O Partido e os trabalhadores |
Nova CUF
com velhos métodos
Ofensiva
na ex-Quimigal
semeia inquietação no Barreiro
Em Setembro, foi anunciado o encerramento da produção de adubos compostos na ADP, medida acompanhada por liquidação de 50 empregos, transferências de 130 trabalhadores para Setúbal com graves prejuízos. A luta foi a resposta, não só dos atingidos directamente, como do restante pessoal da Adubos de Portugal, que vê com cada vez maior preocupação o caminho da empresa privatizada no verão de 1997 a favor de José Manuel de Mello, que agora faz questão de reassumir o nome e a tradição da CUF do tempo do fascismo.
O ponto de vista dos
trabalhadores foi exposto à nossa reportagem durante uma
conversa com Júlia Gonçalves, empregada de escritório,
dirigente do Sindicato dos Químicos (Sinquifa/CGTP) e da
Comissão de Trabalhadores da ADP; José Abreu, operário
químico na ADP, dirigente do Sinquifa e da federação do sector
(Fequimetal/CGTP); Helder Loução, analista químico na Fisipe,
dirigente do Sinquifa e da Fequimetal; e António Cangalhas,
coordenador químico na ADP e membro da Comissão Intersindical
da empresa.
No dia 17 de Dezembro, foi noticiada a aquisição, pelo Grupo
José Manuel de Mello, da participação de 50 por cento que,
para a privatização, em 1997, a Sapec ocupou na ADP. Agora, o
negócio dos adubos no País fica, em mais de 90 por cento, nas
mãos de um grupo económico que foi um dos pilares do fascismo e
cresceu à sua sombra. O PS, após Abril, encarregou-se de criar
todas as condições favoráveis para a recuperação do poderio
perdido (ver «Avante!» N.º 1237, de 14 de Agosto de 1997, «Uma
história de cumplicidades», por Jorge Pires). Agora, ao
retomar a velha denominação da CUF, o grupo Mello procura
acelerar a liquidação dos direitos conquistados pelos
trabalhadores, caminho fácil para o aumento dos lucros.
Duas décadas
para trás
A conversa com os representantes
dos trabalhadores começou recordando que, em meados dos anos 80,
a Quimigal passou de empresa pública a sociedade anónima e
começou a ser desmembrada em 24 empresas. Algumas delas já não
existem, outras já não estão neste grupo empresarial. Uma das
empresas que resultaram do desmembramento foi a Quimigal Adubos,
que após a privatização foi transformada na Adubos de
Portugal, SA, cujo capital passou a ser detido em partes iguais
pelo grupo José Manuel de Mello e pela Sapec, uma ex-concorrente
da Quimigal Adubos.
A privatização, que no início foi de algumas empresas
desmembradas, acabou por atingir todo o universo da Quimigal,
arrastando empresas associadas, como a Fisipe, e outras,
inclusive em África.
O desmantelamento levou, através sobretudo de rescisões, ao despedimento
de 8 mil trabalhadores do grupo Quimigal. Em 1981 tinha 11
mil trabalhadores e, neste momento, as empresas que resultaram do
desmembramento têm, no total, menos de 3 mil.
Apontando um cartaz com a macroestrutura da Quimigal, EP,
recordam-nos que no Barreiro existiam então 69 fábricas, das
quais restam umas doze ou quinze. Em 1984 ainda trabalhavam cerca
de 10 mil pessoas no parque industrial, que agora são cerca de 3
mil mas, destas, apenas cerca de mil se enquadram no
emprego industrial, o resto é tudo serviços, contando um
hipermercado, uma clínica dentária, um restaurante. Há pouco
mais de 15 anos os operários fabris eram mais de 9 mil. Para
além da Quimigal, estavam aqui as tintas Sotinco (hoje na CIN),
a Equimetal (metalomecânica com 900 trabalhadores)...
A Quimiparque, formada para gerir o parque industrial, diz hoje
que estão ali instaladas cerca de 300 empresas. Mas a maior
parte delas, salientam os nossos entrevistados, não passa de
pequenos escritórios e micro-empresas, muitas das quais já
funcionavam noutros locais do Barreiro e apenas se transferiram
para aquele local, sem qualquer impacto na criação de emprego
no concelho. Entre as que verdadeiramente ainda têm importância
sobressaem a Adubos de Portugal, a Plasquisa, a Luzol, a ATM, a
Atlanport... as que estão ligadas à indústria.
O desmembramento e a privatização da Quimigal provocaram
encerramentos de unidades industriais pelo país fora: em
Estarreja, em Ansião, em Lisboa...
Produzir
ou vender?
