ENIGMAS
russos
Há muito que os «enigmas» sobre o que se
passa na vida política russa se tornaram coisa corrente. Há
demasiados factores emaranhados em jogo. Há demasiado jogo na
sombra e batota vária. Há enorme desinformação e pouca
informação fidedigna. Natural pois que, para observadores
responsáveis, sejam mais as interrogações que as respostas.
Tal aplica-se muito justamente a uma série de importantes
acontecimentos ocorridos na Rússia nos últimos meses. Com
cautela, pois, refiram-se todavia alguns pontos dignos de
registo.
Sobre os resultados nas eleições para a Duma, a 19 de Dezembro, sublinhe-se que os comunistas do PCFR, apesar do total silêncio mediático de que foram cercados na campanha eleitoral, voltaram a afirmar-se como a maior força política da Rússia, aumentando tanto em percentagem (24,9%) como em número de votos. E anote-se o êxito espectacular do recém criado partido «Unidade/Urso» (forjado fundamentalmente em torno da figura de Putin), que obteve 23,33% - mas tenhamos aqui cuidado em não ser simplistas na explicação do êxito e na interpretação do significado deste voto. Seriam de assinalar os resultados de outras forças. Mas mais esclarecedor virá a ser como se vão constituir e arrumar os grupos parlamentares. A abertura da Duma e o seu primeiro voto a 19 de Janeiro dá já algumas indicações: eleição como Presidente da Duma do comunista Seleznov, por 285 votos contra dois e o boicote de uma centena e tal de deputados; mais a grossa parte da presidência das 27 Comissões para os comunistas (9) para o «Urso» (7) e 5 para o recém formado grupo «Deputados do Povo». Indicações e interrogações porque a rearrumação apenas começou, mas não acabou...
A inesperada (?) auto (?) demissão de Ieltsine em 31 de Dezembro - com a nomeação de Putin como Presidente interino, na expectativa de vencer as eleições de Março próximo - podendo ser outro «enigma» é um marco relevante. Que o Czar Ieltsine estava pelas ruas da amargura, é facto seguro. E é de anotar que imediatamente o PCFR reagiu nestes termos : «O partido do poder ieltsiniano caiu - tal o resultado da luta de uma década dos comunistas e patriotas da Rússia.» Do descrédito interno de Ieltsine, face ao desastre social, económico, moral e político da «transição» para o capitalismo, já se sabia. Mas agora são os próprios porta vozes dos mandantes estrangeiros, que cozinhavam as suas «reformas democráticas a caminho da economia de mercado», que vêm confessar que o resultado foi o «caos» - e podiam multiplicar-se as citações dos sapientes peritos que agora o dizem e antes o endeusavam. Esta a negra e pesada herança ieltsiniana.
E agora, como vai ser com Putin? Novo «enigma», mesmo para os «peritos» mais «conhecedores» dos meandros e segredos do meio, assaltados pelas dúvidas. «O enigma Putin», titula em página inteira o El País (6/1) - afirmando que «sem repudiar a herança de Ielstine é quase impossível salvar este país. E esse legado não podia ser mais negativo.» The Economist (8/1) titula o seu editorial «Putin, o Grande Desconhecido» - para concluir que, quanto ao «benefício da dúvida» geralmente concedido, a sua opinião se «inclina mais para a dúvida que para o benefício». Muitos outros não fogem à temerosa expectativa. Mas, mais pronta e segura, Madeleine Allbright logo disse que Putin era um «homem duro, muito determinado, virado para a acção. Penso que devemos vigiar (sic!) os seus actos com muita atenção.» (DN, 3/1). E alguns actos começam a justificar os temores: resistências às ingerências externas no Cáucaso, nova doutrina de Defesa, o referido voto na Duma, um começo da limpeza nas cavalariças do Kremlin... A seguir com atenção.
Que concluir? Com tantas interrogações em
aberto, é melhor esperar para ver. Mas nada poderá ser feito
para levar a Rússia num caminho de salvação, sem sacudir o
jugo colonial que lhe vem sendo imposto, sem contar decisivamente
com as suas próprias forças, sem pôr a sua economia a
produzir, o seu povo a viver melhor, regras cívicas a funcionar.
E, claro para nós, sem que os trabalhadores se organizem e
lutem, forjando uma ampla frente política pelo progresso social
e a democracia, a independência e a paz. Por aí, o mundo
ficará mais seguro para todos os povos. Carlos
Aboim Inglez