25 DE ABRIL SEMPRE!

Capitão de Abril Dinis de Almeida conversa com jovens
Filhos da Revolução

Texto de Isabel Araújo Branco



Convidámos Dinis de Almeida, destacado Capitão de Abril, a guiar um grupo de jovens na exposição «Fotos de Abril» de Eduardo Gageiro. Ouvimos o relato de experiências únicas contadas na primeira pessoa, assistimos ao desfazer de dúvidas daqueles que não viveram a revolução e acompanhámos a troca de opiniões sobre uma das datas mais importantes na história do nosso país.


Fez anteontem 26 anos que centenas de oficiais saíram à rua com os seus soldados fazendo o 25 de Abril e dando início a um processo revolucionário que transformou o País.
26 anos é muito ou pouco tempo? A História ensina-nos que, perante os milhares de anos de experiência e evolução do homem, é uma minúscula fracção de tempo. Mas, para os jovens, 26 anos é toda uma vida e até mais do que isso.
O que quer isto dizer? Primeiro, que não viveram a revolução mais florida de que Portugal foi palco. Depois, que o que poderão saber dela é fruto de conversas com familiares e amigos, do estudo na escola, de interesse literário e de trabalhos jornalísticos.
As dúvidas são muitas. Começam pela troca de nomes. Os mais pequenos procuram simplificar e perguntam aos pais se determinada pessoa era «dos bons» ou «dos maus». E há as histórias agora mirabolantes do que se podia e não se podia fazer.
Como parece hoje impossível que fosse proibido juntarem-se mais do que três ou quatro pessoas na rua, que as mulheres casadas precisassem da autorização do marido para sair do País, que todos se sentissem imperiosamente proibidos de falar de política, que não houvesse salário mínimo, que os funcionários públicos fossem obrigados a trabalhar de gravata, que a censura fosse diária e profunda!


Participação popular

Para contar um pouco da história do 25 de Abril, convidámos Dinis de Almeida, destacado Capitão de Abril que desempenhou um importante papel no processo revolucionário, e um grupo de oito jovens, com idades entre os 18 e os 26 anos. O encontro decorreu ao longo da exposição «Fotos de Abril», de Eduardo Gageiro, inaugurada na semana passada no Museu da Electricidade, em Lisboa.
Da conversa uma ideia ficou bem clara: a importância extrema da participação popular na revolução. «Se não fosse a população estar junto dos militares, o grau de motivação, extremamente contagiante, não teria sido possível», diz Dinis de Almeida. «Passámos a ter os soldados do nosso lado, não apenas disciplinarmente mas também afectivamente.»

«Era uma luta extremamente difícil, tanto mais que 48 anos de regime dão uma certa ideia de intangibilidade do mesmo. Enquanto a motivação não estivesse clara, era preciso esse reforço. E aí não sei se o Movimento das Forças Armadas foi capaz de antecipar as melhores soluções, porque até fez a asneira rotunda (que felizmente foi ultrapassada) de pedir para que ninguém saísse de casa. Imaginem que a população tinha obedecido!»


Preparar a revolução

«Uma revolução leva-nos a frequentes situações de compromisso, em que temos de conciliar extremos inconciliáveis. Um deles era ter toda a gente avisada de que iríamos fazer a revolução e que estariam todos preparados para actuar. Ao mesmo tempo era não dizer a ninguém, para a Pide não saber», conta o Capitão de Abril.
«Tivemos de optar naturalmente por uma grande reserva. Eu não disse a certas pessoas, como à minha própria mãe, mas ao mesmo tempo não deixei de convidar para reuniões camaradas que o próprio regime me impedia de conhecer politicamente a fundo. Normalmente aquilo que nos aproximava eram as amizades pessoais, mas adivinhar quem são os que vão aderir à revolução não é fácil.»
Dinis de Almeida lembra que convidou para uma reunião preparatória da revolução um major que a viria a denunciar. «Sem dúvida que o Governo sabia o que se estava a passar, mas sabia mal. Se os vínculos de desconhecimento tornavam difícil para nós saber quem eram os outros politicamente, também acontecia o mesmo com eles em relação a nós.»


Presos políticos

«Estávamos todos em plena formação política, mesmo os universitários e os trabalhadores que tinham determinadas certezas. A oposição a uma ditadura é uma bandeira extremamente mobilizadora, o pior é quando a ditadura cai e há que construir», refere Dinis de Almeida.
No 1.º de Maio foi já possível testemunhar algumas clivagens. «O problema foi quando as multidões começaram a apoiar em Lisboa unidades de esquerda, e em Vila Real a apoiar unidades de direita. Então, cada um de nós saía convencido que estava cheio de razão e que o povo estava com ele.»
Mas algumas questões eram unânimes, como a libertação dos presos políticos. Só a Junta de Salvação Nacional tardou em concordar. «Queriam arranjar critérios que levavam a que boa parte dos presos políticos lá ficasse dentro. Mas a pressão foi muito grande e acabaram por ser libertados. O Spínola cedeu no acessório e manteve o essencial, transigindo em relação àquilo que poderia virar-se contra ele na época.»