A Adubos de Portugal actualmente
tem quatro áreas: no Barreiro, a unidade de adubos compostos,
que decidiram encerrar e transferir para Setúbal; em Setúbal,
funciona a Sapec Adubos, cujo capital pertence totalmente à ADP;
no Lavradio, a fábrica de nitratos, alumínio, etc.; e a
fábrica de Alverca.
Em 1997, quando da privatização, a Quimigal Adubos e a Sapec
Adubos tinham 1020 trabalhadores; neste momento, a ADP tem menos
de 800.
Tendo em conta os números dos anos 80, pode-se dizer que a venda
de adubos diminui mais de 50 por cento, pois passou de um milhão
e duzentas mil toneladas, na Quimigal Adubos, para seiscentas
mil, na ADP. Houve diminuição das terras trabalhadas, pelos
efeitos da PAC na nossa agricultura; deixou de haver o grande
consumo de adubos que se verificava no Alentejo, no tempo da
reforma agrária; e há agora o mercado livre de adubos, com
empresas a fazer importação em condições que se podem
considerar de dumping (venda abaixo do preço de custo).
A tradição desta casa tem sido produzir adubos, recordam os
nossos interlocutores.
Mas logo notam que, desde que o grupo Mello formou a Adubos de
Portugal, encerrou armazéns, encerrou entrepostos, agora prevê
o fecho da fábrica do Barreiro... Tem sido uma destruição do
aparelho produtivo e não só, o que leva a crer que irá vigorar
a política da Sapec, que tem vindo a desmembrar todo o seu
aparelho produtivo e tem estado a voltar-se mais para a
comercialização de adubos importados.
Neste momento, salientam-nos, não se vê qualquer interesse do
grupo Mello na produção de adubos em Portugal. A primeira
medida, após a privatização, foi substituir os quadros da
Quimigal Adubos por homens da Sapec Adubos, que tinha apenas uma
quota de 20 por cento no mercado nacional, enquanto a Quimigal
tinha cerca de 70 por cento.
A Sapec Adubos foi, nos últimos de ou 15 anos, o maior cliente
da Quimigal Adubos e da ADP. Ou seja, foi diminuindo a sua
capacidade produtiva, e vendia adubos importados ou comprados à
Quimigal, que manteve a tradição de produção.
Eduardo Catroga, o antigo ministro que tem currículo feito ao
serviço dos Mellos, é administrador da Sapec Adubos e da ADP.
Logo, o encerramento do Barreiro e a transferência para Setúbal
tem a ver com um papel definido para a própria Sapec. Não é
convincente o argumento de que a empresa poupará com o aluguer
das instalações.
É consensual que a filosofia da Sapec foi sempre menos
industrial e mais comercial.
Por outro lado, foi noticiado que o Grupo Mello vai fazer um
investimento superior a 4 milhões de contos em Marrocos, para
produção de adubos, com mão-de-obra ainda mais barata e
matéria-prima ao pé da porta. Fala-se ainda de outros
interesses, como a penetração no mercado africano, que também
ficará facilitada. Ora com uma fábrica em Marrocos, a ADP
poderá então encerrar, parcial ou totalmente, a produção em
Portugal. Em Setúbal ficará o porto de mar privado, da
Sapec, para receber as importações de Marrocos. Mas sobre esta
questão ninguém responde aos representantes dos trabalhadores.
Estes expressam muitas preocupações, sobretudo porque também
já ouvem gente responsável falar em projectos imobiliários
um sector que não é novo na actividade do grupo Mello
para locais onde hoje há fábricas.
Quando se deu o 25 de Abril, recordam, o grupo CUF, tinha 474
empresas com mais de 50 mil trabalhadores, numa grande variedade
de sectores. Já nessa altura tinham começado a descapitalizar a
CUF para investir em áreas não industriais mais lucrativas.
Hoje, os grupos Mello (Jorge e José Manuel) recuperaram e
alargaram posições, porque tiveram sempre dentro das empresas,
mesmo depois da nacionalização, comissários políticos e
homens de mão a defender os seus interesses. Todos esses nomes
podem ser encontrados na estrutura actual do já renomeado Grupo
CUF.
Tal como antes, o grupo tem em vista obter os maiores lucros
pelas formas mais rápidas e mais fáceis. Se isso não exigir
que continue a produção de adubos no Barreiro, em Setúbal ou
em Alverca, os Mellos não terão qualquer prurido em acabar com
ela. Basta haver um poder político que lhes facilite a tarefa.
