contos para pagar um curso (de computadores, de inglês, ...) com taxa nominal igual a 19,5%, e isso significa de facto pagar uma taxa de 22,275%, dita TAEG (Taxa Anual de Encargos Efectivos Global), isto é, um diferencial de quase 3 pontos percentuais! E podem baixar as taxas de juro nominais, o que não baixa é a TAEG! Mas se subirem os encargos, avisa o Banco, sobe a TAEG!
Não será por acaso que Portugal na comparação com outros países da UE, tem a sua margem financeira (em percentagem do activo total) em 4º lugar, no pelotão da frente, a par da Itália, Espanha e Dinamarca e muito à frente de uma série de países, como a Bélgica e a França!


Onde ferram o dente ...

Outro mecanismo para extorquir a nota ao parceiro são as chamadas comissões. Um crescimento de 30,7% em 1998, depois de mais 44,6% em 1997! A chegada do Euro em Janeiro deste ano eliminou os custos cambiais (era a grande propaganda para a adopção da moeda única). A Banca faz de conta que não deu por ela. Como era previsível, para se compensar das perdas ocasionadas pelo fim do câmbio, aumentou as comissões na troca de moeda, mesmo daquelas que integram a moeda única. Por exemplo, o banco do nosso exemplo, o BES, não esteve com meias medidas e aplicou mais 100%! (Teste da Revista Dinheiros e Direitos da Deco). Ora o que seria de esperar era que se pagasse: ZERO! (como acontece no Banco de Portugal), pois não há câmbio de moedas: todas elas são subdivisões da mesma moeda, desde Janeiro, o euro!
Depois ainda, são os rendimentos de títulos, mais 67,9% em 98. Segundo o Relatório do BP essa "significativa expansão", resultou "exclusivamente da evolução do rendimento de imobilizações financeiras (participações, partes de capital em empresas coligadas e outras)".
E finalmente, temos os lucros líquidos em operações financeiras, mais 24,8% em 1998!
Para o sector financeiro foi um tal fartar nestes últimos 3 anos!
É evidente que atrás da "margem financeira", das "comissões", dos "rendimentos de títulos", estão trabalhadores, consumidores, reformados. Estão empresas.
Está o sector produtivo. A indústria e a agricultura (e também o pequeno comércio) vítimas destas sanguessugas insaciáveis.
Estão os fundos comunitários, quer pela circulação que fazem pelas entranhas devoradoras do sistema bancário, quer por impulsionarem um elevado volume de empréstimos necessários para as contrapartidas das empresas para os projectos de investimento aprovados.
Estou eu e você leitor, e muitos a quem deram um cartão plástico. Está quem comprou o frigorífico a prestações, que o ordenado não chega para tudo. Está quem avalizou o filho ou filha no empréstimo para a casa a que têm direito!
Estão os trabalhadores bancários e o emprego. Em 1998 no meio de todas aquelas subidas, houve uma coisa que desceu: os custos com pessoal, menos 1,4%!
Está o Estado Português que viu os impostos pagos pela banca em 1998 crescer apenas 5,9% para lucros que subiram 9,6%!
O que não será de admirar: "Os bancos estão a fugir ao pagamento de impostos, segundo uma auditoria à tributação do sector bancário, realizada pela Inspecção Geral de Finanças" que teve a concordância de Sousa Franco (Expresso, 5 de Dezembro de 1998).
Estão os dinheiros públicos, dinheiros de todos nós, que vão desaguar nas águas bancárias através das bonificações de juros pagos pelo Estado no crédito à habitação. (Não será necessário afirmar que estamos de acordo com essa bonificação... embora houvesse muita coisa a dizer sobre os critérios da sua aplicação...).
Como se explica, na notícia que dá conta dos elevados aumentos dos lucros do BES no 1º semestre de 99: "Para a melhoria nas contas do banco contribuiu fortemente o crescimento de 28,7% no resultado financeiro, decorrente do aumento de empréstimos a particulares, nomeadamente o crédito à habitação; e uma melhoria de 20% nas receitas provenientes dos serviços a clientes".
Escusado será dizer, que ninguém nega a importância do sector bancário/financeiro, o qual tem um papel chave nas economias de hoje. O problema são as regras (ou a falta delas), legislação e comportamento das autoridades de supervisão do sistema bancário, da responsabilidade da maioria PS na AR e do Governo PS, que permitem, quando não protegem, os "piratas" e toda esta "pirataria" dos nossos dias.


«Avante!» Nº 1342 - 19.Agosto.1999