O PSD, o PS, e o sindicato da Polícia

Por António Filipe


O debate sobre o sindicalismo policial que chegou a estar marcado para o passado dia 23 de Março, foi, como se sabe, adiado. Esse adiamento, não ficou a dever-se a qualquer jogada táctica do PCP, como chegou a ser noticiado, mas à necessidade de respeitar imperativos constitucionais. A questão é que o Projecto de Lei do PCP que garante aos profissionais da PSP o direito à constituição de associações sindicais não se encontra ainda em condições de ser votado pela Assembleia da República na medida em que decorre o período de consulta pública a que, nos termos da Constituição e da Lei, são sujeitos todos os projectos de diplomas relativos aos direitos dos trabalhadores. Assim, mesmo que o debate se tivesse realizado no passado dia 23, a votação não poderia ter lugar antes que se conclúa a consulta pública em curso.
Portugal é o único país da União Europeia onde os profissionais da polícia não têm direito a constituir sindicatos. Mesmo a Grécia, que durante muitos anos compartilhou connosco o isolamento quanto a esta questão, passou já há alguns anos a admitir os sindicatos da polícia, pelo que a situação de Portugal neste domínio é hoje a de, rigorosamente só.


Falta de argumentos

Os partidos de direita que se opõem à autorização legal para a criação de sindicatos de polícia não têm nenhum argumento a seu favor. Toda a sua argumentação, que consiste afinal em agitar fantasmas de insegurança, de indisciplina, ou de autêntica calamidade pública que decorreriam da criação de sindicatos da PSP, é completamente destruída pelo simples facto de existirem sindicatos de polícia por todo o lado sem que isso signifique qualquer indisciplina, insegurança ou calamidade, e mesmo pelo facto, bem mais próximo de nós, de existir um sindicato da Polícia Judiciária e outro da Guarda Prisional sem que tais fantasmas saiam à rua.
A razão é outra. O que se passa é que a direita portuguesa nunca se libertou de uma concepção reaccionária da vida social que a leva a considerar o sindicalismo e os direitos dos trabalhadores em geral, não como elementos fundamentais de progresso social, mas como algo a combater e a denegrir perante a opinião pública. A que acresce, dentro do mesmo quadro de valores, uma concepção autoritária que vê a polícia não como um serviço público para defesa dos cidadãos, mas como um corpo repressivo destinado a ser utilizado precisamente contra os próprios cidadãos.
É preciso que se diga porém que não é por responsabilidade exclusiva do PSD e do PP que os profissionais da PSP não podem ainda ter o seu sindicato. Quem não tiver a memória excessivamente curta lembrar-se-á que ainda há menos de quatro anos o Governo PS apresentou uma Proposta de Lei sobre os direitos de participação do pessoal da PSP que não admitia a constituição de sindicatos.
Dir-se-á que isso pertence ao passado, na medida em que o actual Governo apresentou uma Proposta de Lei que possibilita o sindicato da PSP, ainda que sem direito à greve. Só que antes disso, o PS procedeu a uma revisão constitucional que, ao fazer depender de dois terços a aprovação de uma lei que possibilite a criação desse sindicato, ofereceu de bandeja ao PSD a possibilidade de o inviabilizar.


Meros pretextos

Por seu turno, o PSD, à medida que os seus argumentos escasseiam, vai recorrendo cada vez mais a meros pretextos para inviabilizar os sindicatos da polícia. O PSD opõe-se, mas já não tem a coragem de o assumir. Até há pouco tempo, inviabilizava o sindicato da PSP porque os Projectos apresentados não previam o direito à greve e, nos termos da Constituição – dizia o PSD – não podem existir sindicatos sem direito à greve. Acontece porém que o Projecto de Lei apresentado pelo PCP não priva os profissionais da PSP do direito à greve. Então, o PSD foi obrigado a mudar de argumento. O problema agora já não é o de não poder haver sindicatos sem direito à greve, mas antes o de a Constituição não proibir os polícias de fazer greve. E daí que, para o PSD, só pode haver sindicato de polícia de houver mais uma revisão constitucional que restrinja os seus direitos.
É evidente que esta conversa, que não passa de um conto do vigário, por sinal pouco imaginativo, não iliba o PSD das responsabilidades que vai ter de assumir quanto a Assembleia da República for chamada a debater e a votar a lei sindical para a PSP.


«Avante!» Nº 1375 - 6.Abril.2000