Transgénicos
O milho é a ponta do icebergue


O Ministério da Agricultura anunciou a suspensão da produção de duas variedades de milho transgénico autorizadas em Portugal. Uma medida que relança o debate em torno dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM), tanto mais que nada impede que o milho geneticamente modificado, entre outros OMG´s, continue a entrar no nosso país.

Calcula-se que cerca de trinta por cento das crianças nascidas entre 1956 e 1967 na região da baía japonesa de Minamata tenham sido atingidas pelos detritos tóxicos da fábrica Chiso. O mercúrio incluído nesses detritos concentrou-se na carne dos peixes. Por terem comido peixe contaminado, cerca de um milhar de pessoas morreram e vários milhares sobreviveram gravemente afectadas. As fotografias de homens e mulheres com os membros torturados pela doença e de crianças disformes correram então mundo.
Claro que ninguém tinha programado ou previsto tal desenlace. A lógica do lucro e do curto prazo imperou, como acontece hoje de forma generalizada. Este o problema base quando se avança com qualquer nova técnica ou a aplicação concreta de descobertas científicas.
Não há unanimidade entre os cientistas quanto às possíveis consequências da generalização de alimentos geneticamente modificados. E se se trata, sem margem para dúvidas, de um grande negócio para algumas multinacionais, não é menos verdade que há investigadores envolvidos neste processo que apostam nesta nova técnica pelas potencialidades positivas que nela vêem. Uma opinião que se enquadra nesta perspectiva será publicada em breve no «Avante!».

Os problemas que se colocam não poderão entretanto ser ignorados. E os alertas são múltiplos.

Entre as possíveis consequências da aplicação da engenharia genética nesta área, muitos cientistas prevêem o empobrecimento da biodiversidade, na medida em que a mistura (hibridação) dessas plantas modificadas geneticamente com outras variedades possa criar super-pragas, a eliminação de insectos benéficos ao equilíbrio ecológico do solo, o aumento da contaminação dos dolos e lençóis de água, devido ao uso intensificado de agrotóxicos e, consequentemente, o desenvolvimento de plantas e animais resistentes a uma ampla gama de antibióticos e agrotóxicos.
Consequências preocupantes para a saúde humana poderiam ser o aparecimento ou aumento de alergias provocadas por alimentos geneticamente modificados, o aumento da resistência a antibióticos e o aparecimento de novos vírus.
Particularmente grave é a impossibilidade de controlar consequências negativas da introdução destas novas espécies manipuladas geneticamente, pois os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), por serem formas vivas, são capazes de sofrer mutações, multiplicar-se e disseminar-se no ambiente.

Joaninhas, borboletas-monarca
e doenças raras

Em Maio deste ano, a Comissão Europeia suspendia a homologação de novas variedades de milho manipulado, na sequência da publicação de um artigo na revista Nature, em que investigadores norte-americanos revelavam que o pólen de milho transgénico matou quase metade das borboletas-monarca de uma experiência.
Não se trata de um facto isolado. É frequentemente citado, por exemplo, o caso de uma experiência escocesa em que joaninhas alimentadas com afídios que tinham crescido com batatas transgénicas, viram a sua média de vida reduzida a metade, além de terem posto menos ovos do que o normal. Numa outra experiência em que ratos foram alimentados ao longo de dez dias directamente com batatas transgénicas cozidas, as autópsias revelaram alterações altamente significativas do peso dos animais e alterações frequentes de órgãos ligados ao sistema imunitário, como o baço e o timo.
Em termos de saúde - e sem dúvida, para nós, essa é uma questão fundamental - são muitas as dúvidas. Há exemplos de falhas graves - claro que pouco divulgados. Em documento conjunto da Quercus, Associação Nacional de Conservação da Natureza e Deco, Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, refere-se, nomeadamente, o caso de uma doença raríssima do sistema imunitário que atingiu vários milhares de pessoas, nos EUA, porque consumiram um suplemento alimentar produzido por uma empresa japonesa a partir de uma bactéria transgénica. Morreram 37.
A possibilidade de reacções alérgicas ao emprego de transgénicos na alimentação ou mesmo do aparecimento de doenças novas, são preocupações frequentemente referidas.
Questiona-se, por outro lado, até que ponto o emprego generalizado de genes que conferem resistência aos antibióticos em plantas transgénicas não irá resultar no aparecimento de mais bactérias patogénicas resistentes aos mesmos antibióticos.
Não se trata aqui da opinião de um ou outro cientista.
Em Novembro de 1998, o Comité Científico para as Plantas da Comissão Europeia, pronunciou-se contra a comercialização de batatas geniticamente modificadas pela companhia holandesa Avebe, por o tubérculo conter genes resistentes à Amicacina, considerado como um antibiótico de emergência, um último recurso para salvar vidas. Um inquérito publicado em Novembro de 1988, no boletim da Sociedade Internacional de Quimioterapia, mostrou que muitos especialistas que trabalham na área da quimioterapia consideram a presença do gene resistente ao antibiótico, que se encontra no milho da Novartis (uma das grandes empresas agroquímicas, suíça), como um risco inaceitável.

