Cooperação
solidária
PRECISA-SE!
Hoje, dia 3 de Abril, inicia-se no Cairo a
Cimeira Europa-África realizada sob o patrocínio da OUA e da
UE. É uma boa notícia. O PCP sempre apoiou a sua realização.
Claro que não há que esperar muito desta "Cimeira".
Os problemas e contradições de interesses em jogo são muito
sérios, têm profundas raízes, não se resolvem nem superam com
boas palavras que passem ao lado do essencial. Há questões de
tal modo graves, que se não forem abordadas com frontalidade,
compreensão e sentido de responsabilidade, podem degenerar em
explosões de enorme proporções.
Penso desde logo e em primeiro lugar no garrote da Dívida
Externa que está a drenar do desenvolvimento os já fracos
recursos da grande maioria dos países africanos. Mas penso
também no iníquo sistema de trocas desiguais; nos planos de
"ajustamento estrutural" impostos pelo FMI/BM; nas
imposições leoninas das multinacionais; nas ruinosas
orientações neoliberais da OMC...., ou seja, em todo um sistema
de exploração e dominação imperialista neo-colonial que está
não só a impedir os povos africanos de tirar proveito dos
imensos recursos materiais do continente como a impôr terríveis
regressões sociais e a levar o sofrimento e a morte a centenas
de milhões de seres humanos.
É aqui que bate o ponto. Para o
desenvolvimento das relações entre os países da União
Europeia e os países africanos - que de modo algum devem ser,
como se pretende em Bruxelas, transferidas para instâncias
federalistas supranacionais - é indispensável reconhecer que
uma autêntica política de cooperação, vantajosa para os
países africanos e da União Europeia, tem necessariamente que
eliminar a escandalosa situação em que os países mais pobres e
atrasados se tornaram contribuintes líquidos do centro
capitalista desenvolvido.
É também necessário pôr definitivamente de lado paternalismos
de pendor racista, indisfarçáveis neo-colonialismos,
propósitos imperialistas proclamados com crescente insistência.
A retórica dos «Direitos Humanos», do «pluripartidarismo»,
da «democracia», tem fundamentalmente servido de cortina para a
brutal ingerência nos assuntos internos dos países africanos,
para desestabilizar regimes que desagradam ao imperialismo, para
comprar, corromper e impôr governos subservientes, criar elites
cosmopolitas e fomentar uma classe burguesa parasitária amarrada
aos interesses das transnacionais e das grandes potências.
E é preciso rejeitar firmemente a ideia,
cinicamente difundida, de que os africanos não estão em
condições por si próprios de resolver os seus problemas, viver
em paz, assegurar o seu próprio caminho de desenvolvimento. A
raíz dos dramáticos conflitos e consequentes desastres
humanitários que atravessam o continente são basicamente
herança do passado colonial, da contra-ofensiva imperialista
(após o desaparecimento da URSS e do campo dos países
socialistas) para a recolonização da África, e da disputa
entre as grandes potências por esferas de influência.
Na Cimeira do Cairo estarão os governos, não os povos. Ou
melhor, estarão muitos poucos governantes efectivamente
sintonizados com os interesses e as aspirações dos
trabalhadores e das massas populares dos seus países. O que não
retira real importância ao que ali se passar e decidir. Na
certeza de que só com um outro rumo da construção europeia e
uma segunda vaga do movimento de libertação nacional africano
será possível a cooperação desinteressada, mutuamente
vantajosa, solidária, capaz de refundar pela esquerda os laços
entre os dois continentes. Albano Nunes