Os representantes dos trabalhadores da ADP já viram isso suceder
recentemente. Desde Setembro de 1998 estão à espera que o
Ministério das Finanças lhes dê resposta a uma série de
preocupações. Têm presente que o Governo, em 1997, também era
do PS e o primeiro-ministro também era António Guterres. E
querem que fique clara a responsabilidade pela decisão política
de entregar a Quimigal ao consórcio Mello-Sapec que, no concurso
público da privatização, até tinha oferecido um preço mais
baixo que o de outro grupo concorrente, formado por quadros da
empresa. Nessa decisão está a raiz da inquietação que o grupo
Mello semeia hoje no Barreiro.
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Trabalhadores
respondem
com luta e solidariedade
A área dos adubos compostos no Barreiro empregava 130 trabalhadores. Em Setembro foi anunciado que haveria concentração da produção em Setúbal. Dos que estão no Barreiro, haverá 50 ou 60 que têm lugar em Setúbal, uns 20 mantêm-se no Barreiro e Lavradio, menos de 10 irão para Alverca e para cerca de 50 não há qualquer proposta; alguns destes já aceitaram rescindir os contratos, mas há umas 30 pessoas sem colocação, que só têm pela frente a ameaça de um despedimento colectivo como forma de pressão para a rescisão.
Os trabalhadores não se conformaram com este tratamento desumano. No dia 8 de Outubro, fizeram uma greve de duas horas por turno, foi aprovada uma moção que depois foi entregue na Câmara Municipal do Barreiro, de quem tiveram logo toda a solidariedade. Foi também entregue uma cópia a Octávio Teixeira, presidente do grupo parlamentar do PCP, que na altura ali se encontrava e expressou apoio às posições dos trabalhadores.
Para 24 de Novembro foi depois convocada uma greve de 24 horas, em toda a empresa, que foi um êxito, como salientaram ao «Avante!»: pararam totalmente as instalações do Barreiro e Lavradio, com níveis de adesão de 100 e de 85 por cento, não só por parte dos sectores operários, como é habitual, mas mesmo quadros técnicos. Não se tratou de uma greve em que estivessem em causa reivindicações salariais ou outras, mas exclusivamente para defesa dos postos de trabalho e dos direitos dos trabalhadores, e teve muito forte adesão mesmo nas unidades que não são directamente tocadas pelo encerramento dos adubos compostos.
E a luta, garantem, continuou e vai continuar. Aos trabalhadores não resta outro caminho.
Para além do caso grave dos trabalhadores que ficam sem emprego, esta medida prejudica também aqueles que a empresa quer transferir para Setúbal. O que a empresa propõe é uma mudança de entidade patronal, da ADP para a Sapec, sem qualquer compensação, tal como não são compensados pela deslocação diária de 40 quilómetros. Podem perder algumas regalias e ficam até numa situação tão estranha quanto injusta: passam para a Sapec, mas mantêm os ordenados da ADP, que em alguns casos são inferiores.
Se aceitarem estas condições, vão ser prejudicados em quase 600 contos por ano, segundo os cálculos das estruturas representativas dos trabalhadores, que vêem tal tratamento como um desrespeito enorme. Defendem que, se os trabalhadores vão para a Sapec, devem ganhar ao nível da Sapec. Se lhes mantêm os ordenados da ADP, também deviam manter o vínculo à ADP e todas as condições hoje previstas no Acordo de Empresa da ADP, que são mais vantajosas que as da Sapec, como anuidades, prémios, subsídio de alimentação.
A empresa quer também aproveitar estas transferências para implementar a desregulamentação dos horários. Temos no Barreiro laboração contínua, com 5 equipas que fazem 40 horas de trabalho; em Setúbal pretendem fazer a mesma laboração contínua, das mesmas 40 horas, mas com 4 equipas, cobrindo o restante tempo com trabalho extraordinário. Isto custa menos à empresa, mas é ilegal. A escala não pode prever a prestação regular de trabalho extraordinário.
Querem também retirar aos trabalhadores de turno o direito, reconhecido no AE da ADP, ao pagamento de 14 feriados por ano, independentemente de o trabalhador estar ou não escalado para cada feriado em concreto. Isto pode representar uma acrescida perda de rendimentos de quase 200 contos por ano por cada trabalhador.
Há até uma situação de discriminação, neste caso das transferências, porque não dão a quem vai para Setúbal as mesmas condições que oferecem a quem vai para Alverca e que, como compensação, recebe 1500 contos. Só depois da luta dos trabalhadores, é que a empresa admitiu assegurar à sua conta o transporte do Barreiro para a fábrica da Sapec.
Para os trabalhadores que a ADP quer despedir a situação está muito mais complicada: tiram-lhes o direito fundamental, que é o direito ao trabalho. É um problema grave para 30 famílias. Mas quem trabalha como estas pessoas trabalharam não pode ficar descansado. Domingos Mealha