Transgénicos
à nossa mesa

Entre 1996 e 1998, as superfícies de terras semeadas com sementes geneticamente modificadas multiplicaram-se por dez. 27 milhões de hectares de plantas transgénicas foram cultivadas no mundo em 1998, contra 2 milhões em 1996. O continente americano semeou 20 milhões de hectares de soja. O mercado potencial das principais culturas transgénicas - soja, milho, algodão, colza e girassol - está avaliado em 177 milhões de hectares, ou seja, cerca de 66 por cento da superfície total semeada a nível mundial em 1997.

Em Portugal, duas empresas norte-americanas - a Monsanto e a Pioneer -, e outras europeias - Novartis (Suíça) e AgrEvo (Alemanha) - têm em curso, em várias zonas do país, cerca de duas dezenas de campos de ensaios com milho geneticamente modificado. Neste momento está ainda em curso uma experiência com eucaliptos da Celbi. Em 1993 tiveram lugar as primeiras experiências, com tomate. A batata foi outro dos produtos transgénicos cultivados experimentalmente, entre 1993 e 1995.

Entre os alimentos que podem desde já ser produzidos a partir de plantas transgénicas figuram a banana, a beterraba, o trigo, o cacau, o café, a chicória, a colza, a couve, o pepino, o algodão, a abóbora, a alface, a mandioca, a batata, o arroz, a soja, o tabaco, o tomate, o girassol e as uvas.

Em síntese, estão em causa as principais componentes das nossas refeições do dia-a-dia, tanto mais que o trigo, o milho e a soja são também transformados em carne de galinha, de porco, de vaca e em produtos lácteos.

Nas prateleiras dos nossos supermercados, são muitos os produtos que incorporam OGM, sem qualquer informação, no rótulo, ao consumidor. Em trabalhos realizados este ano pela revista ProTeste e pelo semanário Expresso, são referidos produtos que vão desde as salsichas Izidoro aos nacos de soja Salutem, passando por diferentes tipos de bolacha.

A situação é esta e, independentemente das opiniões sobre os perigos ou potencialidades dos OGM, uma coisa é certa - sabe-se muito pouco sobre as possíveis consequências da sua generalização. Ao nível da saúde. Ao nível do ambiente. E os riscos não podem ser escamoteados.

Que fazer?

