Liberdade religiosa
Lei deve preceder revisão da Concordata



Em debate faz hoje oito dias, os projectos de lei do PS, BE e PSD sobre «liberdade religiosa» são hoje sujeitos a votação. Para a bancada comunista – e foi esta a posição de princípio já anunciada -, importa que os dois primeiros (o subscrito pelos deputados laranja é marginal às questões em apreço) passem à fase de especialidade, pelo que orientará o seu sentido de voto (que à partida é de abstenção) em função do cumprimento daquele objectivo.

Consensual parece ser a ideia de que importa rever algumas situações que perduram no nosso País, não obstante os anos decorridos desde o 25 e Abril e os princípios acolhidos no texto constitucional. Aspectos estes que pela sua natureza negativa, são contraditórios, aliás, como sublinhou João Amaral, com outros claramente positivos resultantes do regime democrático instituído com a Revolução dos Cravos.
A subsistência de normas inconstitucionais, as violações do princípio da igualdade materializadas em situações de favor e a discriminação entre confissões religiosas, constituem algumas dessas situações que, pela «consciência da sua insustentabilidade», urge rever. Nesse sentido se pronunciou João Amaral, lembrando, designadamente, que esse consenso existente está hoje corporizado na ideia de aprovação de uma lei de liberdade religiosa e de revisão da Concordata com o Estado do Vaticano.
E foi na necessidade de concretizar estes dois objectivos que acabou por se centrar grande parte do debate. Se a sua oportunidade não levantou dúvidas, já o mesmo não se pode dizer da proposta de resolução do PS para início do processo de revisão da Concordata, a qual, que no entender do PCP, abriu caminho a um «problema metodológico».
Interrogando-se sobre o que deve ser feito primeiro – se a elaboração da nova lei ou a revisão da Concordata – João Amaral não hesitou em considerar que a prioridade deve ser dada à definição da lei que regule a liberdade religiosa. O contrário, sustentou, seria «uma inversão do processo tal como deverá ocorrer no respeito pela soberania portuguesa».
Posição diversa assumiu a bancada do PS, com Jorge Lacão a argumentar que um tal cenário, isto é, a aprovação prévia de uma lei de liberdade religiosa, poderia «vir a comprometer a revisão coerente das disposições que actualmente regulam aspectos relacionais do Estado com as confissões religiosas».
Uma tese que João Amaral contestou, afirmando que a aceitação do argumento da prioridade à revisão da Concordata seria «aceitar que o papel da Assembleia da República, quando vota uma lei, é de mera certificação notarial».
Daí o entendimento de que, primeiro, deve ser aprovada a lei, cuja matriz só pode ser a própria Constituição. «Propor o contrário desta metodologia – advertiu o deputado comunista - , isto é, propor que primeiro o Governo faça a negociação da revisão da Concordata, seria pôr a Assembleia da República a reboque da Concordata e espartilhar irremediavelmente o debate e a decisão parlamentares».
Para a bancada do PCP, que anunciou a intenção de propor um conjunto de propostas em sede de especialidade, importa que este debate seja «participado e cuidado». Nesse sentido, para que «as diferentes visões do problema» tenham possibilidade de se pronunciar, fez ainda saber que apresentará uma proposta no sentido de os diplomas serem objecto de um debate público. Um debate que, segundo João Amaral, «deve durar o tempo suficiente para permitir uma intervenção alargada, não só das comunidades religiosas, mas também das universidades, associações de defesa dos direitos fundamentais, personalidades e especialistas que se tenham debruçado» sobre esta problemática.


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000