Soma e segue!
Já por várias vezes aqui nos temos
referido à indecorosa invasão da publicidade nas emissões de
todos os canais, uma realidade que, contrariando de forma
provocatória e com o maior dos desplantes as próprias
disposições legais, não cessa de também reflectir a
inconsciência com que se estropia todo e qualquer programa, não
olhando às minutagens obrigatórias, retalhando-os em postas
quase tão grandes quanto as postas dos ecrãs da dita
publicidade e nem sequer olhando à preservação da unidade
estética e artística que pelo menos os programas de maior
qualidade deveriam respeitar.
O mais escandaloso, porém, é quando nos querem impingir «gato
por lebre», ou seja, quando tal ou tal produtora mais
espertalhona vende às televisões determinados produtos
televisivos que funcionam muito mais pelo espalhafato e pelo
barulho visual e auditivo da sua aparência exterior do que pela
verdadeira qualidade do seu conteúdo coisa ainda mais
grave quando o crime em questão é cometido em pleno serviço
público de televisão e, por maioria de razões, naquele «canal
de referência» que, ano após ano, governo após governo,
administração após administração, nos querem convencer que
deve passar a ser a RTP 2!
Vem isto a
propósito de um produto televisivo abjecto e inqualificável que
vem passando com alguma regularidade (até às vezes diária!)
neste mesmo canal, como se fosse a coisa mais importante deste
mundo ou, então (pior ainda!) como se sobretudo servisse para
tapar buracos, às vezes transmitido em duas doses diárias, por
volta da hora de jantar e, para os mais madrugadores, antes de ir
para a caminha.
Chama-se a isto «Meia de Música» e há que
dizê-lo sem ter receio das palavras consubstancia uma
verdadeira fraude cultural sob todos os aspectos, já que, a
pretexto de «divulgar» alguns dos nomes ditos mais famosos e
badalados da música pop, mais não é do que uma
sucessão de video-clips prontos a servir, evidentemente
produzidos em moldes e doses industriais e impingidos pelas
grandes editoras discográficas, na sua estratégia de
promoção, globalização e estandardização do gosto musical.
É esta «coisa» produzida por uma tal Sigma 3,
naturalmente uma produtora externa, sacando por interposta RTP
o dinheirinho que o Governo, por sua vez, retira ao bolso do
contribuinte para financiá-la. Mas uma coisa atamancada, como se
costuma dizer, «com os pés»: uma sucessão de vídeos
desenlatados e colados uns após os outros a fingir um azougado
trabalho de «pós-produção», um genérico para encher o olho,
uma única locução pernóstica e espevitada no início e no
final do «programa» e a inserção, entre os blocos
correspondentes aos grupos, de legendas de fino recorte
literário e analítico, do género: «ora aí está uma
menina que canta e encanta. Sharleen Spiteri, a vocalista dos
"Texas", está de volta juntamente com toda a banda
para mais um disco de sucesso. "The Hush" é o mais
recente trabalho de originais da banda, considerado pela própria
vocalista e pela crítica em geral (!?) como o melhor da
carreira destes escoceses.»
Perceberam?
Mais ainda, como se já não fosse preciso sequer simular qualquer esboço de pudor, a tal produtora externa comete uma objectiva provocação ao espectador ao inserir, com o maior dos desplantes, de forma sorrateira, no genérico final, os nomes das editoras que fornecem os video-clips... mas utilizando expressões como «vídeos gentilmente cedidos por...».
Entenderam?
E quem é que
«gentilmente cede» aqueles vídeos? Grandes multinacionais como
a Universal, a EMI, a BMG, a Warner
como se costuma dizer, é um «fartar vilanagem»! Ou
seja, poupando na publicidade paga, estas e outras empresas
usufruem de um espaço televisivo de borla, às vezes até no
«horário nobre», e com uma duração (aproximadamente trinta
minutos!) que lhes custaria os olhos da cara, se fossem a pagar
pela tabela da RTC.
Entretanto, como toda a gente pode constatar, foram afastados dos
ecrãs da RTP e são hoje completamente inexistentes
quaisquer programas culturais dignos desse nome sobre qualquer
género musical já que estamos a falar desta área
e, mais ainda, dezenas e dezenas de profissionais da mesma RTP
estão desactivados, objectivamente colocados «na
prateleira» ou com a perspectiva sinistra de serem reformados
antecipadamente, enquanto os meios de produção da empresa
continuam completamente subaproveitados pela estratégia de
entregar a produção e a execução de programas a meia dúzia
de privilegiados produtores externos.
E tu, leitor,
continuas paulatinamente a fingir que não vez tudo isto?!
Francisco Costa