No resumo na proibição do milho Bt, o governo norueguês afirmava que «o produto não pode ser considerado como uma contribuição importante nem no plano social nem para o desenvolvimento sustentável. Eticamente falando, não existem provas de que os seus benefícios sejam superiores aos riscos para a saúde que lhe são inerentes».
Em causa está, neste caso, o princípio elementar da precaução.
No nosso país, segundo uma sondagem oficial da Comissão Europeia, 64% das pessoas estariam interessadas em ver todos os alimentos transgénicos devidamente rotulados.
São talvez pequenas coisas. E sem dúvida importa fazer muito mais. Reivindicar a informação que é escamoteada, questionar, interpelar os poderes, exigir o apoio a caminhos alternativos.
É que - e aqui citamos Fabien Perucca e Gérard Pouradier em Há lixo nos nossos pratos - «já é demais. Apanhar uma cenoura num campo é perigoso, colher uma maçã da árvore tornou-se um gesto suicida, saborear um entrecosto é um acto de heroísmo, as vacas já não reconhecem o seu próprio leite e os padeiros já não sabem de que é feita a sua farinha (quando as padarias não são puros e simples terminais de cozedura)».


Um grande negócio

Em termos financeiros, o mercado das culturas transgénicas está avaliado em 1,5 mil milhões de dólares, tendo alcançado em 1998 mais de 75 milhões de dólares, o que corresponde a um crescimento de 400 por cento em apenas quatro anos.
São cinco os gigantes da indústria mundial agroquímica, todos eles directamente envolvidos no mercado mundial de produtos geneticamente modificados - Monsanto (EUA), Novartis (Suíça), Zeneca (Reino Unido), AgroEvo (Alemanha) e Dupont (EUA).
O maior destes grupos da indústria química e biotecnológica, a Monsanto projecta grandes culturas de produtos agrícolas geneticamente modificados para todo o planeta, em particular de soja, algodão, colza e milho.
Em dois anos investiu 2,5 biliões de dólares (180 milhões de contos) para se consolidar como líder das biotecnologias.
Dos 12,14 milhões de hectares de culturas transgénicas plantadas no mundo, em 1997, 7,68 milhões são dos laboratórios do grupo Monsanto. 60% dos alimentos industriais comercializados no mundo contém soja, 25% da produção americana de soja, exportada em grande parte, sai da produção de grãos oleaginosos geneticamente modificados produzidos pela Monsanto.
A Europa e em particular os EUA aprovaram entretanto legislação que permite à indústria agro-alimentar assegurar os direitos exclusivos e a cobrar taxas tecnológicas sobre as sementes e os produtos.
Nos últimos anos tem sido investido muito dinheiro no desenvolvimento de sementes suicidas, o que obrigaria os agricultores a comprarem novas sementes para a cultura seguinte porque as originais são estéreis.

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«Os Verdes» exigem moratória

Apesar dos alertas e protestos lançados na altura pelos «Verdes», o Ministério da Agricultura autorizou, em Fevereiro último, o cultivo em Portugal de duas variedades de milho transgénico (Elgina e Compa CB).
Vem agora, finalmente, o governo, dando razão aos «Verdes», proibir o cultivo dessas duas variedades de milho.
«Os Verdes» consideram tratar-se de uma medida insuficiente, uma vez que a importação e a colocação no mercado de OGM´s continua a verificar-se e portanto os riscos para a saúde continuam presentes.
O Partido Ecologista «Os Verdes» entende que a questão dos Organismos Geneticamente Modificados só conhecerá medidas sérias com a proibição da sua produção, importação e comercialização.
Uma vez que a libertação no ambiente de OGM´s deve ser precedida de um estudo e de uma avaliação rigorosa e independente dos riscos envolvidos, «Os Verdes», fazendo um apelo ao princípio da precaução e não encontrando motivos para que Portugal possa arriscar num processo que se tornará irreversível, entendem que é necessário parar para avaliar os riscos e os efeitos dos Organismos Geneticamente Modificados na saúde e no ambiente, durante um período de tempo necessário para realizar estudos sobre o efeito destes produtos na saúde humana e dos animais e ao mesmo tempo para permitir que se faça uma avaliação dos riscos sobre a introdução desses produtos nas nossas culturas.
Foram estes os motivos que nos levaram a apresentar, no início do mês de Dezembro, um Projecto de Lei (43/VIII) que «proíbe a comercialização e importação e produção com funs comerciais de OGM´s».


A comida de Frankenstein

No início do Verão passado «Os Verdes» divulgaram um conjunto de esclarecedoras questões sobre transgénicos que, pela sua actualidade, aqui relembramos.