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Otelo Saraiva de Carvalho, catavento político

A pressão internacional sobre o processo revolucionário foi um dos temas abordados pelo grupo. Dinis de Almeida lembrou a ligação de vários indivíduos à CIA, mas também que «os americanos a dada altura tinham perdido o processo».
O que se passou então? «O problema foi uma pessoa chamada Otelo Saraiva de Carvalho, que traiu o processo por incompetência e cobardia. Não sei se hoje teríamos conservado a vitória, depois do que se tem passado no mundo. Mas também não sabemos qual o efeito na Europa se a revolução portuguesa tivesse triunfado.»
«O Otelo dispôs objectivamente de condições e de força militar para ao longo do processo fazer pender a revolução para uma vitória de esquerda. Mas introduziu sempre factores de distorção desse poder, porque nunca compreendeu que as palmas dadas à direita eram palmas de aproveitamento e temeu sempre que as palmas dadas à esquerda o fossem», afirma Dinis de Almeida.
«O Otelo nunca soube o que queria, aliás não lembra ao diabo pôr uma pessoa daquelas à frente da revolução. "Então ele está a falar do que escolheu?", perguntam vocês. Eu não escolhi, aliás muitos de nós não escolhemos. O Otelo era boa pessoa, era um bom camarada, era um tipo afável, normalmente competente», diz.


Incoerências

«A grande coerência que eu aponto ao Otelo é o elevado narcisismo. Todas as atitudes, se forem vistas à luz de um afã de valorização e de um fortíssimo narcisismo, já têm coerência. Estar à esquerda e à direita afinal é coerente. Porquê? Se lhe baterem palmas à esquerda, ele agradece e diz coisas de esquerda. Se for a um palco de direita, fará exactamente aquilo que se espera dele aí. Há coerência narcísica em Otelo, que portanto implica uma incoerência política. Acaba por ser um catavento sujeito aos ventos e às pressões. Foi o que se passou», afirma Dinis de Almeida.
«No 25 de Novembro, Otelo dá ordens para os paraquedistas saírem, mas deve ter-se assustado com aquilo e desaparece várias horas. Como comandante principal dá as ordens, compromete unidades, dá instruções para ficarmos em alerta permanente e depois afasta-se. É o que se chama decapitar as chefias, porque nenhuma sub-chefia tem condições psicológicas numa situação daquelas para assumir as chefias das outras.»

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Como Spínola enganou Costa Gomes

Costa Gomes tinha sido eleito pelos capitães de Abril para ocupar a Presidência da República. De repente, na reunião da Junta de Salvação Nacional, Spínola surge como Presidente. O que se passou? Dinis de Almeida explica.
«Havia pouquíssimo relacionamento dos indivíduos da Junta connosco e o único ponto de ligação eram Costa Gomes e Spínola. Levantámos a questão: se decidimos que era o Costa Gomes, porque é que houve uma desobediência à nossa votação?»
«O Costa Gomes depois contou-nos: "Nós reunimo-nos para escolher o Presidente da República. Eu estava convencido que era eu, porque sabia que tinham votado em mim. Fez-se um grande período de silêncio e eu, que era consabidamente o eleito e ficava mal propor-me para o cargo, disse que tínhamos de escolher entre nós. ‘Aqui, por exemplo, o Spínola’, disse eu. E o Spínola respondeu logo: ‘Eu aceito.’»

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A guerra desaparece no horizonte

Um mar de gente de todas as idades a gritar, dando as boas vindas à liberdade enfim conquistada. A festa é feita de mãos, ora em largos gestos no ar, ora a oferecer longos abraços. De preferência a um militar, com as suas espingardas enfeitadas de cravos rubros.
«Estes soldados estavam preparados para embarcar para o ultramar e, quando muito, tinham uma motivação meramente filosófica para combater. Em princípio nenhum deles tinha propriedades em África. No entanto, estes rapazes iam para unidades militares de combate que eram eufemisticamente chamadas de unidades de reforço à guarnição normal», lembra Dinis de Almeida.
As guarnições normais situavam-se nas zonas urbanas e eram ocupada com jovens do recrutamento provincial, enquanto as unidades de reforço, vindas da metrópole, iam para o mato combater.
«Esta era uma política perversa e propositada: se tivesse de haver mortos e feridos (e sabemos que havia), então que fossem os da metrópole», acusa o capitão de Abril. «Os europeus que estavam em África faziam falta como colonos e os da metrópole não, porque emigravam na força da vida para outros países.»

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A perplexidade dos pides

«As detenções dos pides nem sempre foram muito coerentes. Nalguns sítios foram bem tratados, noutros foram mal tratados. Naquela coluna, os pides não sabem bem o que lhes vai suceder. Não vão com algemas, não estão a ser enxovalhados, até vão ao lado do comandante da força», descreve Dinis de Almeida, que identifica «uma certa perplexidade e falta de culpabilidade por parte dos pides».
«Um vai como que a perguntar o que lhes vai suceder, porque eles têm ligações ao general Spínola que os procura proteger. Só que a pressão popular é de tal maneira forte no sentido do derrube dos pides, que Spínola sente que não tem força para se opor às detenções.»
Dinis de Almeida recorda que Spínola tinha a intenção de preservar o aparelho da Pide na sua maioria, substituindo apenas os comandos, e que, conjuntamente com Costa Gomes, propôs que os pides da metrópole fossem presos, mas que todos os que estavam em África continuassem em funções.


«Avante!» Nº 1378 - 27.Abril.2000