Ao fim de
tantos anos
O
monstro do anticomunismo
continua vivo
Chegámos a Lisboa para férias. No bolso, uma lista de grandes nomes da banca de negócios indicando as perdas sofridas por cada um durante as aventuras dos últimos doze meses. Mas na nossa «Tabacaria Adamastor» forneceram-nos o último «Magazine Littéraire» (número especial de Julho-Agosto) que inclui cerca de cem páginas dedicadas à literatura de guerra. Por uma questão de preferência pessoal, deixámos os bancos de lado, provisoriamente, e decidimos meter-nos na guerra, também.
Uma desilusão profunda. Chegados ao capítulo principal da maior e mais devastadora de todas, a 2ªGrande Guerra Mundial, e às análises de livros sobre o apocalíptico confronto provocado pela invasão da URSS pelas hordas nazis, deparámos com apreciações chocantes por parte de analistas certamente muito bem pagos pelo «Magazine Littéraire». Ficámos perplexos. Invariavelmente, os comentadores chamados a analisar aquele terrível conflito concluem, assim o percebemos, ter sido a resistência aos monstros nazis um erro por parte do governo soviético. Segundo nos querem fazer compreender, teria sido inteligente baixar os braços, arrear bandeira, esquecer a dignidade, fugir aos muitos meses de inumeráveis sacrifícios, Assim, os dirigentes do Kremlin teriam evitado a enorme perda de vidas que teve lugar entre 1941 e 1945. Que estranhas, que abomináveis conclusões!
Falsificadores
A literatura
soviética de guerra é imensa. Mas o trabalho de Konstantin
Simonov só é mencionado para dizerem-nos que se trata de um
«autor convencional». O comentador do «Magazine Littéraire»,
Georges Nivad, salta logo, ligeiramente, para outros escritores
que, evidentemente, mais lhe interessam Vassili Grossman,
o autor que em «Vida e destino» traça paralelos entre o
gabinete de trabalho do «mestre do Kremlin» e os abrigos dos
combatentes em Stalinegrado; entre os «duches» de Auschwitz e
os «campos da morte soviéticos». Depois, Monsieur Nivad
atira-nos para Soljenitsin e para a injusta e malévola
descrição de um Jukov «envelhecido» mas que aplicava com zelo
a «táctica desumana de grandes combates de massas de soldados,
tão do apreço de Stalin». Sem dúvida , para Soljenitsin, como
para o próprio Nivad, era desumano dar tudo por tudo para
defender a Pátria da invasão assassina dos milhões de
fanáticos e sanguinários «gangsters» enviados pelo IIIReich a
fim de beberem o sangue dos soviéticos, e suprimirem para todo o
sempre a histórica tentativa de criar e pôr em prática um novo
mundo.
Foi tudo. Nivat deslizou, imediatamente, para autores que
escreveram sobre a guerra no Afeganistão e na Chechénia
justificando Grossman e Astafiev. Numa reflexão final, acabámos
por concluir que os «homens de letras» contratados pelo
«Magazine Littéraire» nada ficam a dever aos bárbaros autores
de «Le Livre Noir du Communisme» e a Stephane Courtois, muito
especialmente. A escola, pelo menos é a mesma.
Nos capítulos dedicados à guerra do Vietnam (autor: Philip D.
Beisler, professor de inglês na Universidade de Alabama) e à
guerra civil de Espanha (autor: Tony Cartano), asseveram-nos que
tudo aquilo, a luta dos povos espanhol e vietnamita, não valeu a
pena. Beisler aborda a «tragédia americana» sugerindo que a
tragédia do Vietname, o país que teve de defender-se dos
colonialistas franceses e, por isso, arrostou com a invasão
americana (duas guerras de incríveis dimensões), podia ter sido
evitada. Bastava, enfim, que o povo vietnamita tivesse aceite
viver sob o jugo estrangeiro e concordasse com as regras do jogo
do imperialismo. Cita o livro de Frances Fitzgerald, «Fire in
the Lake» (Fogo no Lago), onde se escreve que «a guerra do
Vietname repousa sobre uma verdadeira dialéctica de cegueira de
ambas as partes nascida dos respectivos estados de espírito».
Nota, igualmente, escritores e jornalistas que falam de
«imaginação, acrobacia, realismo mágico». Outro autor
citado, refere a corrupção a que a guerra teria dado lugar em
Hanoi, como se a invasão americana para salvar os regimes
fantoches e assassinos de Saigão não constituísse, em tudo,
uma das mais infelizes, corruptas, vergonhosas, páginas da
História dos Estados Unidos...
E chegámos, finalmente, à guerra civil espanhola. Também não
valeu a pena, de acordo com os observadores seleccionados pela
conhecida revista francesa. Para quê, sacrifícios do povo
espanhol que pegou em armas contra o franquismo?
Para quê, o glorioso esforço das Brigadas Internacionais? Na
óptica de Cartano, os jornalistas soviéticos, Mikail Koltsov (Pravda)
e Ilya Ehrenburg (Izvestia) tinham-se alistado na
propaganda; o alemão Ludwig Renn «era um militante corajoso,
mas um pobre escritor enfeudado à linha do partido». Muitos
encómios para John dos Passos e o seu livro «Aventura de um
Jovem» onde se descreve «como um jovem militante sindicalista
americano descobriu na guerra civil de Espanha as mentiras e as
traições do partido comunista».
Orwell, o denunciante
Surge a figura de
George Orwell. Segundo Cartano, «Orwell não foi para Espanha
fazer turismo literário, à maneira de Byron». Trabalhava com o
POUM(partido dos trotsquistas) e no livro «Homenagem à
Catalunha» que «não é, certamente, um romance» relata «as
batalhas de ruas entre comunistas e anarquistas em Barcelona,
atingindo uma dimensão épica». Orwell, evidentemente, estava
na guerra civil a trabalhar para os serviços secretos da
Grã-Bretanha e dos Estados Unidos com a missão de fornecer
informações sobre os membros das Brigadas Internacionais
oriundos daqueles países.
Mas o edifício dos mitos relacionados com o autor de «1984» e
da «República dos Animais» teria de cair. E caiu, de facto,
quando os sujos objectivos do escritor foram expostos,
publicamente, no seu próprio país, a Grã-Bretanha.
Trabalhava sob o controlo de Celia Kirwan, uma intelectual sabida
e consumada nas «artes» das campanhas anticomunistas e
anti-soviéticas ao serviço de um departamento especial do
Foreign Office. A sua função era informar, denunciar, caluniar.
Entregou listas por si elaboradas das quais constavam mais de 130
nomes de pessoas que, em sua opinião, deveriam passar a ser
vigiadas. Eis alguns dos nomes que Orwell arrastou para a
vigilância dos serviços secretos ingleses:Louis Adamic, John
Beavan, os professores Bernal, Braddock, Blackett, Charles
Chaplin, Richard Crossman, Artur Calder-Marshall, W.P. Coates e
Zelga Coates, Nancy Cunard, Louis Golding, Loster Hutschinson,
Maurice Hindus, C. Day-Lewis, Iris Morley, Joseph McLeod, Hugh
McDiarmid, Ian Mikardo, Sean O'Casey, Liam O'Flaherty, Ralph
Parker, D.N. Pritt, J.B. Priestley, George Padmore, Sir Bernard
Parcs, George Reavey, Peter Smollet, G.B. Shaw, Upton Sinclair,
John Steinbeck, L.J. Solley, Goerge Thomson, Orson Welles, S.
Zuckermann, entre dezenas de outros.