Sabe o que é um Organismo Geneticamente Modificado (OGM), também chamado transgénico?

O OGM é um organismo animal ou vegetal cujo código genético foi alterado com o objectivo de aumentar a sua capacidade de crescimento e a sua resistência às condições climatéricas, às doenças e pragas e até aos próprios pesticidas.

Sabe que os OGM podem entrar diariamente na nossa casa sem que disso tenhamos conhecimento?

Os OGM são sobretudo utilizados em plantas como o milho, a soja, a batata, o tomate e entram também na composição de muitos alimentos que pomos, sem saber, no prato dos nossos filhos: salsichas, bifes de soja, alguns chocolates, cereais biscoitos, etc., etc.? Também por via indirecta podemos estar a ingerir carne contendo transgénicos, sem o sabermos, porque os OGM também são utilizados nas rações para animais.
Lembra-se do perigo das vacas loucas?

Sabe que entre a comunidade científica há enormes dúvidas e uma acesa polémica sobre os riscos que estes produtos representam para os consumidores e para a saúde?

Com efeito, vários estudos científicos realizados na Europa, com ratos, insectos e pássaros alimentados com produtos transgénicos, demonstraram as suas consequências: alterações e deficiências no sistema imunitário, no crescimento e no desenvolvimento.
As experiências revelaram, ainda, que estas manipulações genéticas podem, para além de afectar o sistema imunitário, provocar alergias e aumentar a resistência aos antibióticos, ou seja, vários medicamentos podem deixar de Ter efeito e dificultar assim a cura de doenças nos seres humanos.

E sabe que, para o ambiente, as dúvidas também são muitas?

Os possíveis impactos sobre o ambiente resultantes da introdução de OGM´s no meio têm como ameaças eminentes: a contaminação de culturas; o crescimento desmedido e descontrolado de espécies daninhas, hiper-resistentes; a extinção de outras e efeitos devastadores sobre a diversidade biológica através, designadamente, da utilização de sementes esterilizadas e dos respectivos efeitos nos processos de polinização, da invasão e destruição de habitats, fonte de alimentação de animais selvagens.

Sabe que só entre 1996 e 1998 o volume de negócios resultantes da venda destes produtos aumentou 6 vezes?

Com efeito, este é um negócio extremamente rentável, para as multinacionais que detêm o exclusivo deste mercado e da sua pesquisa que lhe está associada e que, com a cegueira do negócio e do máximo lucro, põem em causa o equilíbrio dos ecossistemas e a saúde pública.

E sabe que em Portugal também se cultivam transgénicos?

Pois é, nalguns campos de cultivo do Ribatejo já foram detectadas plantações de milho e eucalipto geneticamente modificados.

E sabe que o nosso Governo continua calmamente indiferente a toda esta polémica e a invasão dos nossos mercados é total?

Com o risco que isto significa para a saúde dos consumidores e para o ambiente, a verdade é que Portugal constitui um dos raros países da união Europeia que não tomou nenhuma medida preventiva.

 

Em defesa do consumidor

«A defesa do consumidor exige que haja uma informação muito precisa e completa sobre os alimentos, incluindo a relativa aos novos alimentos para animais e a rotulagem de produtos isentos de OGM», considerou a deputada comunista Ilda Figueiredo no debate no Parlamento Europeu sobre a rotulagem dos géneros alimentícios geneticamente modificados.
Ilda Figueiredo defendeu a revisão de toda a legislação «em matéria de alimentos e produtos derivados geneticamente modificados de forma a garantir uma avaliação prévia dos riscos visando a defesa da saúde dos consumidores».
Em declaração de voto, a deputada defendeu que a Comissão «proponha novos critérios de testagem e rotulagem a todos os novos alimentos e auxiliares tecnológicos derivados de modificações genéticas, incluindo uma especial atenção aos produtos obtidos a partir de animais alimentados com produtos que contenham OGM».



«Avante!» Nº 1362 - 6.Janeiro.2000